Na véspera tinha feito altos elogios ao seu “secretário de verdade” e dado carta branca para o “Goebbels de araque” implantar a visão tacanha do bolsonarismo na Cultura
É sintomático que o ex-secretário de Cultura de Bolsonaro, Roberto Alvim, tenha se identificado com uma das figuras mais sinistras e odiosas do terror nazista.
Joseph Goebbels era um dos assassinos mais alucinados e sanguinários do regime alemão. Chegou a substituir Hitler quando este, ainda em liberdade condicional, estava impedido de falar em público após o fracassado Putsch da Cervejaria.
O guru da propaganda hitlerista, ao se ver cercado pelos soviéticos em Berlim, no final da guerra, não se contentou em se suicidar, matou a mulher e seus seis filhos obrigando-os a ingerir cianureto.
Roberto Alvim se sentiu à vontade no governo Bolsonaro para montar um espetáculo de culto a esse monstro que era Joseph Goebbels. Achou bonito imitar o ministro da Propaganda da Alemanha que se gabava de repetir mil vezes uma mentira até transformá-la em verdade. Até no penteado, na maneira de falar e na forma de se vestir Alvim imitou o braço direito de Hitler.
O bolsonarista montou o cenário para a cerimônia de lançamento do Prêmio Nacional das Artes como se estivesse em pleno Terceiro Reich. Só faltou a suástica.
Com este episódio, ele mostrou-se não apenas um adepto das ideias nazistas, mas também procurou passar que o “mito” é o seu Führer. Ambos, Goebbels e Alvim, tinham atrás de si o retrato de Hitler e Bolsonaro respectivamente.
Alvim tinha razões de sobra para ver seu führer em Bolsonaro. As ideias reacionárias, fanáticas e obscurantistas do nazismo e de outras aberrações que surgiram pelo mundo afora vicejam sobejamente dentro deste governo.
Um dia antes da encenação que custou o seu cargo, Alvim foi elogiado efusivamente pelo presidente e chamado de “um secretário da Cultura de verdade”.
Bolsonaro estava entusiasmado com ele durante a live em que os dois juntos anunciaram o Prêmio Nacional das Artes. Isso revela que o secretário de Cultura não estava sozinho em seu delírio. Ele tinha carta branca de Bolsonaro.
“Ao meu lado, aqui, o Roberto Alvim, o nosso secretário de Cultura. Agora temos, sim, um secretário de Cultura de verdade. Que atende o interesse da maioria da população brasileira, população conservadora e cristã”, afirmou o presidente na quinta-feira (16). Antes de permitir que Alvim apresentasse o Prêmio Nacional das Artes, Bolsonaro voltou a destacar o trabalho do secretário.
“Você aí é a cultura de verdade, algo que não tínhamos no Brasil. Tínhamos aqui essa ideia de fazer cultura para uma minoria, tem que fazer para a maioria”, afirmou.
O projeto do chefe da Cultura, que ele próprio classificou de “restauração” da arte nacional (provavelmente “degenerada”), que Bolsonaro tanto aplaudiu e elogiou no dia anterior, foi apresentado ao público num vídeo ao som de Richard Wagner, músico preferido de Hitler.
Bolsonaro, que havia se empolgado com o projeto apresentado por seu “secretário de verdade”, deu todo o respaldo a ele quando as primeiras notícias da repercussão começaram a chegar ao Palácio. Logo cedo, na sexta-feira (17), quando foi informado do vídeo de Roberto Alvim, Bolsonaro disse que ele permaneceria no cargo.
Não achou que houvesse problema algum. Mesmo já sabendo da repercussão negativa do vídeo, optou por avalizar o pupilo. Recusou-se a falar com os jornalistas na saída do Palácio da Alvorada. As pressões aumentaram e a ordem foi pelo silêncio. O Planalto não comentaria o episódio.
Bolsonaro estava nitidamente empenhado em manter o cargo do funcionário que ele tanto elogiara na véspera.
Com o aumento do repúdio da sociedade ao vídeo, Alvim e Bolsonaro trocaram um telefonema na manhã de sexta-feira e o funcionário a Cultura confirmou que o presidente se mostrou compreensivo e estava empenhado em mantê-lo no cargo. Segundo o secretário, Bolsonaro o tranquilizou após as explicações.
“Expliquei a coincidência retórica. Ele entendeu que não houve má intencionalidade e que eu não sabia a origem da menção”, disse Alvim. Ele aproveitou também para informar a Bolsonaro que as críticas ao vídeo estavam partindo da “corja da esquerda”.
Com o aval do presidente, que se considerou esclarecido, Roberto Alvim passou então a dar uma série de entrevistas dizendo que não sairia do cargo e que não teve a intenção de elogiar o regime nazista. Que eram críticas descabidas e que tudo não passava de uma “coincidência retórica”.
A essa altura a repercussão da apologia bolsonarista ao nazismo já tinha ultrapassado as fronteiras do país. A embaixada da Alemanha protestou. A imprensa do mundo todo mostrava o absurdo das declarações do auxiliar de Jair Bolsonaro.
A comunidade judaica brasileira, através de sua entidades representativas, emitiu notas repudiando o secretário de Cultura e exigindo sua demissão. O mal estar se instalou inclusive dentro das Forças Armadas que têm em seu histórico o envio de soldados para combater o nazi-fascismo com a gloriosa Força Expedicionária Brasileira (FEB). O país inteiro esperava por uma punição ao aprendiz de Goebbels de Bolsonaro.
A ridícula “explicação” do secretário, de que não sabia de nada, não convenceu ninguém. Qualquer um percebe que não pode haver “coincidência retórica” nas duas citações.
Na peça sinistra de Alvim ele afirma: “A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes de nosso povo, ou então não será nada”.
No discurso do chefe da propaganda nazista em 1937, Goebbels diz: “A arte alemã da próxima década será heroica, será ferreamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande páthos e igualmente imperativa e vinculante, ou então não será nada”.
A adulação ao nazismo por parte de Alvim e a insistência de Bolsonaro em mantê-lo no cargo até o último minuto, mesmo com todo o estrago que a encenação provocou, mostra que tanto um quanto outro têm grandes afinidades com o ideário nazista.
Eles só não sustentaram o que pensam abertamente porque não tiveram espaço na sociedade. O repúdio foi geral e irrestrito.
Em editorial deste sábado (18), o jornal Estado de S. Paulo, numa clara avaliação de que as ideias nazistas estão com espaço dentro do governo, classificou o episódio como mais uma provocação de Bolsonaro, para “testar os limites” que a sociedade impõe a essas sinistras ideias.
O presidente da República só começou a se mexer quando o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi às redes sociais exigir a saída de Alvim do cargo. “O secretário de Cultura passou de todos os limites. É inaceitável. O governo brasileiro deveria afastá-lo urgente do cargo”, escreveu. O presidente do Supremo classificou de afronta a manifestação pró-nazismo de um integrante do governo. Também cobrou providências.
David Alcolumbre, presidente do Senado, telefonou pessoalmente para Bolsonaro dizendo que era insustentável manter o funcionário que “agrediu a população brasileira ao fazer declarações simpáticas ao nazismo”.
“Não se pode aceitar que uma pessoa se utilize de seu cargo para fazer propaganda nazista”, disse o senador. “Eu, como judeu, repudio essas declarações”, acrescentou Alcolumbre. Até integrantes do próprio governo começaram a pressionar pela demissão de Alvim.
Só depois de todas essas pressões é que Bolsonaro, a contragosto, afastou o seu secretário.