Altos funcionários se venderam a troco de propina e repassaram informações secretas da estatal para favorecer empresas estrangeiras
A Polícia Federal deflagrou na quarta-feira (18/12) uma operação, batizada de “Óbolo”, para investigar a ação de empresas multinacionais que lesaram a Petrobrás.
Foram cumpridos 12 mandados de busca e apreensão. A PF apura denúncias de que as empresas estrangeiras tenham conseguido informações privilegiadas e se beneficiado em ao menos 200 contratos de afretamento de navios celebrados pela Petrobrás entre 2006 e 2010, que somam mais de R$ 6 bilhões.
MAERSK, MAIOR EMPRESA DE FRETES DO MUNDO
Três empresas foram alvos das buscas na quarta-feira (18). São elas: a gigante dinamarquesa Maersk, a Ferchem, com sede no Egito, e a corretora brasileira Tide Maritime.
De acordo com o procurador da República Marcelo Ribeiro, elementos oriundos de depoimentos anteriores do ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás, Paulo Roberto Costa, foram usados para a deflagração desta operação.
A PF explicou que o nome desta etapa faz referência à moeda que, de acordo com a mitologia grega, era usada para remunerar o barqueiro Caronte. Era ele que conduzia as almas por meio do rio que separava o mundo dos vivos dos mortos.
Marcelo Ribeiro afirmou que esta etapa da investigação não foi iniciada antes devido à falta de informações que, agora, o Ministério Público Federal (MPF) tem.
Vigo Andersen, CEO da Maersk no Brasil, recebia informações privilegiadas de Paulo Roberto Costa, através do operador financeiro Wanderley Saraiva Gandra, em troca de propinas, que permitiam à empresa assinar contratos vantajosos com a Petrobrás.
As informações eram passadas por Paulo Roberto Costa para Wanderley uma vez por ano, “pois a Petrobrás fecha uma vez por ano a programação anual da contratação de navios” (cf. Termo de colaboração n.º 52 de Paulo Roberto Costa).
Da comissão total de 3% dos contratos, 0,5% era destinado a Vigo Andersen e 2,5% eram destinados à empresa Gandra Brookerage. Os valores que iam para Gandra eram divididos igualmente com Paulo Roberto Costa, que confessou o recebimento desses valores.
O Grupo Maersk é o maior conglomerado de navegação do mundo. Seu faturamento em 2013 foi de US$ 47,3 bilhões.
VITOL, A GIGANTE SUÍÇA DE TRADING, SUBORNOU PARA GANHAR CONTRATOS
Esta operação reforça também as suspeitas do envolvimento da diretoria de Paulo Roberto Costa, especificamente da gerência de Marketing e Comercialização, dirigida por Carlos Martins Barbosa, que está preso, em outro esquema envolvendo informações privilegiadas sobre contratos de compra e venda de petróleo e derivados, que beneficiaram multinacionais de trading, inclusive a suíça Vitol, maior empresa de trading do mundo.
Relatório solicitado à Global Witness (organização que investiga a relação entre a exploração dos recursos naturais com a pobreza, corrupção e abuso dos direitos humanos) revela, em seu texto intitulado “Amizades escusas”, que a Glencore e a Vitol pagaram milhões de dólares a intermediários, que agora enfrentam acusações de corrupção separadamente. Em agosto do ano passado, procuradores denunciaram alguns dos intermediários pelo pagamento de propina a altos funcionários da Petrobrás, em contratos fechados pouco antes de trabalharem para a Glencore e a Vitol.
Segundo o MPF, as empresas recebiam informações privilegiadas sobre preços, locais de abastecimento, o uso de navios e até os tanques em que o produto seria estocado. Tudo isso permitia às multinacionais manipularem os preços do mercado e faturarem acima da média. Em troca, elas recompensavam com propinas quem vazava os dados.
E-MAIL INTERCEPTADO COMPROVA CRIMES
Um e-mail interceptado pela Polícia Federal mostrou um funcionário da Petrobrás repassando informações sobre três navios. Há detalhes do local de embarque e a carga (veja abaixo).
Há um ano a PF prendeu o ex-gerente da Petrobrás Carlos Martins Barbosa e outras dez pessoas ligadas ao esquema. Apesar de estar subordinado a Paulo Roberto Costa, o gerente de Marketing e Comercialização não apareceu nas confissões do ex-diretor em seu acordo de colaboração premiada.
Depois de preso, o ex-gerente da Petrobrás confessou que as multinacionais pagavam para ter acesso a informações confidenciais da estatal sobre o preço de compra e venda de petróleo.
