Censura ao Especial da Netflix é derrubada pelo STF

Caiu a liminar do desembargador Benedicto Abicair (Fotomontagem HP)

O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, acaba de conceder, na noite de quinta-feira (09), liminar à Netflix e liberou a exibição do episódio “Especial de Natal Porta dos Fundos. A exibição do programa havia sido suspensa por decisão do desembargador Benedicto Abicair.

O desembargador Benedicto Abicair, da 6ª Câmara Cível do Rio de Janeiro, decidiu liminarmente pela censura do Especial de Natal do Porta dos Fundos, exibido pela Netflix. O magistrado concordou com o argumento da Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura. Para a Associação, que, na ação, disse que “o especial violou a fé de milhões de católicos brasileiros e também da sociedade”.

O mesmo magistrado que censurou o programa da Netflix, votou contra a condenação do então deputado Jair Bolsonaro em 2017 por comentários homofóbicos no programa “CQC”, da TV Bandeirantes. O argumento de Benedicto Abicair para livrar Bolsonaro foi exatamente oposto ao que ele usou agora para censurar o Especial.

Na época, Bolsonaro foi questionado o que faria se tivesse um filho homossexual, no que ele respondeu: “Isso nem passa pela minha cabeça, porque eles tiveram uma boa educação. Sou um pai presente, então não corro esse risco”. O então parlamentar também disse no programa que não participaria de um desfile gay porque não promove “os maus costumes”.

Abicar respaldou o comportamento de Bolsonaro ao argumentar que ele não deveria ser condenado devido a liberdade de expressão. “Não vejo como, em uma democracia, censurar o direito de manifestação de quem quer que seja. Gostar ou não gostar. Querer ou não querer, aceitar ou não aceitar. Tudo é direito de cada cidadão, desde que não infrinja dispositivo constitucional ou legal”, escreveu o desembargador na época.

O atual presidente da República também foi questionado sobre o que faria se um de seus filhos se apaixonasse por uma mulher negra. Como resposta, Bolsonaro afirmou que “não iria discutir promiscuidade com quem quer que seja” e “não corro esse risco e meus filhos foram muito bem-educados”.

Como argumento para defender seu voto de absolvição do então deputado, Abicair sustentou que comentários de Bolsonaro devem ser entendidos como “liberdade de expressão” e que ele não deveria pagar danos morais por isso.

A mudança de posição do desembargador foi questionada pela Netflix, que recorreu ao Supremo Tribunal Federal. A empresa alegou que a ação é inconstitucional. “Não há dúvidas de que a recalcitrância da prática da ‘censura judicial’ representa hoje uma das maiores ameaças às liberdades comunicativas no cenário nacional.

“Esse quadro preocupante reforça os fundamentos para o manejo da presente reclamação. Uma intervenção do STF neste tipo de situação torna-se essencial como instrumento de pedagogia constitucional, voltado a erradicar uma prática proscrita pela Constituição e fazer valer a jurisprudência vinculante desta Corte”, diz o recurso da Netflix.

O ministro Marco Aurélio se pronunciou sobre a questão. Para o magistrado da Corte Suprema, o veto deverá ser revertido nos tribunais superiores. “[A decisão] É uma barbaridade. Os ares democráticos não admitem a censura”, disse Marco Aurélio. Especialistas também apontaram arbitrariedades no caso.

Para o jurista Lenio Streck, a decisão “demonstra duas coisas: primeiro, que o Judiciário pensa que pode ditar a moral e o comportamento da sociedade; segundo, mostra o fracasso da teoria do direito no Brasil”. Na opinião de Alexandre Fidalgo, advogado especialista em casos envolvendo liberdade de expressão, “a decisão é sem fundamento”, uma vez que não há nada no conteúdo que justifique sua retirada do ar.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, manifestou-se de forma crítica à decisão. Segundo Santa Cruz, a Constituição brasileira protege o direito à liberdade de expressão e qualquer forma de censura significa retrocesso.

“A Constituição brasileira garante, entre os direitos e garantias fundamentais, que ‘é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença’. Qualquer forma de censura ou ameaça a essa liberdade duramente conquistada significa retrocesso e não pode ser aceita pela sociedade”, afirmou a OAB.

O programa humorístico censurado, inclusive, foi a principal motivação para o ataque a bomba contra a produtora do Porta dos Fundos, na véspera de Natal. Um dos terroristas flagrados pela polícia, Eduardo Fauzi, se diz integralista, era filiado ao PSL e está foragido na Rússia. Antes da reversão da decisão pelo ministro Dias Toffoli, o terrorista havia comemorado em vídeo a liminar do desembargador Benedicto Abicair.

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Uma resposta

  1. Ao bom entendimento, ninguém é obrigado a gostar ou desgostar de alguma coisa ou pessoa, credo ou raça, MAS É OBRIGADO a respeitar o Direito de cada um sem cercear o que estiver garantido na Constituição, leis complementares, leis ordinárias, Direitos fundamentais e Direitos humanos.
    Amai-vos uns aos outros mesmo discordando de seus ideais, crenças ou raça.
    Ninguém é obrigado a fazer apologia às minorias MAS É OBRIGADO à respeitar a crença, a raça, a opção sexual e principalmente as religiões mesmo que não seja a sua, pois é respeitando a todos que poderemos exigir que nos respeite.

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