Encenação de Trump na ONU só o isola mais nos EUA e no mundo

NEW YORK, NY - SEPTEMBER 19: U.S. President Donald Trump addresses the United Nations General Assembly at UN headquarters, September 19, 2017 in New York City. Among the issues facing the assembly this year are North Korea's nuclear developement, violence against the Rohingya Muslim minority in Myanmar and the debate over climate change. Drew Angerer/Getty Images/AFP

Trump apelou para seus dotes de apresentador de reality-show. Ameaçou “destruir a Coreia” e rasgar Acordo com o Irã. Até o chefe de gabinete foi visto encobrindo o rosto com a mão durante o discurso

Com a popularidade em pandarecos e sob cerco da mídia e do establishment, um procurador especial que não sai da sua cola, ameaça de impeachment, sua equipe de governo derretendo, desarranjo no Congresso e a turba derrubando estátuas confederadas, o presidente Donald Trump resolveu apelar para seus dotes de apresentador de reality-show na estreia na ONU, ameaçando demitir o mundo inteiro se não for obedecido e, em especial, prometendo “destruir a Coreia”, rasgar o acordo com o Irã e dar um golpe em Caracas.

A atuação performática de Trump foi recebida com estranhamento – e silêncio – pela plateia de chefes de estado e chanceleres, pois não é todo dia que o presidente dos EUA, nas palavras do jurista internacional Christopher, comete uma “autoacusação” de premeditação de genocídio sob os termos de Nuremberg.

A chanceler sueca Margot Wallstrom – país que nas últimas décadas é conhecido pela sabujice a Washington – traduziu a perplexidade provocada: “o discurso errado, na hora errada e para a plateia errada”.

A escolha de palavras de Trump, segundo a ministra das Relações Exteriores da União Europeia, Federica Mogherini, complicou a relação entre aliados: “nunca falamos sobre destruir países”. Já a primeira ministra alemã Angela Merkel, em entrevista à Deutsche Welle, se disse “contra ameaças desse tipo” e que qualquer tipo de solução militar [na Coreia] “absolutamente inapropriada”. “Estamos claramente em desacordo com o presidente norte-americano”.

NETANYAHU

O único presente a se mostrar enlevado foi o chefe do regime de apartheid israelense, Benjamin Netanyahu. Talvez prevendo a ópera bufa, o presidente russo Vladimir Putin e o presidente chinês Xi Jinping preferiram não ir à Assembleia Geral, assim como Merkel.

Embora nunca se deva subestimar a capacidade do império em cometer o mal, o discurso de Trump esteve mais para a encenação do que para outra coisa, conforme dá a entender o New York Times: “a reação precoce da China foi relativamente suave, talvez um reflexo do chamado do Sr. Trump para o presidente Xi Jinping na noite anterior”. A realidade é que a Rússia e China já advertiram Washington que não admitirão uma nova guerra às suas portas – e menos ainda o uso de armas nucleares nas suas fronteiras.

Se a intenção era atemorizar alguém, não pareceu funcionar. O chanceler iraniano, Mohamad Javad Zarif, classificou a peroração de “discurso de ódio ignorante que pertence à época medieval e não à ONU do século 21”. O embaixador da Coreia Popular nas Nações Unidas, Ri Yong Ho, comparou o discurso de Trump ao “barulho de um ladrão de cachorro”. Até o chanceler venezuelano, Jorge Arreaza, observou que o sujeito “não consegue governar o próprio país e quer governar o mundo inteiro”.

Mesmo no governo Trump parece que a performance do chefe não chegou propriamente a entusiasmar. Agências de notícias registraram como seu chefe de gabinete, general John Kelly, foi visto cobrindo o rosto com mão ou se mexendo desconfortavelmente em seu assento, sem conseguir disfarçar o embaraço durante o discurso.

MACRON

Outro sintoma do isolamento de Trump foi o discurso do presidente francês Emmanuel Macron – que no 14 de Julho fez o bilionário de seu convidado especial -, em que chamou o acordo com o Irã de “sólido, robusto e verificável”, acrescentando que renunciar a ele seria “um grave erro” e que, quanto à crise na península coreana, ressaltou que a França “rejeita a escalada e não fechará nenhuma porta ao diálogo”.

Houve quem se impressionasse com o “está demitido” de Trump para o mundo. O jornal inglês Independent chamou o discurso de “delirante”. Um site progressista norte-americano o chamou de “Mein Kampf de Trump” – o que deu margem à reprodução, nas redes sociais, de uma capa de agosto da revista alemã Stern, que mostra Trump fazendo anauê, com a bandeira ianque.

Mas o mais fora da casinha no discurso de Trump foi sua definição para “soberania”: é fazer soberanamente tudo o que os monopólios ianques, o Pentágono e a CIA querem. Wall Street über alles. Já um colunista do Guardian conseguiu chegar a uma ponderada definição sobre o Trump way of life: “seus tweets diários equivalem a pouco mais que ‘meu adjetivo é maior que o seu’”.

ANTONIO PIMENTA

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