Assassino da vereadora Marielle Franco negociou a liberação de máquinas de jogo com o chefe de investigação da 16ª DP
Jorge Luiz Camillo, chefe de investigação da 16ª Delegacia Policial da Barra da Tijuca (16ª DP), no Rio de Janeiro, trabalhava para o miliciano Ronnie Lessa na liberação de máquinas caça-niqueis da milícia de Rio das Pedras.
Ele foi preso na quinta-feira, dia 30 de janeiro, durante a “Operação Os Intocáveis II”, realizada pelo Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio de Janeiro e da Polícia Civil, que prendeu outros 32 milicianos.
Uma conversa divulgada pelo Gaeco expõe a relação entre o ex-chefe de investigação da 16ª DP e Ronnie Lessa, que foi preso em março 2019 pelo assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes.
A 16ª DP atua na região oeste da cidade, onde fica o condomínio “Viviendas da Barra”, local da residência de Ronnie Lessa (onde ele foi preso) e também do atual presidente da República, Jair Bolsonaro.
Além da Barra da Tijuca, Jorge Camilo é o investigador responsável pela apuração de crimes ocorridos nas áreas de Rio das Pedras e da Muzema, onde atuam os milicianos Ronnie Lessa e também o chefe do Escritório do Crime, o ex-capitão da PM, Adriano da Nóbrega.
CONVERSAS
Segundo o Gaeco, as conversas entre Ronnie Lessa e Camillo foram usadas nas investigações. “Quando Ronnie Lessa foi preso, alguns celulares foram apreendidos, houve análise do conteúdo e lá se verificam várias mensagens entre Ronnie e Camilo, além de intermediações com outros agentes. As investigações prosseguem”, afirmou a coordenadora do grupo, a promotora Simone Sibilio.
O MP destacou que houve uma “intensa sequência de diálogos” entre Ronnie e o policial civil Jorge Luiz Camillo Alves. “Ronnie Lessa, em vários trechos dos diálogos, se refere a ele como o ‘Amigo da 16’, numa referência à delegacia onde o mesmo está lotado”, disse o MP.
As conversas foram descobertas a partir da quebra do sigilo telefônico de Lessa, que teve o celular apreendido em março do ano passado, data em que foi deflagrada a Operação Lume, que resultou na prisão do sargento reformado e do ex-PM Élcio de Queiroz, também acusado de matar Marielle e Anderson. Com a análise do aparelho, o Gaeco descobriu o vínculo entre Lessa e Camillo. Os diálogos mostram que os dois se encontravam na 16ª DP ou nas imediações da unidade.
Segundo a denúncia, Lessa e Camillo se encontraram pelo menos duas vezes para tratar da liberação das máquinas. Num dos diálogos, Lessa diz que os caminhões estão chegando à unidade para retirar os equipamentos. Camillo, que foi preso na semana passada por suspeita de favorecer milicianos que deveria investigar, responde com um emoji, com uma mão fazendo sinal de positivo.
Confira conversas entre Lessa e Camillo:
Dia 21 de setembro de 2018, diálogo iniciado às 16h30m. Lessa faz o primeiro contato com o chefe de investigação da 16ª DP (Barra da Tiujca) e marca um encontro:
Lessa: Boa tarde, meu amigo. É o Lessa, tudo bem? Estará pela sua base hoje? Se estiver, e não estiver enrolado, vou passar aí rapidinho para te dar um abraço.
Camillo: Tô aqui
Camillo: Boa tarde, amigo.
Lessa: Está ocupado? Estou na escola do meu mlk (moleque), pertinho, passava aí rapidinho.
Camillo: (responde com sinal de positivo)
Lessa: Tô aqui fora, estou de bermuda.
Camillo: Vou aí.
Lessa: ok.
Dia 12 de outubro de 2018, diálogo iniciado às 14h27m. Camillo procura por Lessa e diz que “tmj”, gíria que significa “estamos juntos”:
Camillo: Hoje não estou por casa
Camillo: Mas
Camillo: Precisa de algo?
Camillo: Vou até você
Lessa: Ok, se quiser vou ao seu encontro
Camillo: Fala onde
Camillo: Tmj
Lessa: Mas se vier para a Barra eu já estou
Camillo: Então 15h na minha base fica bom para você?
Lessa: Ótimo, estarei lá
Camillo: (responde com sinal de positivo)
Lessa: (responde com sinal de positivo)
Dia 12 de outubro de 2018, em mais uma conversa no dia, iniciada às 14h36m, entre Ronnie Lessa e um interlocutor identificado como Leandro R, convidado para a reunião com o agente da Polícia Civil:
Lessa: Fala, meu brother, o amigo da 16 (que a promotoria identificou como sendo Camillo) marcou às 15h
Lessa: (reproduz a foto na qual aparece a marcação do encontro com Camillo)
Leandro R: Bom dia, amigo.
