Presidente tinha dito, em live na quinta-feira (27), que esse era um problema do governador do Ceará e que o envio de tropas só se justificava em caso de emergência. “A ajuda federal não é favor. É obrigação”, cravou um dos editoriais do diário cearense “O Povo”
Apesar de ter ameaçado a população cearense, durante a live divulgada na quinta-feira (27), com a não renovação da GLO (Garantia da Lei e da Ordem), Jair Bolsonaro foi obrigado a voltar atrás e anunciou a permanência das tropas federais no Ceará por mais uma semana.
Ele havia dito que a crise era um problema do governador e que suas tropas não iam ficar “eternamente” no Ceará. Jair Bolsonaro, assim como Sérgio Moro, tentou minimizar a gravidade da situação criada pelo desatino de uma parte minoritária da tropa que mantém quatro quartéis ocupados.
Diversos setores da sociedade cearense reagiram indignados com a fala do presidente. Em dez dias de motim, foram cometidos 195 assassinatos no estado. O número representa um aumento de 57% em relação aos casos registrados durante o último motim de PMs no Ceará, em 2012.
ENCAPUZADOS ATERRORIZARAM A POPULAÇÃO
Neste motim de agora, a população foi aterrorizada por elementos à paisana e encapuzados que apontaram armas para populares e comerciantes, obrigando-os a fechar suas lojas. Arrancaram policiais de dentro de viaturas e as inutilizaram. Um senador da República e ex-governador – Cid Gomes – foi baleado no peito quando tentava desobstruir um quartel da cidade de Sobral invadido por pessoas armadas e encapuzadas.
E, mesmo com tudo isso, Bolsonaro se achou no direito de achar que a crise no Ceará não é uma emergência. Ele disse na live que o envio de tropas “é só para situações de emergência”.
“A ajuda federal não é favor. É obrigação”, cravou um dos editoriais do diário cearense “O Povo”. “Os problemas dos cearenses são problemas do Brasil. São do presidente da República. Dentro das atribuições de cada um”, prosseguiu o jornal. ‘A GLO minha não é ad aeternum. No passado era, com outro presidente, comigo não é.’ Aí que ele se embanana mesmo. Porque o decreto de Garantia da Lei e da Ordem não é dele, não é do Bolsonaro, é um instrumento do Estado brasileiro para situações dramáticas – como esta que o Ceará vive. E na qual não cabe política miúda”, disse o diário cearense.
GOVERNADORES EXIGIRAM PERMANÊNCIA DAS TROPAS
Governadores de outros estados do país pressionaram o Planalto a rever sua posição e aceitar o pedido de prorrogação da permanência das tropas federais no estado do Ceará. Eles chegaram, inclusive, a preparar o envio de suas tropas para o estado nordestino atingido, caso Bolsonaro retirasse as tropas federais nesta sexta-feira, prazo para o término da primeira GLO.
O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), afirmou que Bolsonaro tem obrigação de renovar a GLO. “A Constituição diz que as polícias militares são auxiliares das Forças Armadas. Se elas falham, as Forças Armadas têm a obrigação de intervir. O presidente é obrigado a garantir a ordem pública. Ele não está fazendo nenhum favor”, diz o governador maranhense.
Camilo Santana já havia solicitado a prorrogação por mais trinta dias. Bolsonaro, pressionado, foi obrigado a prorrogar a GLO, pelo menos, por uma semana.
Depois que o ministro da Justiça Sérgio Moro esteve no Ceará e não condenou as atrocidades cometidas pelos encapuzados contra a população, os milicianos viram espaço para ampliar a pauta de reivindicações. Num sinal claro de radicalização, eles elevaram a pedida salarial e exigiram a anistia.
O presidente da Assembleia Legislativa do Ceará, José Sarto (PDT), criticou a atuação do ministro Sergio Moro, durante sua passagem pelo estado. O chefe do legislativo cearense disse na quinta-feira (27) que Moro foi dúbio em suas declarações sobre o motim da PM. Além de evitar criticas ao motim, Moro disse que policiais são “profissionais dedicados”. O ministro de Bolsonaro, na opinião do deputado, deixou a impressão de que no fundo apoia o movimento.
