Verba para o desenvolvimento de pesquisas científicas no continente antártico que são destinadas pelo CNPq ficaram ameaçadas em 2019
A nova Estação Antártica Comandante Ferraz foi inaugurada na noite de quarta-feira (15). A base foi inaugurada oito anos após o incêndio que destruiu as instalações brasileiras no continente gelado, deixando dois militares mortos.
Com estrutura moderna e sustentável, o novo complexo tem mais de 4.500 metros quadrados e capacidade para 64 ocupantes. A operação e a logística da base são realizadas pela Marinha do Brasil, que é responsável pela estação, e contou com apoio da Força Aérea Brasileira.
“O Brasil está de casa nova na Antártida, sejam todos bem-vindos”, disse o almirante Ilques Barbosa, comandante da Marinha do Brasil, ao receber cientistas e autoridades brasileiras para a cerimônia.
“A base possibilitará a presença brasileira em uma plataforma sustentável que permitira conhecer melhor este enorme continente de características ímpares, bem como reafirmar compromisso do Brasil como membro consultivo do tratado para participar das decisões sobre os destinos dessa região”, pontuou.
O vice-presidente do Comitê Internacional de Pesquisa Antártica, Jefferson Cardia Simões, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, lançou um balão meteorológico para iniciar o funcionamento da base.
“Graças às pesquisas antárticas, vamos melhorar a previsão do tempo no Brasil, essencial se quisermos aumentar nossa produtividade agrícola e diminuir o custo social de desastres climáticos. Por isso, insisto na frase […]: a Antártida é tão importante quanto a Amazônia para o meio ambiente planetário”, destacou o pesquisador.
O governo federal foi representado pelo vice-presidente, Hamilton Mourão.
Segundo Mourão, “as novas instalações representam o avanço da presença do Brasil neste continente”. “O momento é de reconhecimento da perseverança da Marinha e de instituições de ensino e pesquisas”, disse.
Mourão prestou homenagem “aos militares da Marinha do Brasil que morreram combatendo o incêndio que sinistrou a estação em 2012. Sua bravura concedeu tempo e condições para que materiais e vidas se salvassem”. E relembrou Antonio Carlos Rocha Campos, coordenador da implantação do Proantar (Programa Antártico Brasileiro) e único sul-americano a presidir o Comitê Científico de Pesquisas Antárticas (SCAR), falecido em julho de 2019, aos 82 anos. Seu nome irá batizar a ala de laboratórios.
ESTRATÉGICA
O capitão da reserva da Marinha e pesquisador de geopolítica do continente gelado Leonardo Mattos, atenta sobre a importância da presença do Brasil na região. Leonardo a possibilidade estratégica de pesquisa e desenvolvimento, além das crescentes necessidades energéticas em um planeta com recursos finitos e expansão populacional.
“É um grande desafio. Com isso, é preciso produzir conhecimento científico. Quando houve o incêndio na Estação Comandante Ferraz, a decisão do governo de reconstruí-la baseou-se nessa direção. Na Antártida, como em qualquer outro lugar, ciência é poder. Quem produz maior conhecimento científico na região, possui mais poder. Agora, com uma estação moderna e dotada com o dobro de laboratórios de sua antecessora, o país pode aumentar o volume e qualidade de suas pesquisas, incrementando seu exercício de poder e prestígio na região”, disse.
O capitão menciona que com uma boa e nova estrutura, o Ministério de Ciência e Tecnologia (MCTIC) precisa acompanhar e continuar investindo na Estação.
“O Ministério de Ciência e Tecnologia precisa manter a regularidade dos investimentos para o Programa Antártico Brasileiro (ProAntar). Em função da restrição orçamentária, e agora detentores de uma estação maior e mais moderna, podemos estabelecer parcerias internacionais, compartilhando espaço físico em troca de recursos e pesquisas conjuntas”.
“No meio automobilístico, não adianta ter um piloto bom e um carro ruim. Fazendo uma analogia, com a nova estação, temos um bom carro. Agora, precisamos de bons pilotos para ocupar o carro e vencer corridas”, concluiu Leonardo.
Falta de verbas pode ameaçar funcionamento
Com as novas instalações da Estação Comandante Ferraz, que representam uma melhoria de infraestrutura para receber cientistas, a demanda por acomodações e laboratórios deve aumentar. No entanto, a base reabrirá sob o risco da falta de verbas para a realização de pesquisas científicas.
Além da instabilidade de financiamento do ProAntar (que não possui verba carimbada), em 2019 os cortes de verbas realizados pelo governo Bolsonaro no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) também atingiu bolsas de estudo, obrigando alunos de pós graduação a desistirem de suas pesquisas.
Em 2018, foi aberto um edital de R$ 18 milhões para pesquisa científica, um dos maiores investimentos dos últimos anos. O valor deveria bancar as atividades por quatros anos, o que equivalente a R$ 4,5 milhões a cada ano. No entanto, o montante foi reduzido assim que Bolsonaro assumiu o governo e, imediatamente, R$ 2 milhões deixaram de ser aplicados.
Com o agravamento dos cortes, o edital no ano de 2019 passou a ser cerca de R$ 12 milhões, o que em média dá R$ 3 milhões por ano para apoiar os 17 projetos vigentes. Em longo prazo, os projetos podem ficar sem verba e investimento, o que preocupa os pesquisadores do continente gelado.
A Base
O novo centro de pesquisa científica é moderno, sustentável e de baixo impacto ambiental. A base foi projetada por arquitetos brasileiros e foi construída pela estatal chinesa Ceiec, que ganhou a licitação da obra em 2015.
“A construção foi desenhada para resistir a ventos de até 200 km/h e suportar temperaturas negativas entre -20 e -30 graus, comuns no continente antártico”, relata o arquiteto Emerson Vidigal, um dos autores do projeto. A elevação do prédio em relação ao solo também tem a ver com as características da região.
“Quando se constrói dessa forma, a passagem do vento evita o acúmulo de neve, varrendo naturalmente o espaço entre a edificação e o chão”, esclarece Vidigal.
Devido às particularidades de um ambiente sensível e inóspito, o projeto da nova estação foi concebido de forma que todos seus elementos e componentes foram produzidos na China e montados na Antártica.
Tudo foi feito em quatro fases, sendo duas delas, de produção em Xangai e duas de montagem durante os verões antárticos de 2017 e 2018, que ocorrem no período de outubro a março de 2019.