Os fascistas que giram em torno da figura de Donald Trump, presidente dos EUA, acham normal que ele pressione um dirigente da Ucrânia a fazer uma investigação dos negócios de um norte-americano, no caso o filho do democrata Joe Biden, ex-vice-presidente de Barack Obama, naquele país. Já os democratas acham o contrário. Eles jogam todas as fichas no desgaste político que Trump poderá sofrer, no ano de eleição, com um processo de impeachment por ter, neste caso, segundo a opinião democrata, cometido um crime de responsabilidade.
O processo teve início e o impeachment foi aprovado na Câmara dos Deputados. Agora, quando Nancy Peloci, presidente da casa, quiser, ele seguirá para o Senado.
Donald Trump chegou ao poder como resultado de uma maquinação diabólica contra o eleitorado americano, conduzida pelo bilionário de extrema direita, Robert Mercer, e seu funcionário, Steve Bannon, que tornou-se assessor da campanha republicana. Estribados na atuação criminosa da empresa Cambridge Analityca, os magos da mentira e da manipulação digital conseguiram moldar a opinião de delegados de algumas regiões chaves do país e, mesmo sem maioria no voto popular, venceram no colégio eleitoral americano.
Sem dúvida, contribuiu para o êxito desta “maquinação diabólica” o desgaste da candidata democrata, Hillary Clinton, representante oficial da odiosa agiotagem de Wall Street, e responsável pela verdadeira carnificina que foi a política externa de Barack Obama. Muitos americanos ainda tinham na memória, durante a eleição, a imagem da candidata democrata dando pulinhos de alegria e batendo palmas enquanto o líder do povo líbio, Muammar Kadafi, era emboscado, empalado e assassinado por agentes de segurança americanos ladeados pelos sócios locais.
Apesar da salutar torcida de boa parte dos norte-americanos para que o fascista Donald Trump sofra o impeachment, o fato de estarem ausentes da atuação dos democratas o combate firme aos ataques feitos por ele aos direitos populares duramente conquistados, à sua política anti-humana, anti-imigração, racista e arrogante, faz com que a mobilização da sociedade pelo seu afastamento não tenha a dimensão que é necessária para efetivamente afastá-lo do poder. Restrito ao parlamento, e com os democratas focados apenas no telefonema de Trump, o impeachment não deverá passar pela maioria republicana no Senado.
Uma análise mais detida dos fatos que estão em discussão, especificamente o telefonema feito pelo presidente dos EUA ao presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensk, comprometem Trump seriamente. Num país democrático, ele certamente seria afastado. Mas, não é o que deve ocorrer neste caso.
O “crime” cometido agora por Donald Trump tem, de forma desconcertante para os democratas, a mesma gravidade da ação levada a cabo na administração Obama, quando de sua associação com os nazistas ucranianos em 2014 para a derrubada do governo constitucional de Viktor Yanukóvytch.
Não há como fugir das semelhanças entre o telefonema de Trump e as ações ilegais, encobertas e abertas, na Ucrânia, em 2014, descritas por Richard Becker, em seu artigo “A disputa intra-burguesa nos EUA”, publicado em “La Liberation”, do qual destacamos alguns trechos. A seletividade dos democratas na cruzada acusatória enfraquece sua atuação contra Trump.
Aliás, como lembra Becker, a ida de Joe Biden e de seu filho Hunter, naquela ocasião, para a Ucrânia, inclusive a participação deste no conselho de administração de uma grande empresa de gás daquele país, a Burisma, tem relação direta com a operação de derrubada do governo local. Comandado pelo governo americano, o golpe levaria os nazistas ao poder naquele país.
Joe Biden foi designado por Barack Obama para “supervisionar” a manobra que derrubou Yanukóvytch. Biden continuou a desempenhar um papel fundamental no país após o golpe. Em agosto de 2016, ele descreveu para a revista Atlantic como ele havia removido o equivalente ao Procurador-Geral do país um ano antes.
Vejamos, então, a título de comparação, o teor das ligações telefônicas, tanto de Trump a Volodymyr Zelensky, em 25 de julho, quando o presidente dos EUA comete o crime ora investigado, quanto a de 2014, feita pela secretária de Estado Assistente, Victoria Nuland, para o embaixador dos EUA na Ucrânia, Geoffrey Pyatt. As duas intervenções são desconcertantes e mostram a arrogância, tando de democratas, quanto de republicanos, em suas relações com outros países. Vejamos, então, o que diz Becker.
“Desde que o relatório Mueller – procurador especial Robert Mueller – foi lançado em agosto de 2019 e concluiu que não havia conluio entre a campanha de Trump-2016 e a Rússia, Trump e o procurador-geral William Barr embarcaram em uma empreitada internacional para descobrir as origens do boato de cooperação Rússia-Trump.
“Trump primeiro reclama com Zelensky que os países da União Europeia não estão fazendo o suficiente para ajudar a Ucrânia, enquanto os Estados Unidos estão fornecendo apoio. Em seguida, ele sugere que Zelensky ajude na investigação da Crowdstrike, empresa privada de segurança cibernética que informou ao FBI que foram os russos que invadiram os servidores do Comitê Nacional do Partido Democrata em 2016.
“A transcrição do telefonema de Trump e Zelensky, divulgada pela Casa Branca em 25 de setembro, registra Trump dizendo a Zelensky:
“Gostaria que você nos fizesse um favor, porque nosso país passou por muita coisa e a Ucrânia sabe muito sobre isso. Eu gostaria que você descobrisse o que aconteceu com toda essa situação com a Ucrânia, eles dizem Crowdstrike … Acho que você tem um dos seus ricos … O servidor, eles dizem que a Ucrânia tem.”