Leandro R: Estarei lá.
Leandro R: Será no mesmo local?
Lessa: Ok, vamos nos falando. Estarei lá também.
Leandro R: Na esquina?
Lessa: Em frente à DP, dentro do restaurante.
Dia 12 de outubro de 2018, em outra conversa do dia, com início às 17h49m, um novo encontro entre Camillo e Lessa:
Camillo: Já cheguei
Camillo: Almoçando na Tia Maria (restaurante próximo à delegacia)
Lessa: Encostando
Camillo: Quando chegar me avisando (avisa)
Camillo: (responde com sinal de positivo)
Lessa: É no canto da oficina, né?
Dia 12 de outubro de 2018, conversa começa às 17h52m:
Lessa: Cheguei aqui
Leandro R: Estou aqui na frente da delegacia
Leandro R: No restaurante
Dia 15 de outubro de 2018, diálogo com início às 13h03m, uma nova reunião da dupla, desta vez, mudando o local. Para o MP do Rio, seria o acerto dos detalhes para a retirada das máquinas da delegacia:
Lessa: Bom dia, irmão, já estou aqui. Estou aguardando o rapaz chegar (responde com sinal de positivo)
Camillo: Estou no Camacha (lanchonete localizada na Barra da Tijuca, próximo à delegacia).
Dia 18 de outubro de 2018, iniciando às 14h07m. Depois de duas tentativas frustradas de buscar os seus equipamentos da delegacia, segundo o Gaeco, Lessa consegue o transporte e avisa a Camillo que o caminhão chegou:
Lessa: Estamos saindo de longe, mas esse horário estaremos aí
Camillo: (responde com sinal de positivo)
Lessa: Irmão, o caminhão está aí
Lessa: Aliás, o rapaz me disse que está no local
Camillo: (responde com sinal de positivo)
Dia 19 de outubro de 2018, início da conversa às 15h49m. Camillo diz que está à disposição de Lessa:
Camillo: Se cuida aí, irmão
Lessa: Olha isso, estou em carne viva (referindo-se à perna esquerda, na qual usa uma prótese)
Camillo: Qq (qualquer) coisa estamos às ordens
INTOCÁVEIS II
Camillo é um dos três policiais civis envolvidos com o grupo miliciano que foram detidos na operação. De acordo com o Ministério Público (MP), seis policiais militares também são suspeitos de envolvimento. O investigador trabalharia realizando “o recolhimento e repasse de valores espúrios para outros agentes, de modo a garantir a impunidade das ações” da milícia.
A operação realizada na quinta-feira envolveu a Polícia Civil do RJ e o MP. A Justiça emitiu 44 mandados de prisão preventiva e outros de busca e apreensão contra 45 denunciados de pertencer a grupos paramilitares.
Dos seis policiais militares denunciados, cinco foram presos. “A um deles, é imputado de ser uma das lideranças locais. Ele explora toda a atividade criminosa: a cobrança da taxa de segurança, as construções irregulares. Os demais policiais integram o núcleo da segurança, o braço armado desse grupo, e também o grupo financeiro”, explicou o promotor Marcelo Winter.
Após a prisão, o coronel Mauro Fliess, porta-voz da Polícia Militar, disse que desvios de conduta não serão tolerados.
“A polícia reforça nossa total intolerância contra desvios de conduta. Não podemos admitir em nossos quadros policiais que cometam crimes. Continuaremos sempre com nossas investigações e apoiando outras instituições sempre que se fizer necessário”, disse o porta-voz.
Delegada da 16ª DP entregou o cargo
A delegada responsável pela delegacia da Barra da Tijuca (16ª DP), na zona oeste do Rio de Janeiro, Adriana Belém, entregou o cargo na manhã da sexta-feira (31). Segundo a Polícia Civil, “a decisão foi tomada para garantir a lisura das investigações conduzidas na unidade distrital”.
“Agradeço o trabalho da delegada Adriana Belém pelo serviço prestado na 16ª DP nos últimos anos à frente daquela delegacia. Hoje pela manhã, ela me ligou e disse que estava entregando o cargo. Aceitei o pedido de saída e desejei boa sorte. O delegado Giniton Lages assumirá a distrital”, disse o Marcus Vinícius Braga, secretário da Polícia Civil do Rio. No lugar de Adriana Belém, assumirá o delegado Giniton Lages, que já foi titular da Delegacia de Homicídios da capital e conduziu a primeira etapa das investigações do caso Marielle Franco. O delegado apresentou os dois acusados de executar o crime, no ano passado.
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