Cientistas de Manaus que estão pesquisando o uso da cloroquina no tratamento da Covid-19 foram ameaçados de morte por bolsonaristas depois de publicarem em revista científica que a alta dosagem do medicamento pode levar o paciente à morte.
“Filho da puta maldito. Deve ser espancado quando pisar na rua!!” e “Assassino comunista fdp”, disse um perfil fake através das redes sociais. A polícia do Amazonas já está investigando o caso.
O estudo “CloroCovid-19” está sendo feita em 81 pacientes infectados pelo coronavírus em Manaus. Eles dividiram os pacientes em um grupo que recebe uma baixa dosagem do medicamento e outro que recebe uma alta dosagem. Os dois grupos foram comparados a pacientes “em condições clínicas semelhantes” mas que “não usaram a cloroquina”.
Segundo os pesquisadores, o intuito da pesquisa é “verificar se há ação benéfica da cloroquina”.
Os pacientes que receberam uma baixa dosagem “se beneficiaram discretamente” da droga no tratamento à Covid-19. Porém, uma alta dosagem da hidroxicloroquina “pode, sim, dar arritmias graves e levar à morte” o paciente, explicou um infectologista da Fundação de Medicina Tropical (FMT), que está participando do estudo.
Os resultados foram publicados na revista científica internacional medRvix. Defensores ideológicos da cloroquina, como os bolsonaristas, acusaram os cientistas de terem alterado o estudo para desacreditar o medicamento.
Por conta da “tendência de mais efeitos colaterais nos pacientes em uso da maior dose”, a pesquisa está seguindo apenas com a baixa dosagem.
Para os cientistas da CloroCovid-19, “o debate não apenas está tendo forte viés ideológico, mas também prejudicando a reputação de pesquisadores com forte tradição de pesquisa no Brasil e no mundo, o que pode ser um efeito deletério grave em momentos como o que estamos vivendo”.
Os primeiros resultados da pesquisa mostraram que a letalidade no grupo de pacientes com Covid-19 testado, em estado grave, foi de 13% – de 81 doentes internados que tomaram o medicamento, 11 morreram.
Em tom ameaçador, o deputado federal Eduardo Bolsonaro disse em seu Twitter que:
“Estudo clínico realizado em Manaus pra desqualificar a cloroquina causou 11 MORTES após pacientes receberem doses muito fora do padrão.
Este absurdo deve ser investigado imediatamente.
Os responsáveis são do PT. Mas isso é pura coincidência, claro…”
A Fiocruz emitiu uma nota em defesa de seus pesquisadores. “A instituição considera inaceitáveis os ataques que alguns de seus pesquisadores vêm sofrendo nas redes sociais, após a divulgação de resultados preliminares com o uso da cloroquina em pacientes graves com a covid-19”.
“Estudos como esse são parte do esforço da ciência na busca por medicamentos e terapêuticas que possam contribuir para superar as incertezas da pandemia de Covid-19”, continua.
“É fundamental alertar que a busca por soluções não pode prescindir do rigor científico e do tempo exigido para obtenção de resultados seguros e que as pesquisas devem se manter, portanto, fora do campo narrativo que constrói esperanças em cima de respostas rápidas e ainda inconclusivas”.
Leia a nota da Fiocruz na íntegra:
“NOTA DE DEFESA DA CIÊNCIA E DOS PESQUISADORES DA FIOCRUZ
O Conselho Deliberativo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) vem a público manifestar seu apoio aos pesquisadores responsáveis pelo estudo CloroCovid-19, que vem sendo realizado por mais de 70 pesquisadores, estudantes de pós-graduação e colaboradores de instituições com tradição em pesquisa, como Fiocruz, Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado, Universidade do Estado do Amazonas e Universidade de São Paulo.
A instituição considera inaceitáveis os ataques que alguns de seus pesquisadores vem sofrendo nas redes sociais, após a divulgação de resultados preliminares com o uso da cloroquina em pacientes graves com a Covid-19. Estudos como esse são parte do esforço da ciência na busca por medicamentos e terapêuticas que possam contribuir para superar as incertezas da pandemia de Covid-19. A pesquisa CloroCovid-19 permanece em andamento e foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).
A Fiocruz tem trabalhado incansavelmente em diversas frentes de atuação e vem a público clamar pela tranquilidade e segurança de seus pesquisadores, requisitos essenciais para o desenvolvimento de seus estudos. É fundamental alertar que a busca por soluções não pode prescindir do rigor científico e do tempo exigido para obtenção de resultados seguros e que as pesquisas devem se manter, portanto, fora do campo narrativo que constrói esperanças em cima de respostas rápidas e ainda inconclusivas.
A Fundação apoia incondicionalmente seu corpo de pesquisadores, que estão absolutamente comprometidos com a ciência e com a busca de soluções para o enfrentamento dessa pandemia, e reafirma seu compromisso com a missão de produzir, disseminar e compartilhar conhecimentos e tecnologias voltados para o fortalecimento e a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) e para a promoção da saúde e da qualidade de vida da população brasileira.”
KAMILLE
A jovem Kamylle Ribeiro, de 17 anos, que faleceu em Duque de Caxias (RJ) na última terça-feira (14) pelo coronavírus, fez tratamento com a hidroxicloroquina. Segundo a prefeitura de Duque de Caxias, o uso da cloroquina no tratamento de Kamylle seguiu o “protocolo do Ministério da Saúde para uso do mesmo [do medicamento]”.