Porta-voz do governo do Irã afirmou na quinta-feira (9) que os relatos de que o Boeing foi atingido por um míssil iraniano minutos após decolar no dia 6 não passam de “guerra psicológica” contra Teerã, e que o país está aberto à presença na investigação de representantes de outros países cujos cidadãos morreram na queda do avião.
Tais relatos já haviam sido rebatidos pelo chefe da aviação civil do Irã, Ali Abedzadeh, como “rumores ilógicos”, estando estampados nos principais meios de comunicação dos EUA com base em “fontes anônimas do Pentágono e da CIA”.
O Boeing 737-800, com 176 pessoas a bordo, caiu cinco horas após o ataque de retaliação do Irã ao assassinato de seu líder militar Qassem Suleimani, cinco minutos depois de decolar do Aeroporto Internacional de Teerã, matando a todos.
Testemunhas em solo e em um voo próximo viram o avião “pegar fogo três minutos após a decolagem”, o piloto “tentou fazer o avião voltar a uma altitude de 8.000 pés”, mas “devido ao incêndio o avião caiu e explodiu”, registrou Abedzadeh.
“TERRÍVEL PRESSENTIMENTO” DE TRUMP
Reportagem da Newsweek sobre a derrubada “não intencional” desencadeou o burburinho, logo acompanhado por outros órgãos de mídia. Trump chegou mesmo a dizer a repórteres que tinha um “terrível pressentimento” sobre a queda do avião.
À tarde, o New York Times postou um vídeo que aparenta ser de um avião sendo atingido por um míssil, cuja veracidade diz ter verificado, embora não informe a procedência.
O caso virou uma bola de neve, com declarações apócrifas asseverando que “muito provavelmente” tratou-se de um abate acidental, como reproduziu a Reuters. Ou – ainda mais preciso – de que “autoridades de Washington” estavam “muito confiantes” quanto à narrativa.
Perguntado por repórteres, Trump disse que “alguém pode ter cometido um erro do outro lado … não nosso sistema”. “Não tem nada a ver conosco”, acrescentou, segundo a CNN.
E, claro, o primeiro-ministro canadense Justin Trudeau também endossou a coisa, com base “em nossos aliados e nossa própria inteligência”, garantindo haver “evidências que indicam que o avião foi abatido por um míssil terra-ar iraniano”.
A cereja no bolo foi posta pelo louro Boris, o primeiro-ministro britânico: “pode não ter sido intencional”. Aliás, o “míssil iraniano” seria de procedência russa.
AMPLA INVESTIGAÇÃO
O lado iraniano está tomando todas as medidas para isolar essas tentativas de transformar a vítima da agressão, o Irã, em agressor, mesmo que “acidentalmente”.
Assim, foram revertidas declarações, dadas no calor dos acontecimentos, de que as caixas-pretas não seriam entregues “aos americanos ou à Boeing”. Teerã já convidou a Boeing para participar – como é seu direito, como fabricante – da investigação, e também os EUA, mas sob comando da órgão iraniano de aviação civil.
Abedzadeh anunciou que, em caso de necessidade, o Irã poderá pedir ajuda “à França ou ao Canadá” para a decodificação das caixas-pretas do 737 que caiu na quarta-feira.
“De um modo geral, o Irã tem o potencial e o know-how para decodificar a caixa preta. Todo mundo sabe disso”, disse o chefe da agência de aviação civil iraniana à CNN, acrescentando que especialistas do Irã e da Ucrânia começarão a decodificar os dados na sexta-feira.
“Qualquer que seja o resultado, será publicado e divulgado ao mundo”, afirmou.
Como destacou Abedzadeh, de acordo com os regulamentos internacionais, é responsabilidade do país, onde o incidente ocorreu, investigar o incidente. “Então a Organização de Aviação Civil do Irã está no comando.”
Ele informou também que já chegou a Teerã a equipe de especialistas ucranianos. Essa participação na investigação é um direito da Ucrânia, já que era ucraniana a bandeira do 737. Inicialmente, Kiev havia concordado que o provável motivo da queda do Boeing poderia ter sido um problema com a turbina do avião – falou-se em “superaquecimento” -, mas passou a considerar também como hipóteses “ato terrorista” e “ataque com míssil”.
RELATÓRIO PRELIMINAR
A agência de aviação civil iraniana também divulgou um relatório inicial sobre o desastre. Segundo este, a tripulação do Boeing ucraniano nunca fez um pedido de ajuda por rádio e estava tentando voltar para o aeroporto quando o avião caiu, matando todos a bordo, 176 pessoas.
Testemunhas oculares, incluindo a tripulação de outro vôo, descreveram ter visto o avião em chamas antes de cair, segundo o relatório.
O acidente causou uma explosão maciça quando o avião atingiu o solo, provavelmente porque a aeronave estava totalmente carregada com combustível para o voo até Kiev, na Ucrânia.
O relatório também confirmou que ambas as chamadas “caixas pretas” que contêm dados e comunicações do cockpit do avião foram recuperadas, apesar de terem sido danificadas e algumas partes de sua memória terem sido perdidas. Ainda, os investigadores descartaram preliminarmente interferência eletromagnética ou por laser como causa do acidente.
Para o chefe da agência de aviação civil iraniana, pode-se dizer que, considerando o tipo de acidente e os esforços do piloto para retornar ao aeroporto Imã Khomeini, o avião não explodiu no ar.
Portanto, a alegação de que o Boeing foi atingido por mísseis “está totalmente descartada”, observou o oficial iraniano. A maioria das vítimas é de iranianos (82), ou iranianos com dupla nacionalidade canadense em férias (63). Havia também suecos, britânicos, afegãos e ucranianos. A tripulação era ucraniana.
A Boeing também observa a questão com apreensão. Desde que os 737 Max foram aterrados depois de dois acidentes fatais, minutos após a decolagem, a gigante aeroespacial já demitiu seu executivo-chefe, suspendeu a produção do modelo e já perdeu 25% da capitalização em Wall Street em 10 meses. Tudo de que a Boeing não precisa é de mais um avião seu que caiu por causa de um defeito técnico. A Boeing se solidarizou com as vítimas e a companhia aérea ucraniana, e se disse pronta “a ajudar”.
A.P.