A Medida Provisória 927 foi alvo de críticas de especialistas em direito do trabalho desde a sua publicação, no último dia (22). Com a “flexibilização” das leis trabalhistas, a MP abre precedente para que os trabalhadores que contraírem o coronavírus possam ser demitidos quando voltarem de licença médica, afirmam especialistas em direito do trabalho.
A MP 927, em seu artigo 29, afirma que os “casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais”, ou seja, não serão considerados acidentes ou doenças de trabalho, exceto quando o trabalhador conseguir comprovar que essa contaminação aconteceu no escritório, comércio ou fábrica. Ao dificultar a responsabilização da empresa, o governo abre a porta para a demissão “por justa causa”. Assim, o trabalhador não tem direito a aviso prévio, 13º salário, férias proporcionais mais 1/3, saque do FGTS, multa de 40% sobre o FGTS, nem seguro desemprego. Isso justamente em um momento de crise econômica generalizada.
“Todas as pessoas que não têm escolha de parar de trabalhar, como um porteiro, terão que comprovar que adquiriram o vírus no trabalho. Mas é complicado comprovar porque é uma doença viral, e o corpo elimina o vírus depois de um tempo”, analisa Valdete Souto Severo, presidente da Associação de Juízes para a Democracia, em reportagem publicada pelo portal Repórter Brasil.
Para Valdete, a MP incentiva que empresas continuem em funcionamento normal e colocando seus trabalhadores em risco. “Esse artigo mostra para quem a lei foi feita: para a classe patronal. É como se o governo estivesse dando um salvo-conduto para a empresa: ‘coloca esse trabalhador em exposição’”, afirma a juíza.
Com o discurso de proteger os empregos, a MP “é uma medida para proteger o empresário, para fazer com que as empresas funcionem, o que é o inverso do que seria recomendado do ponto de vista da saúde”, afirma o advogado trabalhista Fernando José Hirsch, sócio do escritório LBS Advogados.
Segundo Hirsch, em caso de contaminação no escritório, o trabalhador poderia alegar que adquiriu o vírus por ser impedido de fazer quarentena, mas vai precisar demonstrar que estava sem máscara, que não tinha álcool em gel e que a contaminação não ocorreu em outro lugar, o que não é tão simples.
Desse modo a MP também pode agravar a exposição ao contágio, aumentando os casos de mortos em decorrência do vírus. Isso afeta não apenas as famílias de funcionários contaminados, mas também aqueles em que algum membro do grupo de risco morreu após ser exposto a um trabalhador infectado em ambiente profissional.
“A família fica totalmente sem respaldo e isso vai na contramão do que decidiu o Supremo Tribunal Federal recentemente em relação a esta questão da responsabilidade do empregador por dano decorrente por doenças no trabalho ou exposição a riscos. A responsabilidade é objetiva do empregador, segundo o STF”, analisa a presidente da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat), Alessandra Camarano Martins.
Conforme posição das centrais sindicais, a MP deve ser imediatamente devolvida pelo Congresso Nacional ao governo. As entidades defendem a construção de um “comitê” que aglutine representantes do Estado, empresários e trabalhadores para pensar em alternativas que não coloque o trabalhador em maior vulnerabilidade do que já está exposto numa situação como a que o país atravessa.