“Depois de perguntar sobre a CrowdStrike, Trump pede a Zelensky para ajudar em uma investigação sobre Hunter Biden e seu pai, Joe Biden.
“A outra coisa, há muita conversa sobre o filho de Biden, que Biden interrompeu a acusação [relacionada à corporação que deu a Hunter Biden um assento em seu conselho de administração] e muitas pessoas querem descobrir sobre isso, então o que você puder fazer com o procurador-geral seria ótimo. Biden se gabou de ter parado a promotoria, então se você puder investigar … Parece horrível para mim”.
Sem dúvida, esse diálogo caracteriza um sério abuso de autoridade. Assim como as comunicações, que veremos abaixo, durante as operações secretas da administração Obama para derrubar o governo eleito na Ucrânia em 2014, também o foram.
E esse é um dos embaraços vividos pelos democratas que fazem a acusação contra Trump. Eles alardeiam a gravidade do telefonema – que realmente é grave -, mas deixaram de lado outros casos graves como, por exemplo, as pressões que o mesmo Trump fez a chefes de estado, intimidando-os e ameaçando-os para que parassem de comprar petróleo do Irã. Silenciaram também quando da própria derrubada do governo ucraniano em 2014.
Seguimos com a descrição de Richard Becker:
“Em fevereiro de 2014, o pessoal do Departamento de Estado trabalhou em conjunto com elementos fascistas e da direita para derrubar o presidente eleito da Ucrânia, Viktor Yanukóvytch, depois de meses de manifestações cada vez mais violentas em Kiev, a capital ucraniana. O “crime” de Yanukóvytch foi tentar manter uma posição neutra entre a Rússia e as potências imperialistas ocidentais, uma posição que era inteiramente inaceitável para Washington.
“Os Estados Unidos estavam tentando continuar a marcha para leste da Otan trazendo a Ucrânia. Muitos países ex-socialistas da Europa Oriental e repúblicas soviéticas já haviam sido incorporados à aliança liderada pelos EUA, mas a adição da Ucrânia teria sido de particular importância, colocando as bases e mísseis da Otan nas proximidades do coração ocidental da Rússia.
“O comandante dos EUA na operação de mudança de regime era a secretária de Estado Assistente Victoria Nuland, trabalhando em estreita colaboração com o embaixador dos EUA na Ucrânia, Geoffrey Pyatt. Nuland vangloriava-se abertamente de que os Estados Unidos haviam gastado 5 bilhões de dólares levando a “democracia” para a Ucrânia. Nomeado para supervisionar o golpe e suas consequências em nome do presidente Obama, não era outro senão seu vice-presidente, Joe Biden.
“A seguir estão trechos de uma ligação telefônica entre Nuland e Pyatt, algumas semanas antes do golpe ocorrido em 24 de fevereiro de 2014. O assunto da ligação era quem Washington estava selecionando para ser o novo líder da Ucrânia após o golpe planejado.
Victoria Nuland: O que você acha?
Geoffrey Pyatt: Acho que estamos no caminho. A peça Klitschko [Vitaly Klitschko, um dos três principais líderes opositores] é obviamente o elétron complicado aqui. Especialmente o anúncio dele enquanto deputado candidato a Primeiro Ministro, e você viu algumas de minhas anotações sobre o problema do casamento agora, então estamos tentando fazer uma leitura rápida de onde ele está nessa coisa toda. Mas eu acho que o seu argumento para ele, que você precisará fazer, eu acho que é a próxima ligação que você precisará fazer, é exatamente a que você fez para Yats [Arseniy Yatseniuk, outro líder da oposição]. E eu estou feliz que você o colocou no lugar no qual ele se encaixa nesse cenário. E estou feliz que ele tenha dito o que ele disse como resposta.
Nuland: Bom. Eu não acho que o Klitsch deveria estar no governo. Eu não acho que é necessário. Não acho que é uma boa ideia.
Pyatt: Sim, eu acho… em termos dele não estar no governo, só o deixa fora fazendo a lição de casa política e tal. Eu só estou pensando em termos do processo avançando, nós queremos manter os democratas moderados juntos. O problema vai ser Tyahnybok [Oleh Tyahnybok, o outro líder opositor, neonazista] e seus caras, e tenho certeza que é dessa a parte que o [presidente Víktor] Yanukóvytch está calculando tudo isso.
Nuland: Eu acho que o Yats [Arseniy Yatskeniuk] é quem tem a experiência econômica, a experiência de governar. Ele é… o que ele precisa é Klitsch e Tyahnybok do lado de fora. Ele precisa falar com eles quatro vezes na semana, sabe. Eu só acho que Klitsch ser colocado ao mesmo nível de trabalho de Yatseniuk não vai funcionar.
Quanto à tentativa da União Europeia, um “aliado” dos EUA para negociar o fim do impasse em Kiev, Nuland diz: “Foda-se a UE”.
Após o golpe, e com o apoio do governo dos Estados Unidos, Yatseniuk realmente se tornou o novo presidente da Ucrânia.
E, agora, a Ucrânia volta à cena. Trump quis se aproveitar da guerra suja da Casa Branca pelo mundo afora para atingir seu provável adversário nas próximas eleições presidenciais. Enquanto isso, os democratas, pela ambiguidade na sua atuação, e pelo rabo preso, não conseguem reagir e reunir forças suficientes para derrubar o fascista Donald Trump.
SÉRGIO CRUZ