“Para o país, Bolsonaro é uma pedra no sapato, mas, para quem vive do humor, ele – e sua turma -, com as frases e impropérios quase diários, nos oferece material farto para o trabalho”, diz o artista
Perguntei ao nosso cartunista, o ‘carteiro’ Édson Dias, que retornou ao HP depois de um interregno de muitos anos, se ele assinava Eton ou Éton, afinal, em seus desenhos apareciam as duas formas. Até brinquei dizendo que Éton parecia coisa de artista francês…
Sua resposta foi surpreendente e engraçada, como, aliás, quase tudo o que ele diz e faz.
“Éton era o jeito que minha filha de dois anos, a Moniquinha, conseguia falar ‘Edson’. Eu achei que era um bom pseudônimo”, explicou o artista, que é um sujeito de alto astral e de bem com a vida.
Aliás, é também um mestre e um dos mais antigos humoristas gráficos do país. Esta reportagem sobre o Éton busca mostrar a você leitor um pequeno flash da vida deste grande artista popular, que dedicou toda ela à luta dos trabalhadores.
MINHA MÃE ME CHAMAVA DE DEDA
“Quando eu desenhava no Tribuna Operária, jornal comunista da época da repressão, eu usava um pseudônimo ‘Deda’, era o apelido pelo qual minha mãe me chamava”, contou.
“Quando fui parar na mão de delegado Fleury, (Sérgio Paranhos Fleury) eles me espancaram pelo Deda e pelo Edson”, acrescentou o chargista de Osasco. Ele lembrou que sua militância era colocar sua arte a serviço da luta.
“Tinha jornal e cartilhas de formação sindical, eu adorava ilustrar as cartilhas, só não gostei quando um tenente deu a ideia de me dar um pé no ouvido para cada página ilustrada. Até hoje não ouço direito, só 30%”, disse ele, que ficou preso na mesma cela onde, alguns dias depois de sair, Wladimir Herzog foi morto.
Numa entrevista ao amigo Bira, do site Bigorna, em 2007, Éton filosofou sobre a origem da vida, quando foi perguntado quem somos? De onde viemos?
“Acho que somos partículas atômicas, a humanidade através da ciência tenta descobrir de onde viemos, mas acaba cometendo uma gafe quando fala do famoso Big Bang, pois acaba por fazer um círculo vicioso, afinal se a ciência é contra o criacionismo, não há porque falar no tal Big Bang, achando sempre que teve um começo”, disse.
“O QUE A GENTE BUSCA TÃO LONGE, ÀS VEZES ESTÁ TÃO PERTO”
“Lembre-se, começo meio e fim são dados de um problema humano. E, a princípio, o universo não seria infinito? Eterno? Como agora procuram encontrar respostas no Big Bang? Como você vê, a própria ciência humana está só engatinhando em encontrar estas respostas. Eu encontrei algumas. Não sei se chega a ser suficiente para eu determinar meus rumos, mas até aqui têm me ajudado, procuro acreditar em que só o amor constrói. Pouca coisa, não??? Mas pra mim, o que a gente busca tão longe, às vezes está tão perto…”, respondeu.
DESENHEI A VIDA TODA
“Sou pedagogo de formação. Desenhei a vida toda. Como profissional uns 30 anos”. Edson – ou Éton, segundo a Moniquinha – se define como um materialista. “Acredito em tudo que se possa provar e explicar…de preferência sem mentiras! Nem preconceitos!”, argumenta.
Seus influenciadores: “Laerte e Henfil sem dúvida contribuíram muito para o meu desenvolvimento profissional”. “Mas os gibis vieram primeiro: Capitão América, Pato Donald, Super Homem, e não podia esquecer os mocinhos do Bang-bang e do Tarzan”, acrescentou Éton.
Ele já ilustrava apostilas na escola, mas seu início de carreira, conta, foi na FNT (Frente Nacional do Trabalho).
Edson trabalha há muitos anos nos Correios e é um batalhador contra sua privatização.
