Miliciano foragido chefiava o Escritório do Crime, responsável pelo fuzilamento de Marielle Franco, e tinha mãe e mulher comissionadas no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro
O governo divulgou na quarta-feira (29) uma lista dos criminosos mais procurados pela Justiça brasileira e pelas polícias de todo o Brasil. Certamente uma medida louvável. Afinal, tornar amplamente conhecidos pela sociedade facilitará a captura desses criminosos. Mas, o que chamou a atenção no anúncio foi a ausência na lista governamental de Adriano da Nóbrega, um ex-capitão da PM carioca, perigosíssimo criminoso que está foragido e que chefiava a milícia de Rio das Pedras e o Escritório do Crime, espécie de “central de assassinatos” por encomenda das milícias do Rio.
Por coincidência, a mãe do miliciano e assassino profissional Adriano da Nóbrega, Raimunda Veras Magalhães, e sua mulher, Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega, eram comissionadas na Assembleia Legislativa do Rio, no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, filho do presidente Jair Messias, e atualmente senador da República.
O criminoso foragido foi homenageado duas vezes pelo então deputado Flávio Bolsonaro, uma das vezes, inclusive, com a Medalha Tiradentes, maior honraria do estado do Rio, por seus “nobres serviços prestados à sociedade”.
O pretexto do Ministério da Justiça para a não inclusão do miliciano e assassino profissional foragido na lista de mais procurados seria porque “as acusações contra ele não possuem caráter interestadual, requisito essencial para figurar no banco de criminosos de caráter nacional”. Ou seja, ao saber disso, o pistoleiro vai se esconder em qualquer outro estado, já que, segundo o Ministério da Justiça, ele só é procurado no estado do Rio. Ele está foragido há mais de um ano e manteve contato com a mulher quando ela ainda era comissionada de Flávio Bolsonaro. O “escritório do crime” chefiado por ele teve participação direta no assassinato da vereadora Marielle Franco.
Danielle e sua mãe foram afastadas por Fabrício Queiroz do gabinete de Flávio Bolsonaro assim que veio a público o escândalo da lavagem de dinheiro através de funcionários fantasmas do gabinete. O dinheiro público era desviado dos salários de funcionários fantasmas para o caixa da quadrilha comandada por Flávio e Queiroz. Este último chegou a avisar Danielle que a estava afastando do cargo para que não se soubesse das ligações da milícia do Rio e do Escritório do Crime com o gabinete do deputado bolsonarista.
Agora, o ministro Moro, em mais uma demonstração de subserviência às milícias bolsonaristas, não inclui o nome de Adriano Nóbrega na lista de criminosos mais procurados. Será uma troca de gentilezas com o chefe?
HISTÓRICO
Mensagens contidas no telefone de Danielle Nóbrega, mulher do miliciano foragido Adriano Nóbrega, apreendido pelo Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio, durante a Operação “Os Intocáveis”, revelaram que Fabrício Queiroz, assessor de Flávio Bolsonaro, demitiu Danielle para tentar blindar Flávio e evitar que se tornasse pública a vinculação do gabinete do atual senador com o criminoso de aluguel.
No mesmo dia em que veio a público a investigação por movimentações milionárias, em dezembro de 2018, Queiroz comunicou por Whatsapp a Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega, ex-mulher de Adriano Magalhães da Nóbrega, o “Capitão Adriano”, chefe de milícia da zona oeste e integrante do Escritório do Crime, que ela estava exonerada do gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa (Alerj).
Por mensagem de texto, Queiroz pediu à Danielle que evitasse usar o sobrenome do miliciano. Para reforçar o pedido, encaminhou uma foto, divulgada pela mídia na época, na qual ele e Flávio aparecem juntos, lado a lado, no gabinete. Queiroz explicou que o motivo era o fato de que os dois eram alvo de uma investigação.
Procurado, Queiroz confirmou a conversa e disse, por meio de seus advogados, que “tais diálogos tinham como objetivo evitar que se pudesse criar qualquer suposição espúria de um vínculo entre ele, Flávio e a milícia”.
