CARLOS LOPES
O maior propagandista de “Democracia em Vertigem” chama-se Bolsonaro. É fácil entender como os ataques desse fascista e sua corte provocam – e têm de provocar – uma solidariedade em torno do filme.
Porém, disse Freud quando fez a sua demonstração de que Moisés não foi um judeu, no mesmo momento em que os judeus eram perseguidos pelos nazistas, em 1939, mais importante é a verdade (“não podemos permitir que uma reflexão como esta nos induza a pôr de lado a verdade”; cf. S. Freud, “Moisés e o Monoteísmo”, Ed. St. Bras., volume 23).
Então, leitor, vamos lá.
“Democracia em Vertigem” é um panfleto petista. Essa constatação não é um ataque à obra da senhora Petra Costa. É apenas uma constatação. Já houve quem entrasse na história pela autoria de um panfleto.
Portanto, parecem fora de lugar as discussões, em alguns órgãos de imprensa, sobre se um documentário deve retratar a realidade ou a visão que seu autor (ou autora) tem da realidade. Até porque é difícil que um filme expresse a realidade (ou não a expresse), que não seja a partir da visão de seu autor… O problema, aqui, são aqueles para os quais a realidade não existe – tudo é uma “narrativa” ou uma “disputa de narrativas” (v. A debacle da pseudo-esquerda e o renascer da humanidade).
Mas não é disso que estamos falando, nem houve quem postulasse tal concepção a respeito de “Democracia em Vertigem”. Aqui, pelo contrário, a luta é: qual foi a realidade? Qual é a verdade?
No entanto, as discussões sobre o que é um documentário se acirraram com a proximidade da entrega do Oscar, no próximo domingo. Mas é bobagem. Se o filme ganhar o Oscar e isto fizer Bolsonaro estourar de raiva, até que será um bom negócio.
Porém, com Oscar ou sem Oscar, o filme continuará sendo o que é – um panfleto petista. O Oscar não tem a menor capacidade de alterá-lo. Mais ou menos (ou exatamente) como “Fui Comunista para o FBI”, panfleto macarthista indicado ao Oscar de melhor documentário em 1951 (perdeu para “Kon-Tiki”, este, sim, um grande documentário).
O problema, portanto, não é em que consiste (ou deve consistir) um documentário, mas se o panfleto tem algum compromisso com a verdade. Nesse sentido, entretanto, é difícil saber qual a consciência que a diretora tem – ou teve – sobre o que fez.
A dificuldade está na falta de medida: comparar Temer com o Marcus Brutus da peça de Shakespeare, “Júlio César”, não apenas desconhece que Brutus – e não César – é o herói da peça (pode-se adivinhar quem ela acha que é o César), mas também é algo tão fora de proporção, que acaba tendo um efeito cômico.
Da mesma forma, o discurso final de Lula, no dia de sua prisão, uma das tomadas mais longas do filme. Se pensarmos no que significam todas aquelas palavras, a resposta será: nada. É um brilhante exemplo de retórica pneumática, vazia, apenas destinada a suscitar emoções nos assistentes e submetê-los ao orador – sem qualquer outro conteúdo.
Algo que, antigamente, o povo chamava de demagogia.
Mas a diretora – e narradora – parece achar que aquele vácuo de pensamento é constituído por palavras comparáveis às de um Nelson Mandela ou Che Guevara, ou, talvez, Jesus Cristo, pois, segundo diz Lula, citado por ela, “se Jesus viesse pro Brasil, teria que fazer aliança até com Judas”.
Apesar disso, obviamente, a srª Costa tem o direito de acreditar que as palavras de Lula denotam um titânico gênio da raça. Nem por isso a sua crença, somente por ser sua, tem o condão de se transformar na verdade.
Entretanto, para chegar à verdade, ainda que seja parcial ou relativa, é preciso vontade de chegar à verdade. E para ter essa vontade, é preciso acreditar que a verdade existe, é alcançável – e que ela é essencial para os seres humanos.
