Jair Bolsonaro afirmou, na terça-feira (24), numa mensagem de Natal, em cadeia de TV, que o “governo termina o primeiro ano de mandato sem nenhuma notícia de corrupção”. Mas, ao contrário da versão que ele tentou vender, não se falou em outra coisa nos últimos meses no país a não ser nos escândalos de corrupção envolvendo integrantes de seu governo e de sua família.
Falou-se também, é bom que se registre, nos cortes criminosos de verbas da Educação, do incentivo governamental à violência e às queimadas na Amazônia e dos ataques alucinados que Bolsonaro fez à democracia, quase todos eles rechaçados prontamente pela sociedade.
Horas antes do pronunciamento ele havia dito à imprensa que tivera uma “amnésia parcial” após o tombo que levou no banheiro do Palácio Alvorada no dia anterior. Entretanto, o que se nota no pronunciamento é uma “amnésia seletiva”, ou seja, oportunisticamente lembra-se do que interessa e, simplesmente, esquece todo o resto, que deseja esconder.
Não só ele “esqueceu” seletivamente os crimes de seu governo e de sua família, como não falou nada sobre as manobras que fez para abafá-los, como foi o caso da intervenção na Polícia Federal do Rio, a desfiguração do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e as mudanças intempestivas na Receita Federal. Tudo para barrar as investigações.
Seu amigo desde 1983, o ex-PM, Fabrício Queiroz, indicado por ele para assessorar Flávio Bolsonaro, desviou milhões dos cofres públicos através de um esquema de lavagem de dinheiro que envolveu funcionários fantasmas, inclusive ligados às milícias do Rio, no gabinete do parlamentar. Queiroz está sendo investigado junto com Flávio. Mas, para ele, isso não é denúncia de corrupção. É só “perseguição” a ele e à sua família.
O Coaf havia detectado uma movimentação que chegou a R$ 7 milhões na conta de Queiroz, entre 2014 e 2017. Quatrocentos depósitos de funcionários fantasmas foram identificados pelo MP/RJ na conta do assessor de Flávio.
Até depósitos na conta de Michelle Bolsonaro foram descobertos pelo órgão de fiscalização. E, na semana passada, todos os envolvidos no esquema tiveram seus sigilos quebrados pela Justiça. Para Bolsonaro, nada disso é corrupção.
O próprio Flávio foi flagrado em operações de compra e venda de imóveis com preços adulterados, que, segundo o Ministério Público do Rio de Janeiro, caracterizam fraudes contábeis com vistas à lavagem de dinheiro.
Numa dessas operações, o então deputado, depositou R$ 600 mil em dinheiro vivo na conta de um corretor que, oficialmente, estava adquirindo dois imóveis seus por um valor pago em cheque, e declarado, de R$ 350 mil. Um ano depois esses mesmos imóveis foram vendidos com 210% de ganho.
Para o MP isso é típico de lavagem, pois a valorização média dos imóveis na região tinha sido de 11% no mesmo período.
Até a loja de chocolates de Flávio Bolsonaro, na Barra da Tijuca, uma franquia da Kopenhagen, participou, segundo o MP, da lavagem de dinheiro de seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio. A suspeita teve início quando se constatou que o volume de depósitos em dinheiro vivo na conta da franquia da Kopenhagen do hoje senador Flávio Bolsonaro era desproporcional em relação a negócios semelhantes.
Os investigadores afirmam também que a entrada dos recursos em espécie em favor da empresa coincidia com datas em que Fabrício Queiroz arrecadava parte dos salários dos funcionários fantasmas. A loja foi alvo de busca e apreensão numa operação feita na quarta-feira (18/12).
Quer corrupção mais grave do que a constatação de que um assassino de aluguel, foragido da Justiça, integrante do Escritório do Crime, Adriano Nóbrega, também ex-PM, chefe de Ronnie Lessa, preso pelo assassinato da vereadora Marielle Franco, recebia parte do salário de sua mulher, Daniele Nóbrega, que era funcionária fantasma do gabinete de Flávio Bolsonaro?
Tudo isso veio à tona nos últimos meses e Jair Bolsonaro diz que não houve nenhuma denúncia de corrupção!
Mesmo com toda a “amnésia seletiva”, vai ser difícil esconder tanta falcatrua. Só para se ter uma ideia, a mãe do miliciano citado acima, Raimunda Veras Magalhães, também era funcionária fantasma de Flávio Bolsonaro. Seu restaurante, no Rio Comprido, ligado às milícias, também fez depósitos na conta de Queiroz.
Agora vamos aos outros escândalos que Bolsonaro disse que “não aconteceram” em seu governo.
Seu Ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, foi denunciado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público por desviar dinheiro público através do uso de candidaturas laranja do PSL em seu estado natal, Minas Gerais. O caso ficou conhecido como “Laranjal de Minas”.
O ministro chegou a ser denunciado por ameaçar de morte a deputada Alê Silva (PSL-MG) que revelou o roubo da verba pública eleitoral pelo grupo de Álvaro Antônio. Bolsonaro jogou o escândalo par debaixo do tapete e manteve o ministro no cargo.
Isso sem falar que o presidente do partido que elegeu Bolsonaro, Luciano Bivar, hoje desafeto do presidente, também responde pelo mesmo crime: desvio de dinheiro público.
O Ministro do Meio Ambiente de Boslonaro, Ricardo Salles, já era réu por fraudar laudos técnicos em troca de propinas de grandes empresas, e foi condenado em 2018 pela 3ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo. Salles teve suspensos os direitos políticos por três anos, além de ser obrigado ao pagamento de multa civil em valor equivalente a dez vezes a remuneração mensal recebida no cargo que ocupava à época do crime.
Em novembro deste ano, em pleno cargo no governo Bolsonaro, o Tribunal de Justiça de São Paulo acatou um pedido do Ministério Público e permitiu a quebra de sigilos bancário e fiscal do ministro. A acusação é de enriquecimento ilícito.
Mas, Bolsonaro não sabe de nada, não lembra de nada e não viu nada.
Como ele “não viu nada”, resolveu então mentir, dizendo que acabou a corrupção no seu governo.
S.C.
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