FALA DE BOLSONARO ASSANHOU AMOTINADOS
Com a fala de Bolsonaro nesta quinta-feira (27), ameaçando tirar as tropas federais do estado e dizendo que o problema não era dele, os amotinados entenderam o recado e fizeram a exigência de que o ex-deputado, cabo Sabino, bolsonarista expulso da PM por inaptidão moral e com mandado prisão expedido, entrasse na comissão de negociação como condição para prosseguir nas conversas.
Sabino foi afastado da Corporação pela Controladoria Geral de Disciplina (CGD), no dia 21 deste mês, por “incapacidade moral do mesmo de permanecer nos quadros” da Segurança Pública do Estado. Ele publicou uma live logo após o carnaval dizendo que agora é que “a população vai ver o que é violência”. A mensagem foi vista como uma senha para a ação de milicianos.
Assim, de acordo com a comissão, há uma “limitação do ponto de vista institucional” para que ele seja esse representante. As negociações entraram numa fase de impasse provocado pelas novas exigências apresentadas pelos amotinados. “É inviável do ponto de vista institucional sentar à mesa com uma pessoa nessa condição”, afirmou o procurador-geral.
O próprio senador Major Olímpio (PSL-SP), que havia se dirigido ao Ceará para ajudar nas negociações, constatou que o movimento não representa o comportamento de policiais. Ele disse, em vídeo, que “isso não é polícia”. “Não posso concordar com movimento como eu vi, policiais encapuzados feito bandidos black blocs, viaturas arranhadas e depredadas, viaturas de corporações policiais e bombeiros sendo arrebatadas na rua por pseudo policiais mascarados armados”, lamentou. “Isso não é conduta de Polícia”, destacou o parlamentar.
GOVERNO DO CEARÁ NÃO DARÁ ANISTIA
O governo do Ceará anunciou que não aceita a mudança proposta na comissão, que não dará anistia aos amotinados e se comprometeu a conduzir os processos administrativos contra os excessos cometidos com total transparência e com acompanhamento externo, inclusive da OAB. “Não haverá perseguição”, garantiu o Executivo. O Poder Legislativo se comprometeu a votar com rapidez o projeto do governo concedendo o reajuste de 43% nos salários iniciais da categoria, passando o salário de início da carreira de soldado de R$ 3.200,00 atuais para R$ 4,500,00, em três parcelas, até 2022. O governo já tinha aceitado outra reivindicação de incorporar as gratificações aos salários.
O impasse incitado por bolsonaristas está trazendo graves problemas para a população cearense. Além de todo o terror imposto a quem anda na rua, uma moradora teve seu carro incendiado por encapuzados por ter criticado o motim pela internet.
POPULAÇÃO SEGUE SENDO AMEAÇADA
Na quinta-feira (28), quatro policiais militares suspeitos de ameaçarem uma pessoa em rede social foram identificados pela Polícia Civil do Estado e suas condutas serão apuradas, informou o secretário da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), André Costa.
O internauta, alvo das ameaças, denunciou que sofreu a retaliação após fazer um comentário na internet criticando o motim realizado por parte da Polícia Militar no Estado.
Tendo em vista que são profissionais de Segurança Pública, o inquérito policial deve ser remetido à Delegacia de Assuntos Internos (DAI) da Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD), que “avaliará a instauração de procedimento disciplinar para apurar a conduta dos policiais”, afirmou o gestor da Pasta.
A vítima das ameaças, segundo André Costa, teve a identidade preservada, mas relatou que os suspeitos divulgaram em comentários nas redes sociais um dos endereços onde ela havia morado. Além disso, teria recebido uma mensagem privada com uma foto do local correspondente ao endereço.
Na postagem do Instagram, o secretário ressaltou a necessidade de “que todos entendam que as redes sociais são uma extensão da nossa vida, sendo assim, é um ambiente onde se deve manter o respeito e observância as leis”. “Já publiquei outros casos de pessoas presas por comentários criminosos. As redes sociais devem ser ambientes onde as opiniões, inclusive as divergentes, devem ser respeitadas”, alertou, orientando a quem for “vítima de um comentário ou ação criminosa, tire o print e registre o Boletim de Ocorrência, na delegacia mais próxima da sua casa. Parabéns aos investigadores do 34º Distrito pelo trabalho”, finalizou.