
Na tentativa de justificar a ação do exército, durante depoimento à Justiça realizado nesta segunda-feira (16), o tenente Ítalo Nunes, comandante da patrulha de oficiais do exército responsável pelos disparos de 257 tiros de fuzil que mataram o músico Evaldo Rosa dos Santos e o catador de recicláveis Luciano Macedo, afirmou que Macedo estava armado no momento em que houve o fuzilamento. O caso ficou conhecido por “80 tiros” devido às balas que acertaram o carro de Evaldo.
“O vi ao lado do Ford Ka (dirigido por Evaldo) atirando em nossa direção”, declarou o militar, para justificar os tiros. No entanto, nenhuma arma foi encontrada com o catador e nenhum registro de disparo foi detectado durante a perícia criminal realizada na região. Em seu relato, o tenente Nunes incriminou o catador de materiais recicláveis.
De acordo com ele, Luciano foi visto pelos militares, momentos antes das mortes, assaltando um veículo. Quando questionado sobre a inexistência de armamento encontrado no local do crime, o militar ainda disse acreditar que uma pistola tenha sido levada de volta para o interior da favela por uma das pessoas que estavam no veículo.
“Nas imagens feitas posteriormente de cima é possível ver uma das ocupantes do carro olhando para o chão, procurando algo. As imagens não mostram arma no chão, mas essa postura é suspeita”, sustentou o comandante da operação.
O tenente ainda afirmou que a patrulha estava “abalada”, por que, horas antes do crime, trocou tiros com traficantes da região. O militar completou o depoimento dizendo “não acreditar” que Luciano “era mesmo catador”.
Os militares do Exército foram denunciados em maio deste ano pelos crimes de homicídio qualificado e omissão de socorro.
GUADALUPE
O tenente foi o primeiro dos 12 militares que serão ouvidos pela Justiça Militar — nove deles respondem pelo duplo assassinato. Eles dispararam ao todo 257 tiros durante a ocorrência em Guadalupe, zona norte do Rio, dos quais 83 atingiram o veículo em que Evaldo e a família estavam. Luciano, que prestava socorro às vítimas, também foi atingido pelos disparos e morreu dias depois de internado.
Os depoimentos dos militares foram adiados por duas vezes, sendo esta, a primeira vez que eles falam publicamente sobre o crime.
Em agosto, o depoimento já havia sido adiado, após a constatação de que a Polícia Militar não enviou para prestar depoimento, conforme solicitado pela defesa dos réus, PMs que chegaram ao local logo depois dos disparos em uma viatura Ford Ranger. Em setembro, a Justiça Militar decidiu adiar de novo o depoimento dos 12 militares envolvidos nos crimes ocorridos em 7 de abril. A estratégia da defesa dos militares em pedir o adiamento do interrogatório se baseou no fato de eles responderem em liberdade pelos assassinatos de Evaldo e Luciano.
Em maio, por 11 votos a 3, os ministros do STM (Superior Tribunal Militar) decidiram conceder liberdade aos militares envolvidos na ação. Eles haviam sido denunciados pelo MPM (Ministério Público Militar) na Justiça Militar. Os nove militares são réus pelos crimes de duplo homicídio qualificado, tentativa de homicídio qualificado e por não terem prestado socorro às vítimas. Em depoimento à Justiça Militar, as viúvas de Evaldo e Macedo disseram que os militares envolvidos na ação que matou seus maridos “debocharam” dos pedidos de socorro.
Foram presos o tenente Ítalo da Silva Nunes Romualdo, o sargento Fábio Henrique Souza Braz da Silva e soldados Gabriel Christian Honorato, Matheus Santanna Claudino, Marlon Conceição da Silva, João Lucas da Costa Gonçalo, Leonardo Oliveira de Souza, Gabriel da Silva de Barros Lins e Vítor Borges de Oliveira. Todos atuam no 1º Batalhão de Infantaria Motorizado, na Vila Militar, na zona oeste do Rio.
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