Ele colaborou de 1968 a 1985 no jornal da FNT e depois foi para a Oboré, tradicional assessoria sindical de São Paulo. Passou pelo Sindicato dos Bancários e Gazeta de Pinheiros. Nunca deixou de fazer free lancer para os movimentos sociais.
NA LUTA CONTRA A DITADURA
Éton conta que “no final da década de 1970, o movimento operário serviu como um pólo catalisador que atraiu grupos de pessoas dispostas a lutar contra a ditadura brasileira. Direções progressistas começavam a retomar o controle dos sindicatos e dar voz ativa aos trabalhadores”.
“O exemplo do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema e das greves de 1978-1980 traduzem o espírito de luta que rondava a época”, disse ele.
PASSAGEM PELA OBORÉ
“Era preciso reunir os dispersos e empoderar os trabalhadores no enfrentamento ao regime militar. Um grupo de jornalistas e artistas, empenhados no combate à ditadura, se dispôs a cumprir o papel da comunicação sindical: assim, a Oboré nasce para nunca ter um veículo próprio, mas para editar inúmeros jornais de sindicatos e marcar sua contribuição pela redemocratização do país”, acrescentou o cartunista.
“Na tradição tupi, quando uma tribo era ameaçada de alguma forma, tocava-se o Boré – instrumento de sopro que produz um som agudo – com o intuito de reunir os indígenas para lutarem em defesa. Assim, juntou-se o artigo com o substantivo e, em 1978, foi fundada a Oboré”, lembrou.
“Porém”, disse ele, “quatro anos antes, em 1974, o embrião desse grupo começava a ser gerado quando os jornalistas Sergio Gomes e Paulo Markun, além de Laerte Coutinho, se juntaram para editar o jornal do sindicato dos trabalhadores têxteis de São Paulo. O projeto foi interrompido com a prisão dos dirigentes sindicais, mas os integrantes do grupo não se afastaram da ideia”.
O jornalista Sergio Gomes (foto), hoje diretor da Oboré, conta que o grupo foi fundado baseado em quatro princípios, o que, segundo ele, garantiu a sobrevivência da organização até os dias de hoje. “O primeiro era que nós nunca teríamos um veículo próprio. O segundo era que não éramos um grupo fechado, uma ‘patota’. O terceiro era que não dependeríamos de dinheiro nem da CIA, nem da KGB, nem do governo, nem da igreja. E o quarto era que em nosso grupo só entrava gente com vontade de viver”, conta Gomes.
Ocupando o nicho existente na comunicação sindical, a Oboré passou a produzir os jornais de vários sindicatos, como o dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, dos Metalúrgicos de São Paulo, dos Portuários de Santos, dos Químicos do ABC, dos Médicos de São Paulo, entre muitos outros. O grupo contava com jornalistas e artistas experientes como Gomes, Markun, os ilustradores Fortuna e Henfil, além de Laerte.
“Aprendi muito com todos os amigos que passam na minha vida. O Sergião me faz esquecer os maus momentos. As circunstâncias às vezes nos distancia das pessoas que amamos mas elas continuarão a viver em um lado especial no nosso coração. Sou grato e devedor a todos, meu nome deve estar no ‘Serasa da vida’, pois não posso pagar tudo de bom que me fizeram e tudo que aprendi”, prosseguiu o artista.
ENCONTRO COM A HORA DO POVO
“Aprendi muito sobre como fazer uma imprensa alternativa, que saía nas bancas, quase diária, quase sem recurso nenhum. A camaradagem da equipe que enfrentava uma rotina de trabalho muito puxada com bom humor, otimismo, criatividade, idealismo, acho que foi a marca da equipe que fazia o HP”, disse o cartunista.
Éton trabalhou no jornal na década de 1990, quando os inimigos eram os neoliberais e, agora, retornou com a mesma garra, para detonar o insano fascismo bolsonarista.