Não parece o caso dos dois personagens principais de “Democracia em Vertigem”.
Por exemplo, diz, no filme, Dilma Rousseff:
“Eu quero te dizer, eu não governei durante 2015.”
O que é, em uma palavra, mentira.
Mentira tão grave que, por ser evidente, por ser um escândalo, compromete a própria tese do filme – a do famoso “golpe parlamentar”. Daí, a diretora/narradora registrar:
“[Depois da reeleição] Dilma quebra suas promessas de campanha, implementando um programa de austeridade. O desemprego chega a 8%, mais de quatro milhões de pessoas voltam à pobreza, e a taxa de aprovação do governo cai para 9%. Nesse clima, o Congresso aceita o pedido de impeachment contra Dilma.”
Essa parte é dita apenas en passant, no meio do filme.
Então, o que realmente ocorreu?
QUEM BANCA
Em novembro de 2014, logo depois de reeleita através de uma campanha inédita no país – em que acusou, com rara virulência e falta de limite, seus adversários de planejarem fazer tudo o que ela fez em seguida – Dilma chamou o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, para o Ministério da Fazenda.
O objetivo era executar o “ajuste fiscal”, aquele que, na campanha eleitoral, ela se declarou contrária – e acusou outros de pretender fazê-lo, se fossem eleitos. “Ajuste fiscal” significa aumentar a parcela do produto nacional apropriado pelo setor financeiro, em detrimento dos trabalhadores, dos empresários produtivos e da classe média. Em síntese, significa saquear os três últimos, que são quase o país inteiro, para aumentar o farnel do primeiro – isto é, dos bancos e de outros parasitas financeiros.
Dilma sabia disso, é óbvio, não apenas porque é impossível que fosse tão ignorante, mas porque foi exatamente disso que acusou seus adversários na campanha eleitoral.
Entretanto, convidou o presidente do Bradesco para ministro da Fazenda no dia 19 de novembro de 2014, apenas 23 dias após o segundo turno das eleições presidenciais.
Trabuco recusou o cargo, mas indicou o economista-chefe de seu banco, Joaquim Levy – um office-boy do FMI que fora secretário do Tesouro na gestão Palocci no Ministério da Fazenda e secretário da Fazenda de Sérgio Cabral.
Dilma nomeou Levy para executar a destruição nacional da economia – e foi o que ele fez, em 2015. Toda a política econômica de Levy era a política econômica de Dilma Rousseff, apoiada pelo PT, que começou logo pelo ataque aos trabalhadores (v. HP 28/01/2015, Dilma montou corte de direitos do trabalhador antes da eleição).
No que o ex-governador (e então ministro da Casa Civil) Jaques Wagner tinha inteira razão: “Quem banca a política econômica não é o ministro da Fazenda. Quem banca a política econômica é a presidenta da República e ela convoca o ministro para cumprir”.
Aliás, a própria Dilma esclareceu tal questão, quando a catástrofe econômica fez com que aumentassem as pressões pela demissão de Levy:
“Ele é um grande servidor público, que tem compromisso com a estabilidade do país. Acho nocivas as especulações, pois me obrigam a vir a público dizer que ele fica onde está” (grifo nosso).
Em suma, em 2015, Dilma (e também o PT e Lula) aderiram ao mais subserviente neoliberalismo.
Mas a srª Rousseff acha que pode fugir da sua responsabilidade, dizendo “eu quero te dizer, eu não governei durante 2015”.
É uma tentativa inútil, pois o que houve em 2015 (aliás, desde o final de 2014) foi a sua traição aos eleitores que nela votaram – e vai ser muito difícil que eles esqueçam disso.
No filme, tudo isso – e muito mais – se resume às 46 palavras que acima reproduzimos. E, com exceção do senador Roberto Requião, de forma rápida, ninguém se refere ao pântano em que a política de Dilma afundou o país.
Por quê?
Porque, senão, a versão do “golpe” sairia prejudicada.
Sendo assim, vejamos essa versão.