PROPINA ERA POR CADA BARRIL DE PETRÓLEO
Segundo Barbosa, as empresas de trading pagavam a propina por barril de petróleo. De cada carga negociada com a Petrobrás, “foi acertado junto ao Lauro Moreira – responsável pela Vitol no Brasil – que a Vitol, independente do preço, independente das quantidades, independente do navio, do porte do navio, do destino, pagaria 12 centavos de dólar por barril de cada carga fechada a ser aplicada no volume fechado”, disse Barbosa.
“É que no trading”, explicou Barbosa, “quando você quer ganhar propina, você não ganha 10 dólares por barril numa carga. É a perpetuidade de pouquinhos centavos em cada venda, em cada produto, é que proporciona o ganho ilícito”.
TRAMA ERA FEITA EM HOUSTON
“Tudo era feito em escritórios da estatal que ficam nos EUA e Inglaterra. Um dos agentes públicos trabalhava em Houston, porque a Petrobrás tinha um escritório lá. Atua em outras áreas, mas tem um escritório na área de trading. E lá ele estava muito próximo dos traders das empresas estrangeiras. Não é crime só aqui, é crime no território dos EUA”, disse o ex-gerente.
“Essa área de trading é uma área muito cobiçada pelos políticos e internamente também. Porque o trader tem muita autonomia. Os chefes e os gerentes têm muita autonomia e lidam com valores muito expressivos”, acrescentou Barbosa.
Sete “funcionários e ex-funcionários” da estatal – Rodrigo Garcia Berkowitz, Jeceny Jorge Lourenço Rodrigues, Carlos Roberto Martins Barbosa, César Joaquim Rodrigues da Silva, Marcus Antônio Pacheco Alcoforado, Jorge de Oliveira Rodrigues e Márcio Pinto de Magalhães – tiveram seus e-mails disponibilizados para a Polícia Federal por serem acusados de envolvimento no esquema de entrega de informações sensíveis da estatal para as multinacionais.
As investigações estão revelando que não foi somente o cartel das empreiteiras, chefiado pela Odebrecht, que sabotou os interesses da maior empresa pública brasileira. Multinacionais subornaram elementos apátridas que se dispuseram a agir como verdadeiros agentes dessas empresas estrangeiras dentro do país.
Eles viabilizaram o assalto pelas multinacionais dos cofres da mais respeitada empresa brasileira. A Petrobrás é o símbolo maior da construção da Nação brasileira. Este crime contra os interesses nacionais é gravíssimo.
OPERAÇÕES DESNECESSÁRIAS RENDIAM BILHÕES
As operações de compra e venda da Petrobrás sempre levantaram suspeitas de que poderiam ser alimentadas por interesses privados e escusos, muitas vezes contrários aos interesses da Petrobrás, mas esse crime não havia ainda entrado no radar da Polícia Federal.
O Ministério Público Federal obteve ajuda de autoridades na Suíça que executaram mandados de busca em endereços de Genebra associados à Vitol e à Trafigura, que são investigadas por corrupção e lavagem de dinheiro por subornar funcionários da Petrobrás.
A compra e venda de petróleo e derivados movimenta bilhões de dólares. É como uma grande bolsa de valores em que os produtos mudam de preços a todo instante. Os operadores precisam de vários tipos de informações para definir os preços. Quem vende, quem compra, localização dos navios, tempos das viagens, quantidade de carga, locais de armazenamento. Quem negocia tudo isso são as chamadas traders, operadoras multinacionais que dominam o mercado.
Ex-diretores da estatal ouvidos pela reportagem do HP afirmam que as revelações mais recentes sobre a atuação das traders multinacionais explicam em parte porque a estatal era – e é – obrigada até hoje a realizar operações de vendas de petróleo no exterior, ao mesmo tempo em que importa o mesmo produto.
Seria mais vantajoso abastecer o mercado interno todo e exportar o excedente. Mas não é isso o que é feito.
O motivo é que cada operação dessas rende bilhões em ganhos para essas empresas e gordas propinas para quem decide fazê-las.
Assim ocorre também com a inexplicável subutilização das refinarias brasileiras, que chegaram a ter uma ociosidade de um quarto de sua capacidade de operação, enquanto o país é obrigado a importar derivados. Muitos bilhões foram pagos a essas empresas pelas duvidosas operações de compra e venda de óleo e derivados.
