Cresce na Austrália o clamor para que o governo cumpra com sua obrigação constitucional de proteger o cidadão Julian Assange, fundador do WikiLeaks e provavelmente o australiano mais famoso do mundo, da iníqua perseguição movida pelo regime Trump para extraditá-lo da Grã Bretanha e silenciá-lo exemplarmente por denunciar os crimes de guerra dos EUA no Iraque e Afeganistão.
Um grupo de mais de 40 figuras públicas de destaque publicou na terça-feira uma “Carta aberta” ao primeiro-ministro Scott Morrison instando-o a defender Assange. A carta detalha a perseguição a Assange que já dura nove anos, encabeçada por Washington, e condena a tentativa de processá-lo sob a Lei de Espionagem .
As personalidades australianas alertaram que uma acusação norte-americana de Assange estabeleceria um precedente para a vitimização de outros jornalistas, o que consideram “incompatível com a liberdade de imprensa, que em tempos de paz e conflito, depende da garantia de que não será negociada”. “A liberdade de expressão é parte integrante da transparência, sem a qual a democracia é necessariamente uma ilusão traiçoeira”, enfatizaram.
A carta insiste em que “o governo australiano aja para defender os direitos ameaçados de Julian Assange”. Alerta, ainda, que está sendo negado atendimento médico adequado a Assange na prisão de segurança máxima britânica de Belmarsh, apesar das advertências de médicos e do Relator Especial da ONU de que sua saúde se deteriorou enormemente e sua vida está em risco.
A carta exige, também, que o governo australiano se pronuncie vigorosamente contra a chamada “acusação extraterritorial” e, no tocante a Assange, solicita que este expresse aberta e preventivamente sua recusa à extradição do jornalista para os EUA. Os signatários também pedem que o governo, em paralelo, providencie uma escolta diplomática para que Assange possa chegar em segurança a uma porta amiga.
A carta foi também endossada pelo famoso denunciante da guerra do Vietnã, Daniel Ellsberg, junto com ex-oficiais de inteligência dos EUA que expuseram os programas de vigilância em massa do governo norte-americano. Foi assinada pelo conhecido advogado australiano de direitos civis Julian Burnside e ainda por jornalistas como Andrew Fowler, Mary Kostakidis, Brian Toohey e Dylan Welch. Mais de uma dúzia de acadêmicos australianos também colocaram seu nome no documento.
Em um comunicado à imprensa, o apoiador de longa data do WikiLeaks, Simon Floth, que organizou a iniciativa, conclamou a que seja salvo “o cidadão mais famoso da Austrália”. Para Kostakidis, “nosso governo revogou sua responsabilidade para com um cidadão australiano e cedeu soberania aos Estados Unidos”.
A carta foi divulgada um dia depois que um grupo de mais de 100 médicos escreveu ao governo australiano, insistindo em que “negociasse a passagem segura de Julian Assange da prisão de Belmarsh para um hospital apropriado na Austrália, antes que seja tarde demais”.
Dirigindo-se à ministra das Relações Exteriores Marise Payne, os médicos questionaram: “Se o Sr. Assange morrer em uma prisão britânica, as pessoas vão querer saber o que você, ministra, fez para evitar a morte dele”.
Para os médicos, sucessivos governos trabalhistas e da coalizão liberal vêm se recusando a mover uma palha em defesa de Assange. Eles rejeitaram as alegações do primeiro-ministro Scott Morrison de que não tem poder para interferir, citando casos de outros cidadãos australianos que receberam a ajuda do governo de Canberra, quando em apuros no exterior – embora, claro, o choque nesses casos não fosse com Washington.
Recentemente, foi formado um grupo parlamentar em defesa de Assange, cujos líderes se comprometeram em visitar Assange no cárcere em Londres no início do ano. O ex-primeiro-ministro Kevin Rudd declarou que a extradição de Assange para os EUA era “inaceitável”. Há dez dias, na entrega do principal prêmio de jornalismo da Austrália, o Walkley Award, Assange foi homenageado e foi lembrado que ele, exatamente pelas publicações pelas quais é agora proibido, foi o premiado de 2011.
No dia 12, o senador verde Peter Whish-Wilson, que integra o grupo parlamentar pró-Assange, divulgou um comunicado em que declarou que “a extradição de Julian Assange para o país cujos crimes de guerra ele expôs estabelece um precedente perigoso para a liberdade de imprensa – e nossa democracia”. “Estamos construindo uma campanha para trazer Assange para casa”, acrescentou.