O PROCESSO DEVIDO
Um amigo, ex-dirigente do PT no Rio, costuma dizer que existem algumas vantagens em ser petista. Uma delas: não é preciso ser coerente. Pode-se usar dois pesos e duas medidas – ou até mais pesos e mais medidas –, dependendo do caso, conforme seja conveniente.
Por exemplo: toda a fundamentação – a mais básica – contra a condenação e a prisão de Lula, independente de qual ou tal firula jurídica, consiste em que não foi respeitado o “devido processo legal” (Artigo 5º da Constituição de 1988: “LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”).
A tal ponto isso é verdade que a reivindicação de Lula é um novo julgamento em primeira instância, no caso do triplex de Guarujá, porque o “devido processo legal” não teria sido respeitado pelo então juiz Sérgio Moro.
Entretanto, no impeachment da srª Rousseff, ninguém até agora levantou que o “devido processo legal” não foi respeitado.
Até porque o julgamento foi presidido por um ministro do STF, Ricardo Lewandowski, sabidamente ligado ao PT – tão ligado, que arrumou um jeito de fatiar a sentença, para que Dilma não se tornasse inelegível (o que, por falar nisso, de nada lhe valeu: em 2018, ficou em quarto lugar nas eleições para o Senado, em Minas Gerais. É difícil o povo esquecer…).
Antes que se argumente que o tribunal, no caso do impeachment, é o Legislativo, lembramos que isso não tem a menor importância desse ponto de vista – também o Legislativo é obrigado a respeitar o “devido processo legal”.
A outra argumentação possível – a de que o julgamento, no caso de um impeachment, é apenas político -, eliminaria, de saída, qualquer tentativa de vestir o afastamento de Dilma com a roupa do “golpe”. Nesse caso, tudo seria possível, inclusive os pedidos de impeachment do PT contra todos os presidentes, desde o final da ditadura até a primeira posse de Lula…
Então, o que temos até aqui? Vamos resumir:
- A condenação de Lula seria injusta porque não foi respeitado o “devido processo legal”.
- O impeachment de Dilma foi um golpe porque o “devido processo legal” não podia ser respeitado.
Essa dificuldade lógica (lógico-formal) chama-se, em duas palavras, oportunismo político. Não usaremos qualificativos mais pesados, porque não é necessário.
A rigor, Lula, Dilma e o PT consideram que o impeachment foi um “golpe”, apenas porque isso facilita esconder o que de fato aconteceu. Acham que o charivari do “golpe” pode ocultar o que realmente aconteceu em 2015.
Nós – isto é, o povo brasileiro – sabemos o que é um golpe de Estado. No último que houve no Brasil, passamos 21 anos lutando contra ele, com não poucos mortos e torturados, com não poucos – e precoces – cabelos brancos.
Chamar de “golpe” o impeachment de Dilma é vulgarizar – a rigor, desrespeitar – a luta de todos esses anos, inclusive aqueles que doaram generosamente as suas vidas pela liberdade.
E, evidentemente, nem Lula nem o PT levam essa história do “golpe” a sério. O que é um desrespeito extra, uma espécie de zombaria ao povo brasileiro.
O PT diz que houve um “golpe” no impeachment de Dilma, mas não toma a menor providência para lutar contra ele; pelo contrário, reconhece Temer como presidente e alia-se, em seguida, a uma porção de gente que votou a favor do impeachment (v., p. ex., HP 10/08/2018, Lula está aliado com “golpistas” em 15 estados).
Não é isso uma farsa? Ou é possível outro nome mais suave?
A função desse suposto “golpe” é escamotear o estelionato eleitoral após a reeleição de Dilma – e talvez mais alguma coisa, que deixaremos para adiante. Aqui, o importante é a tentativa diversionista em relação ao desastre do governo Dilma, desastre que piorou com Temer e piora com Bolsonaro.