Éton foi e está sendo decisivo, com sua “metralhadora artística”, para ajudar o país a superar os tempos sombrios que rondam a democracia. O mestre da pena se sentiu ‘em casa’ novamente no HP porque viu em sua equipe o mesmo espírito de luta que ele sempre teve.
“Este espírito de luta norteia toda a equipe do jornal”, afirmou Éton, ao falar sobre sua volta ao HP.
“Estou convencido que também a personalidade irreverente, destemida, pródiga, rica em improvisação, descontração e criatividade do HP foram sempre imprescindíveis. O HP nunca transgrediu com sua parcela de cooperação no front e na luta de classe nacional, mas sem perder a ideia que a luta é também pelo internacionalismo, já que o capital não tem fronteiras”, avaliou.
“O HP para mim ainda é o baluarte ideológico e aglutinador de todas as vertentes das entidades e representações de classe. Tem sido uma referência na luta pelo socialismo universal, nacional e na emancipação das organizações de classe”, prosseguiu Éton.
“É obvio que nestas condições a gente obtém um maior progresso, enfim somos como mariposa, sempre atraído pela luz, a abelha pelo mel, em suma, todos gostamos daquilo que nos faz bem. E o que seria do socialismo que almejamos, se não conseguíssemos criar este ambiente acolhedor?”, indagou.
O MOMENTO POLÍTICO
Éton está na trincheira da luta contra o obscurantismo fascista que ressurgiu com a chegada de Bolsonaro e suas milícias ao poder.
Sua metralhadora está mais afiada do que nunca.
“Quando criticava o PT, eu fazia, para que eles aperfeiçoassem a cada dia, deixassem de pisotear a bandeira que sempre defenderam. “O governo do PT, além de não ser uma revolução, nunca tinha como alvo o término do império do capital, mas o acondicionamento da classe à dominação do capital”, disse ele. “Nunca conseguimos uma democracia de verdade e sempre fomos ‘barrados à porta do Baile'”.
“Como Bolsonaro reflete o avanço do hediondo nazismo e fascismo pelo mundo, acho que não podemos perder também a ideia do internacionalismo. Uma ideia de ‘ilha isolada’, não pode ser o objetivo de classe”, ponderou.
“Bonsonaro representa o avanço do pior capitalismo selvagem que existe, e, se quisermos combatê-lo, acho que teremos que unir nossas forças nacionais, com os que estão em todo mundo, na resistência a este avanço”, avaliou o cartunista.
“Estou convencido que Bolsonaro representa um pensar conservador e fascista, que pode ter se fortalecido pelo ódio popular à uma política corrupta e uma falência dos nossos partidos de esquerda. Eles, ao invés de perseverar suas bandeiras, bandearam para um pragmatismo servil e conivente com as ideias mais conservadoras e retrógradas da sociedade”, prosseguiu Éton.
“Ao invés de mudança, penso que o PT procurou a conciliação e acomodação com o passado de ‘dando é que se recebe’ da nossa tradicional política”, assinalou o desenhista.
“E o povo revoltado, embarcou em qualquer coisa que o deixasse distante disso”, apontou. “Parece que viram no Bolsonaro e nas Forças Armadas um apelo a uma “ordem e progresso” impossível de acontecer, já que esta classe, a dos nossos homens de farda, está muito distante, hoje em dia, daquele espírito de luta dos pracinhas, que foram lá na Itália dar sua vida por uma causa democrática, contra a tirania e o imperialismo de Hitler”, avaliou Éton.
“Diante de toda a lambança causada, eu não sei qual será o comportamento do povo neste ano de 2020. Através do voto poderemos ter uma chance de brecar este ônibus que desce ladeira abaixo sem breque, levando seus ocupantes a um desastre”.
“Acho que as eleições de 2020 podem servir ao povo brasileiro como um instrumento, o primeiro passo para tirar essa ‘vaca do brejo'”, afirmou. “Sem esquecer das ações diretas, de protestos cada vez que um direito do trabalhador for conspurcado, como as privatizações prometidas, por exemplo”, concluiu o cartunista.
SÉRGIO CRUZ