Reproduzimos, dada a importância do tema, o artigo publicado pelo economista José Luis Oreiro, professor adjunto do departamento de economia da Universidade de Brasília (Unb), em seu site, no dia 15/2, sob o título “Qvsque tandem abvtere, Guedes, patientia nostra? ou Até quando, Guedes, abusarás de nossa paciência?”. A seguir o texto na íntegra.
“Nos últimos 10 dias o todo poderoso César da Economia Brasileira usou e abusou da paciência dos cidadãos desta infeliz República. No dia 07 de fevereiro Guedes comparou os servidores públicos a parasitas, incluindo no mesmo balaio de gatos professores, médicos, bombeiros, policiais militares, enfermeiros, trabalhadores da limpeza urbana, fiscais da receita federal, delegados e tantas outras categorias de profissionais que, na sua imensa maioria, trabalham de forma abnegada para servir a população, muitas vezes sem ter os recursos necessários para fazê-lo. Na quarta-feira passada, dia 12 de fevereiro, foi a vez de ofender as empregadas domésticas afirmando que o dólar alto é bom porque quando o dólar estava a R$ 1,80 todo mundo viajava para a Disney até (sic) as empregadas domésticas. Para fechar com chave de ouro esse ciclo de impropérios, em palestra para empresários realizada ontem, 14 de fevereiro, Guedes se (sic) desculpou da fala sobre as empregadas domésticas afirmando que (sic) foi decorrência do seu passado de professor, ofendendo assim as centenas de milhares de professores e professoras desta imensa República, os quais se dedicam a ensinar, com amor, os seus alunos, ao invés de ofendê-los com exemplos de gosto, no mínimo, duvidoso.
A pergunta que devemos nos fazer, não é a mesma que o Senador Cícero fez ao Senador Catilina, a qual dá título a este post; mas sim qual a razão pela qual o César da Economia tem apresentado um comportamento claramente incompatível com o decoro exigido de um Ministro de Estado.
O jornalista Vicente Nunes do Correio Braziliense escreveu ontem em seu blog que uma possível razão para o destempero do ministro são os resultados econômicos pífios apresentados até o presente momento (http://blogs.correiobraziliense.com.br/vicente/enquanto-guedes-mostra-todo-seu-preconceito-a-economia-afunda/)
Nas palavras de Vicente:
“Guedes assumiu com um discurso de que, com a posse de um governo liberal, o país entraria em um ciclo contínuo de expansão do Produto Interno Bruto (PIB). Num tom ufanista, prometeu zerar o deficit público, superior a R$ 130 bilhões, em apenas um ano. Muita gente acreditou em tais promessas.
A realidade que tem se imposto, porém, é totalmente diferente. A economia continua patinando e as contas públicas apresentam rombo próximo de R$ 100 bilhões ao ano. A incapacidade da equipe de Guedes de fazer o país crescer é tão grande, que nem a taxa básica de juros (Selic) no menor nível da história (4,25% ao ano) e a inflação abaixo da meta surtiram efeito”
Paulo Guedes é provavelmente o Ministro da Economia mais poderoso da História do Brasil, acumulando as pastas da Fazenda, Planejamento, Indústria e Desenvolvimento, Comércio Exterior. Ele indicou os presidentes do BNDES, Banco Central, Banco do Brasil e Petrobrás. Tudo o que está relacionado com a gestão econômica do país está sob seu controle direto e/ou indireto. Não existem vozes dissonantes à sua na Esplanada dos Ministérios. Não há ninguém que tenha uma visão diferente da sua e que possa ter acesso ao Presidente da República. Guedes é Rex et Imperator da Economia sob o Governo Bolsonaro.
Apesar de ter carta branca para fazer o que quiser em termos de política econômica, o fato é que, até o presente momento, sua gestão não tem apresentado os resultados alardeados no início do governo. A reforma da previdência foi aprovada APESAR de sua articulação; a qual foi, no mínimo, desastrosa junto ao Congresso Nacional. Os dados sobre o IBC-BR, divulgados ontem pelo Banco Central, apontam para um crescimento de apenas 0,89% no ano de 2019, valor bastante inferior aos observados durante o governo Temer, que também estavam bem longe de ser brilhantes. As expectativas de crescimento da economia brasileira para 2020 estão sendo continuamente reajustadas para baixo, enquanto a taxa de câmbio – que deveria ter caído para R$ 3,50 se a reforma de previdência fosse aprovada, segundo as expectativas do mercado financeiro – teima em se situar acima de R$ 4,30, apesar da maciça intervenção do Banco Central no mercado de câmbio, nesta semana por intermédio das operações de swap cambial. Por fim, das 1,8 milhão de vagas de trabalho criadas em 2019, mais de 50% delas (1 milhão) foram vagas informais, ou seja, sem carteira assinada e diretos trabalhistas, indicando assim uma crescente “uberização” do mercado de trabalho no Brasil (https://www.redebrasilatual.com.br/economia/2020/02/pais-tem-11-estados-com-mais-de-50-na-informalidade-que-sustenta-o-emprego/)
Guedes achava que os conhecimentos adquiridos (mas nunca reciclados) em seu doutorado em Chicago na década de 1970 fariam com que o Brasil voltasse a crescer de forma robusta. Após mais de 30 anos tentando ser ministro da economia de algum governo, foi apenas com Bolsonaro que seu sonho foi concretizado. Para seu desespero, contudo, suas ideias não só parecem não estar funcionando, como ainda parecem estar fazendo com que o país cresça menos, ao invés de crescer mais. Está claro que os operadores do mercado financeiro estão felicíssimos com a alta do BOVESPA e a valorização dos títulos públicos pré-fixados devido a queda da taxa de juros. Os ativos brasileiros apresentam uma “exuberância irracional” – para usar o termo usado por Alan Greenspan em meados dos anos 1990 – que não encontra respaldo na economia real. Com Guedes a versão brasileira de Wall Street (a Faria Lima) está cada vez mais distante da nossa Main Street (as empresas do setor industrial e os trabalhadores). Essa dissociação, contudo, não pode durar para sempre. Em algum momento os preços dos ativos brasileiros vão parar de subir se a economia real não apresentar sinais consistentes de crescimento mais robusto. Se e quando isso ocorrer então a bolha especulativa vai explodir e o pânico irá se instalar na Faria Lima.
Para o crescimento da economia brasileira se acelerar é necessário fazer o que a Teoria Econômica Keynesiana, desprezada por Guedes e sua versão ultrapassada da economia de Chicago, estabelece que deve ser feito: Com desemprego e alta ociosidade da capacidade produtiva, o Estado precisa gerar demanda agregada para que as empresas possam aumentar suas vendas e assim contratar mais trabalhadores. Para tanto, o Estado brasileiro precisa aumentar imediatamente os seus investimentos em infra-estrutura, o que exige que os mesmos seja retirados do teto de gastos definido em 2016. Considerando que os investimento em infraestrutura tem uma taxa de retorno muito maior do que a Selic, atualmente na sua mínima histórica, não há nenhuma razão econômica para não executar um ambicioso programa de investimento públicos em estradas, produção de energia, descarbonização da economia e etc. O que nos impede é tão somente uma restrição auto-imposta por uma visão ideológica a respeito do funcionamento da economia, a qual não é adotada em nenhum lugar do mundo civilizado.
Está nas mãos do Congresso Nacional, na figura dos presidentes Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, colocar o Brasil novamente na rota do desenvolvimento econômico, com geração de empregos de qualidade e inclusão social.”