Não se trata, inclusive, apenas de 2015, como apontou o professor Reinaldo Gonçalves – aliás, um ex-colaborador do PT – ao constatar que, na média, nesse governo, em termos econômicos, o país teve o pior resultado em 127 anos de República (cf. Reinaldo Gonçalves, “Custo econômico do Mau Governo Dilma Rousseff”, TD 009/2016, IE/UFRJ).
Nas palavras do professor Gonçalves, antes do impeachment:
“… em termos absolutos e relativos, pode-se afirmar que o governo Dilma Rousseff é a maior expressão de mau governo em toda a história republicana brasileira. Tendo como referência 30 mandatos presidenciais desde 1889, nunca antes na história do país houve custo econômico tão elevado em termos absolutos e relativos. Dilma Rousseff tem um desempenho inferior, inclusive, em relação aos casos críticos da história política brasileira: Floriano Peixoto (crise institucional e guerra civil) e Fernando Collor (crise social e impedimento)”.
Convenhamos que esconder essa hecatombe atrás do biombo mal-ajambrado de um suposto “golpe”, é de um ridículo atroz.
Porém, aqui, o que nos interessa, principalmente, é o efeito dessa farsa sobre o filme da senhora Petra Costa.
No filme, tudo se passa como se as manifestações organizadas pela direita caíssem do céu, com alguns comentários tipo “a mídia fez a sua parte” . Como se a política de Dilma não tivesse, exatamente, aberto o caminho para algo que jamais existiu desde 1964, cinquenta anos antes: manifestações de massa organizadas pela direita – e, pior nesse caso, pela direita mais alucinada.
O resumo da questão é Bolsonaro: por que um debiloide fascista, de carreira política medíocre, com nenhuma liderança exceto nas “milícias”, conseguiu tal audiência, uma audiência que o aboletou no Planalto?
Perguntado, no filme, “você se arrepende de alguma coisa?”, Lula responde:
“Devo me arrepender de muita coisa, querida”.
O que é uma forma – uma forma de enrolador – de dizer que não se arrepende de nada. Em seguida, haja mais demagogia: “Temos séculos de preconceito. Séculos de dominação da casa grande. A senzala sempre foi muito maltratada. Reverter tudo isso é uma coisa difícil. Nem sempre dá certo”.
Logo, é preciso, urgentemente, que a realidade faça autocrítica.
No filme, as manifestações de 2013 contra os aumentos nas passagens de ônibus (manifestações populares, ou, se alguém quiser, “de esquerda”) são mostradas rapidamente – tão rapidamente que tem-se a sensação de que foram elas que abriram caminho para as “de direita”, embora isso não seja dito explicitamente. Se o povo ficasse quieto em 2013, talvez…
Mas era impossível.
Mesmo assim, Dilma foi reeleita e fez 304 deputados na Câmara (seu oponente no segundo turno, Aécio Neves, fez 138 deputados federais, portanto, menos da metade).
O que aconteceu, então, para que, um ano e pouco depois, a Câmara aceitasse o processo de impeachment e o Senado a condenasse? Do panfleto cinematográfico da srª Costa podemos concluir que o problema foi: ou retaliação de Eduardo Cunha; ou que Dilma nunca abraçou fulano ou beltrano; ou que ela “cozinhava para si e não para os outros”; ou que ela “brigou com o Parlamento, brigou com o Judiciário, brigou com o Tribunal de Contas. Ela brigou com os seus eleitores”.
Mas o que foi essa “briga com os eleitores”? Somente o senador Requião fala que nada disso teria importância, se não fosse a crise econômica – ou seja, se não fosse a política econômica, vale dizer, o escandaloso estelionato eleitoral de Dilma, que deixou o governo sem base popular. Mas Requião aparece, no filme, somente de relance.
Esse era o quadro mais geral. Porém, isso não quer dizer que as acusações específicas não fossem verdadeiras (v. HP 08/04/2016, “Pedaladas fiscais” dispararam no governo Dilma, diz relatório do BC).