Ou seja, Queiroz pediu para Danielle se esconder e fingir que não conhecia o miliciano com quem era casada. Ele e outros 13 milicianos estavam sendo procurados pela operação “Os Intocáveis”. Todos foram presos, menos Adriano, que está foragido até hoje.
Os investigadores que tiveram acesso às mensagens revelam que Danielle então explica a Queiroz que já não usava “Nóbrega” e estava em outra relação conjugal. Ela, porém, teria demonstrado insatisfação com a perda do dinheiro que recebia pelo cargo, e perguntado se poderia receber algum tipo de ajuda. Queiroz, então, a orientou a não tratar desse assunto por telefone.
Na época da troca de mensagens, a investigação contra o “Capitão Adriano” não era pública, e Queiroz já havia deixado, ao menos formalmente, o cargo no gabinete de Flávio Bolsonaro. Ele foi exonerado entre o primeiro e o segundo turno da eleição, em outubro do ano passado. Apesar de exonerado, continuava prestando serviços a Flávio, como se pode conferir pelas mensagens.
Para o Ministério Público, os valores recebidos por Danielle na Assembleia funcionavam como uma sinecura. Não há qualquer indício de que ela, de fato, exercia as funções de assessora parlamentar. Apesar de ter ficado mais de uma década lotada no gabinete de Flávio na Alerj – 6 de setembro de 2007 a 13 de novembro de 2018 – ela nunca teve crachá na Alerj. O salário dela era de R$ 6.490,35.
A exoneração de Danielle ocorreu no mesmo dia do afastamento de Raimunda Veras Magalhães, mãe de Nóbrega, que também tinha cargo no gabinete de Flávio desde junho de 2016. Diferentemente de Danielle, a mãe do miliciano foi alvo do relatório do antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que identificou a movimentação atípica de R$ 1,2 milhão de Queiroz entre 2016 e 2017 e de R$ 7 milhões entre 2014 e 2017.
No relatório, que originou a investigação sobre Flávio Bolsonaro, a mãe de Adriano aparece entre os oito assessores que fizeram repasses para a conta de Queiroz. Ao todo, foram R$ 4,6 mil na conta dele ao longo de 2016. Ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope), Adriano foi expulso da PM em 2014. Ele era o chefe do Escritório do Crime, uma facção miliciana especializada em matar sob encomenda.
A extração do conteúdo do celular revelou ainda que Danielle, logo após conversar com Queiroz, trocou mensagens com Adriano. Ela reclamou do prejuízo financeiro com a saída da Alerj, e o ex-militar procura tranquilizá-la e disse que acharia uma solução para o problema. Seguindo a tarefa de acobertar os crimes de Flávio, Fabrício Queiroz informou, por meio de seus advogados, que foi ele o responsável pela indicação e contratação de Danielle e Raimunda.
Só que as ligações do gabinete do “01” com as milícias são ainda mais antigas que as nomeações. O ex-capitão Adriano Magalhães da Nóbrega recebeu, a pedido do filho do presidente, duas honrarias, de louvor e congratulações, por serviços prestados à Polícia Militar do Rio.
A primeira, uma moção, foi concedida em outubro de 2003, por comandar um patrulhamento tático-móvel, quando estava no 16º BPM (Olaria). Na época, Nóbrega era primeiro-tenente. No pedido, Flávio escreveu que ele devia ser homenageado “pelos inúmeros serviços prestados à sociedade”.
Dois anos depois, em 2005, Adriano recebeu a medalha Tiradentes, principal honraria da Assembleia Legislativa, também com elogios à sua carreira na PM. Ele estava preso, à época, respondendo pela morte do guardador de carros Leandro dos Santos Silva, de 24 anos, na favela de Parada de Lucas, Zona Norte do Rio. Familiares disseram que antes de morrer Leandro tinha denunciado PMs que praticavam extorsões a moradores na comunidade.
Em 2005, o então deputado federal Jair Bolsonaro discursou em defesa de Adriano, dias depois da condenação do policial a 19 anos e seis meses de prisão pela morte do guardador de carros.
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