Gigantes do mercado internacional do petróleo estão em investigação. A suíça Vitol Inc, a Chemium, Trafigura, Cockett, Mercuria, Arcadia, Oil Trade & Transport (OTT), Chemoil, Glencore, Aegean, Oceanconnect e WFSGlencore e a holandesa Trafigura são acusadas de pagar 31 milhões de dólares, cerca de 130 milhões de reais, em propinas.
Barbosa informou que, como as multinacionais não tinham como pagar a propina dentro do Brasil, ele [Barbosa] abriu uma conta na Suíça para receber os subornos. Carlos Roberto Martins Barbosa disse que recebeu propinas entre 2003 e 2005 para conseguir contratos de óleo combustível para a Vitol com a Petrobrás, sob condições favoráveis.
Pagamentos equivalentes a 12 centavos de dólar por barril foram em parte depositados pela Vitol na conta bancária de Barbosa na Suíça, de acordo com seu depoimento de 23 de outubro de 2018.
Para lavar o dinheiro desviado, o ex-gerente da Petrobrás comprou imóveis em áreas nobres do Rio de Janeiro. Um apartamento no valor de 3 milhões de reais foi um deles. Quando Paulo Roberto Costa foi preso, ele ficou com medo e tentou vender o imóvel. Só que, em uma escuta telefônica, a PF flagrou Carlos Barbosa evitando falar com a ex-mulher sobre o imóvel ao telefone.
Depois de ser preso, o ex-executivo admitiu à Justiça a compra do apartamento com dinheiro de propina. “O apartamento foi comprado com dinheiro da Petrobrás”, disse ele. “O dinheiro que eu achava na época que era meu”.
Os subornos atingiram um total de pelo menos US$ 31 milhões para funcionários corrompidos da Petrobrás, entre 2009 e 2014. Os negócios eram comandados pela Vitol, Trafigura e Glencore. Essas empresas depositavam as propinas em 26 contas nos Estados Unidos, Suécia, Suíça, Uruguai, Panamá, Bahamas, Portugal e Reino Unido.
“NUNCA TINHA VISTO TANTA PROVA DOCUMENTAL”
“Há farta prova documental, nunca tinha visto tanta prova documental”, afirmou o delegado federal Filipe Hille Pace, responsável pelas investigações. Na época em que houve a prisão de Carlos Martins Barbosa, foram cumpridos 11 mandados de prisão preventiva, 27 de busca e apreensão e 1 de intimação.
Filipe Hille Pacce explicou que durante as investigações da fase 44 da Lava Jato, em 2017, o ex-gerente da Petrobrás, Carlos Barbosa, estava sob monitoramento. Em conversa do dia 10 de agosto, gravada com autorização da Justiça, ele ouve do advogado André Pazza que eles “teriam feito uma besteira” ao vender um imóvel.
Os advogados buscaram meios de compensar o funcionário corrupto no Brasil em valor equivalente ao que o advogado havia recebido dele no exterior. Complexas operações imobiliárias foram usadas para fazer essa lavagem, entre elas um negócio no edifício Ipanema Guinle.
Esse negócio envolvia a permuta, realizada em 9 de novembro de 2016, do apartamento 803 do Edifício Ipanema Guinle Residence Service, na Rua Prudente de Morais nº 1415, Ipanema, com a Loja 102 do prédio situado na Avenida Lúcio Costa nº 3150, Freguesia de Jacarepaguá, ambos no Rio, com recebimento da diferença: R$ 1,5 milhão em dinheiro.
Com o auxílio de André Pazza, os advogados teriam conseguido “lavar” e devolver “limpo” para Barbosa R$ 6,1 milhões “por meio de transações, sobretudo imobiliárias, ocorridas entre 1 de abril de 2013 e 9 de agosto de 2016”.
RECUPERAÇÃO DO QUE FOI ROUBADO
Espera-se agora que essas multinacionais que montaram os esquemas para sabotar a roubar a estatal brasileira sejam punidas exemplarmente. Espera-se também que tanto elas como os apátridas que foram corrompidos paguem pelos prejuízos que causaram à Petrobrás e ao país.
O excedente econômico obtido com a comercialização do petróleo e derivados não pode ser desviado para interesses escusos. Ele tem que ser usado para beneficiar o desenvolvimento do país e para promover o bem estar da população, que é, em última instância, o dono de todo o petróleo que é extraído e vendido pelo Brasil. Esta é, inclusive, uma ideia defendida insistentemente pelo professor Ildo Sauer, pesquisador da USP, e ex-diretor da Petrobrás.
SÉRGIO CRUZ