Em um vídeo que circula na internet, um homem cercado de outras duas pessoas reivindica a autoria do atentado terrorista contra a sede do grupo Porta dos Fundos.
No vídeo, o grupo se autodenomina “Comando Insurgência Popular Nacionalista da Grande Família Integralista Brasileira”. Todos os integrantes aparecem encapuzados e leem um manifesto enquanto imagens do ataque com coquetéis molotov são exibidos.
Essas imagens coincidem com a gravação feita pela câmera do prédio da produtora do Porta dos Fundos, no Humaitá, que mostra a mesma ação captada por um ângulo oposto.
O grupo terrorista acusa os atores do Porta dos Fundos de depreciar a imagem de Jesus Cristo no especial de Natal.
No vídeo, o grupo de galinhas verdes diz que “buscou justiçar os anseios de todo povo brasileiro contra a atitude blasfema, burguesa e antipatriótica que o grupo de militantes marxistas culturais Porta dos Fundos tomou quando produziu seu especial de natal a mando da mega corporação bilionária Netflix”. “O Porta dos Fundos resolveu fazer um ataque direto contra a fé do povo brasileiro se escondendo atrás do véu da liberdade de expressão”, afirma.
A Polícia Civil vai investigar o envolvimento desse grupo no ataque à sede do “Porta dos Fundos”.
O secretário estadual de Polícia Civil, Marcos Vinícius Braga, recebeu na quinta-feira (26) o ator João Vicente Castro do “Porta dos Fundos”, com o subsecretário Fábio Baruck e com o delegado da 10ª DP (Botafogo) Marcos Aurélio Ribeiro.
No entanto, o secretário disse que o caso é “gravíssimo”, mas rejeitou terrorismo. “Descartamos terrorismo. Estamos investigando o crime como explosão e tentativa de homicídio, já que havia um segurança dentro da produtora”, afirmou Marcus Vinícius.
Segundo ele, apesar do vídeo, os terroristas negaram a autoria do crime.
“O vídeo é verídico, mas não se sabe se realmente foram eles. O grupo, que se diz integralista, já negou a autoria. Alguém colocou o vídeo e o grupo disse que não é deles”, afirmou o subsecretário Fábio Baruk.
Um vídeo gravado por uma câmera de segurança identifica a placa da caminhonete onde estavam dois dos três terroristas que atacaram o prédio da produtora. Um deles estava com o rosto descoberto.
Ao todo, há seis câmeras que apontam para a entrada do prédio. Ainda esta semana, testemunhas do ataque serão ouvidas, como o segurança do prédio que conseguiu apagar o fogo.
O ataque à sede da produtora do Porta dos Fundos foi repudiado pelo bispo-auxiliar da Arquidiocese do Rio de Janeiro, Dom Antonio Augusto Dias Duarte.
“É preciso deixar bem claro que Jesus Cristo não veio promover os ataques e a violência entre pessoas, mas sim a paz e a harmonia. Se Jesus é representado como bêbado ou como gay, isso não pode, de jeito nenhum, ocultar a verdadeira identidade de Jesus, um Deus que vem para o mundo com uma única finalidade, resgatar o homem para o bem. Seja um ataque com bombas, seja uma postura homofóbica, seja uma caricatura de Jesus Cristo, o que está por cima de tudo isso é o valor que Jesus dá a cada pessoa, independentemente de suas posições favoráveis ou desfavoráveis a ele”, disse o bispo.
O Porta dos Fundos tem sido alvo de ataques de bolsonaristas e outros grupos direitistas após fazer um especial polêmico de Natal, em que Jesus é retratado como gay e Deus como falso. Todo ano o grupo faz especiais de Natal tratados com humor.
No último dia 19, a juíza Adriana Sucena Monteiro Jara Moura, da 16ª Vara Cível do Rio de Janeiro, negou um pedido de liminar para tirar o vídeo do Porta dos Fundos do ar.
Para a magistrada, “o Judiciário só pode proibir a publicação, circulação e exibição de manifestações artísticas quando houver a prática de ilícito, incitação à violência, discriminação e violação de direitos humanos nos chamados discursos de ódio” e que o especial não cabe nestas categorias.
“Há que se ressaltar que o juiz não é crítico de arte e, conforme já restou assente em nossa jurisprudência, não cabe ao Judiciário julgar a qualidade do humor, da sátira, posto que matéria estranha às suas atribuições”, avaliou. Ela ressaltou que como o especial está no Netflix, só o assiste quem quer.
Em entrevista para o jornal O Globo, o ator Fábio Porchat afirmou que “esse tipo de intolerância tem se mostrado cada vez mais comum”. “Se não identificarmos esses terroristas, isso pode soar como um aval para que mais atentados sejam encorajados a acontecer. O país e o estado precisam mostrar que não aceitamos ataques violentos de qualquer espécie contra quem quer que seja. Contra o presidente, contra o Porta dos Fundos ou contra você”, disse Fábio Porchat.
“Penso que o ódio pelo Especial de Natal diz muito mais sobre quem o repudia do que sobre nós. A homofobia é nítida nesse caso. Para nós, do Porta dos Fundos, ser gay é uma característica como qualquer outra. A pessoa pode ser alta, baixa, branca, negra, gay, hétero. Para os homofóbicos, ser gay é xingamento. Aí é que mora o preconceito”, declarou o ator.
Antiga integrante do grupo, Clarice Falcão repudiou o atentado. “O Porta dos Fundos foi vítima de um ataque fascista. Já estive em algumas esquetes controversas e lembro que recebemos ameaças de processo, notas de repúdio e pedidos de boicote – nunca isso. São tempos tristes e assustadores. Minha solidariedade a todos do Porta”, disse a atriz.
O humorista Marcelo Adnet afirmou que “o ataque à produtora do Porta dos Fundos torne o grupo e a liberdade de expressão mais fortes. Nosso Humaitá, após as ofensivas contra a Casa do Mago, resiste mais uma vez. Que se identifiquem os culpados. Paz e Feliz Natal a todo mundo!”.
“A gente aqui não tá falando do Porta dos Fundos, está falando sobre liberdade de expressão. Temos um ato violento que aconteceu e que a gente não vai permitir que aconteça. A gente confia totalmente no trabalho da polícia. O Rio não precisa de mais grupos violentos. A gente precisa cortar este mal pela raiz”, cobrou o ator João Vicente de Castro, do Porta dos Fundos.
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