A narradora/diretora diz que somente após começar o seu filme descobriu que a acusação à Dilma era a de efetuar as “pedaladas fiscais”. Deve ser um recorde, somente comparável ao dos inocentes do Leblon, no poema de Carlos Drummond de Andrade.
Verdade ou mentira, ela diz isso para minimizar as acusações. Apesar da Câmara estar julgando uma fraude fiscal de R$ 106 bilhões, já condenada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), não há uma palavra sobre isso. E não é verdade que os outros governos faziam a mesma coisa. Nem o governo Lula fez isso.
LIBERDADE
Há uma declaração de Dilma – para a mãe da diretora, Marília Andrade – que revela algo que somente não é inusitado, porque já se sabe que ela é capaz de dizer quase qualquer coisa:
“… tem uma imensa liberdade em ser anônimo, imensa, que a gente tem quando tá na clandestinidade. A imensa sensação de liberdade que nunca mais eu tive igual. Por pouco tempo, mas é imensa, né?”
Dilma está apenas alinhando algumas palavras, que deve achar bonitas ou tocantes, para que apareçam no filme da srª Costa.
A luta na clandestinidade, quando há uma ditadura antinacional no país, é algo muito difícil, em que não se tem liberdade nem de usar o próprio nome – mais difícil, ainda, quando se tem filhos (v., por exemplo, As memórias de Aldo Arantes).
Dilma sabe disso. Portanto, esse tipo de postura – representando o suposto papel de guerrilheira romântica – apenas revela uma pessoa superficial e irresponsável.
ACORDÃO
Achamos algo estranha a transcrição da conversa entre o senador Romero Jucá e Sérgio Machado, que foi presidente da Transpetro nos governos Lula e Dilma, ambos do então PMDB.
A conversa é apresentada como uma prova da conspiração contra Dilma, Lula e o PT. Mas é omitido um trecho essencial para a compreensão do diálogo.
Jucá e Machado discutem uma forma de acabar com a Operação Lava Jato, já que, achavam eles, Dilma não conseguiria “estancar a sangria”. Daí, diz Machado:
“Eu acho o seguinte, a saída [de Dilma] é ou licença ou renúncia. A licença é mais suave. O Michel forma um governo de união nacional, faz um grande acordo, protege o Lula, protege todo mundo. Esse país volta à calma, ninguém aguenta mais.”
Ou seja, eles estão discutindo um acordão também com Lula e o PT para brecar a Lava Jato – não uma conspiração contra Dilma, Lula e o PT.
CAIXA 1
Não pretendíamos, aqui, entrar na questão da corrupção, porque é conhecida a nossa posição, mas, como escreveu, na “Piauí”, Eduardo Escorel, “a corrupção sistêmica revelada pela Operação Lava Jato paira sobre Democracia em Vertigem do início ao fim”.
Portanto, o assunto é inevitável.
No filme, há uma porção de lugares-comuns e algumas distorções, do tipo que reduz tudo à “relação promíscua entre empresários e políticos”, que existiria desde que Cabral chegou em Porto Seguro. Ou, também, a redução de todo o problema a um mero “caixa 2” eleitoral.
Evidentemente, como já mostramos várias vezes, essa é uma versão que nem a empresa fundada pelo avô da diretora – a Andrade Gutierrez – sustenta mais.
Veja-se o depoimento do principal executivo do grupo – que hoje abrange quase 100 empresas – no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), quando perguntado se a Andrade Gutierrez pagou propinas:
OTÁVIO MARQUES DE AZEVEDO (depoente): É… o que eu poderia relatar, que é o que… estão nos meus depoimentos – e eu confirmo -, é que houve… é…, para o Partido dos Trabalhadores e para o Partido do Movimento, do MDB, se não me engano – nem sei o que significa exatamente… Democrático Brasileiro – o MDB… PMDB; houve… é… uma… pedidos, vamos dizer assim, dos dirigentes dos partidos, e também de pessoas ligadas aos partidos, para que em determinada – no caso do… no caso de… no caso de duas grandes situações: uma foi situação em que o presidente do PT na época, junto com o tesoureiro e com o futuro tesoureiro solicitaram uma contribuição de 1% sobre todos os projetos federais, que… é, contribuição eleitoral de 1% sobre todos os projetos executados, em execução e a executar pela Andrade Gutierrez, pela Construtora Andrade Gutierrez, obras de natureza federal (grifo nosso).
