O poeta nicaraguense Ernesto Cardenal, também reconhecido como um dos fundadores da Teologia da Libertação e por sua militância política contra as ditaduras, faleceu no domingo, dia 1º, em um centro médico de Manágua, onde se encontrava hospitalizado fazia já algumas semanas tratando de uma infecção renal.
“Escrevo para lhes avisar que Ernesto Cardenal, nosso grande poeta, acaba de morrer depois de uma vida de entrega à poesia e à luta pela liberdade e a justiça”, disse a também poeta, Gioconda Belli. Acrescentou que ele será enterrado no arquipélago de Solentiname, na próxima sexta-feira.
O autor de Epigramas e Cântico Cósmico, em meio a uma vasta obra poética, fez 95 anos em 25 de janeiro. Defendendo sem tréguas suas ideias, Cardenal teve uma participação marcante em distintos momentos históricos.
Exemplo de religioso dedicado a seu povo, teve atuação destacada junto à Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) na luta revolucionária que derrubou a ditadura de Anastásio Somoza.
Cardenal foi nomeado ministro de Cultura no Dia da Vitória, em 19 de julho de 1979, cargo que ocupou até 1987. Em poemas como Hora Zero ou O Canto Nacional, destacou a luta do patriota Augusto Sandino e dos guerrilheiros sandinistas.
Em 1983, também protagonizou um fato que em seu momento foi muito divulgado. Durante uma visita oficial à Nicarágua, João Paulo II o repreendeu ante as câmeras de televisão, enquanto o poeta permanecia ajoelhado na sua frente. O então Papa recriminou-o por supostamente propagar ‘doutrinas apóstatas’ e por integrar o governo sandinista. Proibiu-o inclusive de oficiar missas. Cardenal, mais uma vez, não se dobrou e durante muitos anos ficou distante dos setores conservadores da igreja, praticando a Teologia da Libertação. Até que, em fevereiro de 2019, o papa Francisco o reabilitou e absolveu de “todas as censuras canônicas impostas”.
Cardenal afastou-se da FSLN em 1994, em protesto contra a direção de Daniel Ortega; mais tarde deu apoio ao Movimento Renovador Sandinista (MRS) nas eleições de 2006, do mesmo modo que outros destacados escritores nicaraguenses, como Gioconda Belli e Sergio Ramírez Mercado. Frisou que não se arrependia de sua participação no sandinismo, embora não confiava no governo do presidente Daniel Ortega e da vice, sua esposa Rosario Murillo. “Foi uma revolução muito bonita, o que acontece é que foi traída. O que há agora é uma ditadura familiar que não faz nada pelo povo. Isso não foi o que nós apoiamos”, declarou no início de 2019.
Em 2005 participou da inauguração da rede de televisão Telesur, junto a personalidades como Danny Glover, Eduardo Galeano, Pino Solanas e Adolfo Pérez Esquivel.
O Prêmio Ibero-Americano de Poesia Pablo Neruda (2009) e o Prêmio Rainha Sofía de Poesia Ibero-Americana (2012) estão entre os últimos e importantes destaques recebidos pelo poeta nicaraguense.
Às obras citadas se somam Vida Perdida e O Evangelho de Solentiname, entre outras de uma vasta produção literária traduzida para mais de 20 idiomas e citada em cerca de 20 antologias.
SUSANA LISCHINSKY