MARCO ANTÔNIO CAMPANELLA (*)
Recentemente, o sr. Guedes sacou de seu coldre imaginário a possibilidade de instauração de um novo ato institucional número 5, o famoso AI-5 dos tempos de chumbo, requentando uma ameaça antes feita pelo 03 de Bolsonaro, o Eduardo.
Segundo ele, o governo deve prevenir-se quanto à possibilidade de eclosão, no território nacional, de manifestações similares às que ocorrem no Chile e em outros países latino-americanos onde o modelo neoliberal – o mesmo que ele insiste em implementar, sucumbiu, gerando uma legião de novos miseráveis.
Ou seja, o governo deve ter instrumentos capazes de coibir as manifestações de revolta aos resultados da política econômica que ele e Bolsonaro, teimosamente, adotam no Brasil, a despeito dos graves sinais de insatisfação social e dos evidentes reflexos negativos que impactam o quadro social e o sistema econômico.
Quais os limites dessas medidas? Uma nova Lei de Segurança Nacional? O fechamento do Parlamento, o amordaçamento da imprensa ou o fechamento do Judiciário?
Difícil imaginar que os atuais ocupantes do poder central e seu mandatário maior cheguem a tanto, depois de mais de 30 anos em que sepultamos a ditadura e iniciamos a construção de uma sociedade democrática, ainda que nos marcos de um capitalismo ainda muito dependente e extremamente excludente.
Mas, em se tratando de Bolsonaro, cujo núcleo familiar e político desvela, a cada dia, liames claros com a milícia exterminadora de vidas e lideranças, tudo é possível, inclusive uma virada de mesa se isso for viável.
Até o momento, nenhum integrante da equipe econômica do governo havia se manifestado sobre uma questão eminentemente política e institucional. Quem o fez, pela primeira vez, foi o número um da economia, o próprio ministro, o mesmo que compôs a equipe de consultores que esteve no Chile há cerca de 30 anos para implantar o famigerado desmonte dos benefícios previdenciários naquele país, cujos resultados são conhecidos, hoje, por todos, pela sua perversidade. Enfim, o ministro a quem Bolsonaro entregou o comando da economia por não entender do assunto.
Guedes entende muito bem da matéria, principalmente dos velhos e surrados manuais da Escola de Chicago, que continua exercendo uma influência acadêmica em nosso país, apesar do esgotamento dos modelos monetário-fiscalistas apregoados por instituições financeiras internacionais a serviço das grandes potências, especialmente os EUA, como se viu no Chile, na Colômbia, na Argentina, no Uruguai, no Paraguai e em praticamente todo Continente.
A manifestação do ministro é reveladora do que ele e, certamente, Bolsonaro começam a antever diante da materialização da política ultraliberal em curso.
O governo pretende promover a retomada da economia e a geração de empregos pelo único e perverso caminho da precarização do trabalho, iniciado por Temer com o desmonte da CLT. Agora mesmo, uma “nova” reforma trabalhista está em curso com a Medida Provisória 905, outra iniciativa que vitaminará ainda mais a informalidade crescente, fulminará com os direitos dos trabalhadores e enfraquecerá a Previdência Pública e o FGTS.
Outro pilar da política econômica são as privatizações, com prioridade em áreas estratégicas (petróleo, energia, infraestrutura etc.), entre outros setores alienados a preço vil, cujo controle, invariavelmente, pelo que já verificamos em outros processos, será estrangeiro, privado e, até mesmo, estatal.
As empresas brasileiras, pela inanição do Estado ou a ação flagrantemente desregulamentadora, estão sendo tragadas pelo capital forâneo, e isso não apenas em áreas de concorrência, mas em segmentos estratégicos como saúde e educação.
Com isso, intensifica-se o fenômeno verificado há anos de desindustrialização e desnacionalização da economia brasileira. Quem ganha com isso, apenas o capital financeiro, cujas operações se ampliam e se diversificam em suas modalidades mais variadas, seja através dos grandes bancos, nacionais e internacionais, dos chamados “fundos de investimento” e outros rentistas de todos os matizes, componentes do único grupo econômico blindado dos efeitos da crise que, há tempos, já chegou para os trabalhadores em geral, a classe média e o setor produtivo.
Fartos estudos demonstram uma transferência brutal da renda de todos os segmentos da sociedade para o capital financeiro, que tem em Guedes o seu principal porta-voz.
Enquanto exterminam o emprego de nossos trabalhadores e o futuro de nossos jovens, sem escola e sem trabalho, noticia-se que o lucro acumulado do Bradesco, Itaú Unibanco, Santander e Banco do Brasil, juntos, foi de R$ 59,7 bilhões nos três primeiros trimestres do ano, ultrapassando os R$ 57,7 bilhões que os mesmos bancos aquinhoaram no mesmo período de 2015, em valores já corrigidos pela inflação.
Trata-se de um sinal claro de que o capital financeiro monopolista, com a cumplicidade de um banco estatal já destituído há anos de seu papel social e indutor do desenvolvimento, movimenta-se, associado a outras modalidades do rentismo, nacional e estrangeiro, como uma grande vaga a açambarcar a tudo e a todos, impondo uma hegemonia destruidora em nossa economia.
Desde o seu surgimento, com maior intensidade ainda no século XX, não identificamos nenhum país em que esse capital, pela sua natureza, conseguiu conviver, ao tornar-se hegemônico, harmonicamente com a democracia, mesmo com as que se desenvolveram em importantes economias capitalistas, nas quais não raramente recorreram a golpes de Estado, camuflados ou não, e, até mesmo, ao assassinato de chefes de Estado legitimamente eleitos.
O capital financeiro em sua fase monopolista é inimigo da democracia e, por via de consequência, do povo e da nação. Nos países em que consegue, por um caminho ou outro, sequestrar o Estado e o governo de plantão aos seus desígnios, torna-se crescentemente agressivo, pois seus incontroláveis interesses dependem da asfixia da vontade popular e da manipulação grosseira dos processos democráticos e eleitorais.
Bolsonaro e Guedes são a expressão, grotesca, é verdade, desses interesses mais apodrecidos que teimam em submeter a nação brasileira ao seu apetite inesgotável, mas, ao enveredarem pelo caminho do fascismo, aberto ou mascarado, estão sendo absolutamente coerentes com o que representam do ponto de vista econômico e social.
Só não sabem que aqui, como em outras partes de nosso bravo continente, cujas terras foram germinadas pelo sangue de gerações de heróis comandados por Tiradentes, José Bonifácio e Getúlio; Bolívar, Sucre e San Martin; Artigas e Perón; O’Higgins e Allende; Martí e Artigas; entre tantos outros, isso é absolutamente impossível, e, muito mais cedo do que imaginam, as novas amarras da submissão serão destruídas como tantas outras o foram ao longo de nossa honrosa e digna trajetória de Nação e de Continente.
Tudo, como sempre, é uma questão de tempo e, quem viver, verá…
(*) Jornalista, foi Editor-Chefe do HP e é membro do Comitê Central do PCdoB