O que era feito, sobretudo, não era “caixa 2” – embora este também existisse -, mas lavagem através do “caixa 1”, do caixa oficial. O que era propina aparecia como “contribuição eleitoral”.
O executivo descreve com detalhes a operação que definiu os responsáveis pela obra de Belo Monte e a negociação com a substituta de Dilma na Casa Civil, Erenice Guerra.
Depois que tudo foi acertado com Erenice:
“… eu fui então chamado pelo na época deputado, ex-Ministro Antonio Palocci, para uma reunião, onde ele me disse que aquela escolha… aquela proposta de tocar o projeto, feita pela Ministra Erenice, aquilo ali precisaria de ter um entendimento de que havia um projeto político também para ser apoiado a partir dessa definição, e que nós deveríamos então recolher 1% do valor dos nossos faturamentos, naquele consórcio, para o… 0,5% para o PT, 0,5% para o PMDB” (cf. AlJE N° 1943-58.2014.6.00.0000, Audiência de Otávio Marques de Azevedo, 10/09/2016, grifo nosso).
PROVAS
Entretanto, o principal falseamento, nessa questão, é a propósito de Lula.
Aparece a imagem de um procurador afirmando que o fato do triplex de Guarujá não estar em nome de Lula não provava a sua inocência, pelo contrário, constituía ocultação de patrimônio – o que é crime.
O comentário da narradora é: “até o fato de não haver provas, tornou-se uma prova contra Lula”.
Por essa lógica, até Al Capone seria absolvido, pois um dos motivos que levaram à sua condenação, por sonegação de impostos, é que não havia em seu nome nenhuma, absolutamente nenhuma, propriedade.
Mas deixemos essas questões assim como estão. Terminemos, que esse artigo já passou do tamanho que devia ter. Existiria muito mais para comentar sobre “Democracia em Vertigem”, mas deixemos assim.
Nos limitaremos, somente, a mais uma questão (na verdade, duas).
A melhor frase do filme é dita por um trabalhador: “A Dilma, o PT, deixava as migalhas pra nós. Agora não vai ter mais migalha”.
Achamos dispensáveis os comentários.
Houve algumas queixas – não sei se muitas ou poucas – de que a diretora é demasiado autorreferente. Ela é o centro de tudo – até mesmo é a ponte que permite sua mãe conhecer Dilma Rousseff, como se Marília Andrade necessitasse de alguma ponte, se quisesse conhecer a srª Rousseff.
Mas o filme é dela, portanto, que seja autorreferente, tal como em seu filme anterior. Pode ser chato, mas a chatice não está proibida por lei.
Diz a diretora que “hoje, enquanto sinto o chão se abrir embaixo dos meus pés, temo que a nossa democracia tenha sido apenas um sonho efêmero”.
Frases de efeito sempre nos fazem desconfiar que não são mais que frases de efeito.
Seja como for, esse é o tipo de sentimento que não têm aqueles que lutaram e continuam lutando pela democracia – pois a democracia não pode se afirmar senão através da luta do povo, da luta da Nação, da luta pela liberdade.
No entanto, quem acredita que foi Lula que derrubou a ditadura terá alguma dificuldade agora, quando se tornou evidente que ele não é um campeão da democracia. Daí a insegurança, o sentimento do “chão se abrir embaixo dos pés”, o medo diante do efêmero (afinal, que conquista, na vida, é eterna, se não for mantida e ampliada pela luta dos seres humanos?).
Mas não é bom transferir para o país a própria insegurança. Ou, como se dizia em outras épocas, o próprio derrotismo – ainda que ele seja, nesse caso, compreensível.