Já as reações destoaram. Facções e milícias infiltradas na PM cearense conseguiram fabricar o impasse que levou à tentativa de assassinato do senador Cid Gomes e o terror à população do estado
A proposta de reajuste salarial do governo para a PM do Ceará era de 43% escalonado em três parcelas. Pelas negociações que levaram à assinatura do acordo entre as entidades representativas da categoria, a Assembleia Legislativa do estado e o governo, a primeira parcela do reajuste seria a maior, chegando a 50%, segundo afirmou em entrevista o líder do governo, deputado Júlio César.
Esta tinha sido uma das reivindicações aceitas. A outra, que também foi aceita pelo governo, foi a de que as gratificações fossem incorporadas ao salário. O salário inicial de soldado do Ceará passaria de R$ 3.134,58 para R$ 4.500,00 em 2022.
As discussões sobre o reajuste no Ceará se deram quase ao mesmo tempo em que, em Minas Gerais, o governador Romeu Zema, muito criticado por integrantes de seu partido e de outros setores que defendem o arrocho salarial de todos os servidores públicos, fazia uma proposta semelhante à de seu colega do Ceará, Camilo Santana. Haveria também o escalonamento em três vezes. A diferença é que não apareceu, em Minas, a reivindicação de incorporação de gratificações. O reajuste da PM mineira foi de 41% e leva o salário de R$ 3.278 para pouco mais de R$ 4.500, também em 2022. A proposta foi aprovada pela Assembleia mineira e aceita pelos policiais.
O salário da PM do Ceará, que já estava na frente do Rio de Janeiro (R$ 2.909), São Paulo (R$ 3.034), Espírito Santo (R$ 2.778,43), Bahia R$ (2.585,05) e é praticamente o mesmo de Minas Gerais (R$ 3.278,74), passaria, com a proposta, a estar entre os cinco maiores do Brasil, segundo tabela de editais das PMs de todo o Brasil, divulgada pela bancada federal da Segurança Pública (veja abaixo).
A súbita mudança de posição por parte de algumas “lideranças” dos PMs cearenses, principalmente as que detêm mandatos ou já foram parlamentares, pegou a todos de surpresa e levou uma parte da categoria a uma radicalização insana e poucas vezes vista no país.
Homens à paisana e armados passaram a aterrorizar a população, andando encapuzados, invadindo quartéis, atacando os policiais que se mantinham no trabalho e mandando o comércio fechar as portas. O incitamento levou à tentativa de assassinato do senador Cid Gomes, que levou dois tiros no peito ao tentar desocupar um quartel na cidade de Sobral, no interior do estado.
A manipulação do movimento fez com que alguns amotinados, que o senador Major Olímpio chamou de “legião de jovenzinhos inexperientes que não sabem que vão se arrebentar, perder a função pública e condenados como criminosos militares”, passassem de todos os limites.
Acharam que podiam usar impunemente métodos usados por facções criminosas e milícias para aterrorizar a população e os comerciantes. O senador Elmano Férrer (Podemos-PI), que estava junto com o Major Olímpio no Ceará, chegou a dizer, após visitar um quartel amotinado, que eles estavam sendo liderados por “praças expulsos da corporação”.
A insanidade, que culminou com a provocação de tentar matar a tiros o senador Cid Gomes, revela algumas questões. A primeira é que interesses inconfessáveis manipularam as justas reivindicações dos policiais para obter dividendos políticos com o impasse. A criação do caos e a necessidade de intervenção federal pareceu interessar a certos setores no Ceará e fora dele. Alguns deles chegaram a defender, no que foram acompanhados por Jair Bolsonaro, os atiradores que tentaram matar o senador Cid Gomes.
A outra questão, assinalada pelo ex-governador Ciro Gomes, é de que a situação do país é de extrema gravidade e que todos os trabalhadores estão sendo vítimas de uma política absurda de destruição da economia por parte do governo federal.
Ciro chamou a atenção para o fato de que, mesmo nessa situação de dificuldades orçamentárias, o governo do Ceará – assim como Romeu Zema – se esforçaram para aliviar, pelo menos em parte, a situação salarial de suas forças de segurança. O Ceará, inclusive, um estado pobre, como lembrou Ciro, estava conseguindo colocar os salários da PM entre os maiores do Brasil. Para ele, a reação descabida em seu estado foi uma provocação.
Tabela de salários das PMs
EDITAIS DE 2019 PARA PMS
Distrito Federal 5.245,41
Roraima 4.792,96
Mato Grosso 4.639,19
Amapá 4.568,68
Tocantins 4.455,46
Santa Catarina 4.143,87
Maranhão 4.019,62
Goiás 4.000,00
Amazonas 3.778,00
Rio Grande Sul 3.760,54
Pernambuco 3.566,28
Alagoas 3.522,88
Sergipe 3.370,00
Mato Grosso Sul 3.352,53
Acre 3.319,12
Minas Gerais 3.278,74
Paraná 3.225,99
Paraíba 3.202,60
Rondônia 3.182,66
Ceará 3.134,58
Piaui 3.100,00
SÃO PAULO 3.034,05
Rio de Janeiro 2.909,50
Rio Grande do Norte 2.904,00
Para 2.836,80
Espírito Santo 2.778,43
Bahia 2.585,05
Fonte: Frente Parlamentar de Segurança