Ex-presidente virou ficha suja e ficou inelegível
Quando o advogado de Lula, no julgamento de quarta-feira, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), se concentrou em discutir preliminares – aspectos formais há muito decididos – ao invés de entrar nas acusações e nas provas que as sustentavam, pareceu estranho que Lula, com um batalhão de advogados à sua disposição, não escolhesse um defensor mais competente.
Mas é uma injustiça. Com a linha do réu – a de que nada do que foi demonstrado sequer existia – só restou ao advogado tentar evitar o mérito. Daí as “três dezenas” (como falaram os desembargadores) de preliminares absolutamente ridículas.
Era a demonstração de que a defesa – ou seja, Lula – não tinha como abordar as acusações e as provas.
Quando o fez, foi um desastre. Alegar, por exemplo, que Lula não era proprietário do triplex porque nunca dormira nele (?!), provocou a reação abismada de um jurista: “que coisa risível!”. E outro: “então isso é a prova que o sítio de Atibaia é dele…”.
ATO DE OFÍCIO
Fora isso, Lula apresentou a mesma defesa de Collor em 1994: o famoso “ato de ofício”.
Mas isso significa argumentar que, mesmo que Lula tenha recebido o triplex da OAS, não há provas de que ele a beneficiou (ou seja, não teria praticado um “ato de ofício” em favor da OAS).
Quando, em 1994, o STF, em um de seus piores momentos, aceitou a defesa de Collor, a indignação no país foi geral. O próprio Lula e o PT fizeram um escarcéu – aliás, justo.
Agora, Lula se reduziu a um Collor – estão cada vez mais parecidos – querendo escapar da punição por seus crimes, seguindo a trilha do antecessor. Que destino triste!
A lei não exige “ato de ofício” algum para condenar um funcionário público (eleito ou de carreira) por corrupção passiva. Pelo artigo 317 do Código Penal, esse crime consiste em “solicitar ou receber, para si ou para outrem, ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”.
É proibido receber a propina. Não é preciso demonstrar que o receptor da propina fez algo em favor de quem lhe passou a propina. O resto se depreende, até porque não existe a possibilidade de que a OAS ou a Odebrecht ou a JBS paguem propina em troca de nada.
Finalizando o seu voto sobre os crimes de Lula, o desembargador João Pedro Gebran Neto, relator do processo, referiu-se às consequências dessa corrupção para a democracia, com o “sistema eleitoral severamente comprometido”, pois “boa parte dos valores foi usado para deturpar o processo político-eleitoral. Milhões de reais foram objeto de doações ilícitas, fragilizando o equilíbrio na disputa eleitoral”. E atalhou: “não está em jogo apenas o patrimônio da Petrobrás, mas o Estado democrático de direito e a própria República Federativa do Brasil”.
É preciso ser um depravado para não concordar com o desembargador. Basta olhar para o Congresso, para as bancadas do PT, PMDB, PSDB e seus tributários. Ou para Temer & quadrilha.
Na quarta-feira, o que ficou evidente – sobretudo para aqueles que, antes de assistir ao julgamento por Internet, rádio ou TV, tinham pouco contato com o caso – foi a profusão de provas contra Lula, aquelas mesmas que os lulistas, confiando na ignorância das pessoas, diziam que não havia.
“Luiz Inácio Lula da Silva teria pago parte por um apartamento simples”, descreveu o relator, “mas o grupo OAS disponibilizou a ele, ainda em 2009, o apartamento 164 A triplex, sem que fosse cobrado qualquer acréscimo. Posteriormente, em 2014, o apartamento passou por benfeitorias, a cargo do grupo OAS, para atender ao ex-presidente, sem que houvesse igualmente pagamento de preço.
“Parece-me extremamente relevante o fato de ter havido uma visita [de Lula ao triplex] no início de 2014, posteriormente serem realizados projetos – os projetos estão nos autos; houve essa visita em São Bernardo do Campo, na residência do ex-presidente e da ex-primeira-dama, houve aprovação [dos projetos] e me parece muito singular que depois houve uma segunda visita para verificar as reformas.
“Não é crível que a construtora canalizasse tantos recursos apenas como forma de tornar o negócio mais atrativo. Os gastos extrapolam o próprio valor de mercado do bem. Não se cuida, pois, de reforma decorativa, mas, sim, de características de personalização para um programa de necessidades específicos.
“Para além da prova material até aqui referida, há prova oral de que o apartamento estava reservado ao ex-presidente. E, mais: a prova indica que os recursos necessários para o pagamento da diferença agregada com as reformas foram arcados pela OAS.
“Sobre a transferência [da propriedade do triplex], transcrevo um trecho de depoimento de Léo Pinheiro, que em perguntas da defesa reafirmou que a transferência ou entrega das chaves não ocorreu exatamente porque Léo Pinheiro foi preso em novembro de 2014.
“Havia um caixa único e dele eram pagos os agentes políticos. Crimes dessa espécie não passam recibo, em regra. Além disso, a corrupção não ocorre somente com recursos ilícitos. Tampouco, para a prática de um ilícito. Ainda que o objeto do pedido seja lícito, o bem jurídico tutelado à administração pública permite a criminalização da conduta do agente.”
Ao examinar a pena – isto é, a “dosimetria” – disse o relator:
“Eu considero no caso [de Lula] a culpabilidade é extremamente elevada. Trata-se de um ex-presidente da República que recebeu valores em decorrência da função que exercia e do esquema de corrupção que instaurou durante o exercício do mandato, com a qual se tornara tolerante e beneficiário. A lembrar que a eleição de um mandatário, em particular de um presidente da República, traz consigo a esperança de uma população de um melhor projeto de vida”.
PROVADA
O presidente da 8ª Turma do TRF-4, Leandro Paulsen, também revisor do processo, listou “de A a T”, as provas mais relevantes, desde as propostas de adesão apreendidas na residência de Lula até o depoimento do presidente da OAS, que, ressaltou, não foi uma “delação premiada”.
“Relativamente à autoria e culpabilidade de Luiz Inácio Lula da Silva”, concluiu Paulsen, “o vínculo de causalidade entre a sua conduta e os crimes praticados é inequívoco. Luiz Inácio agiu pessoalmente para tanto, bancando quedas de braço com o conselho da Petrobras, e foi muito oportuna a transcrição trazida pelo relator, a que mais uma vez eu me refiro, em que ameaçou substituir os próprios conselheiros, caso não fosse confirmada a indicação” de Paulo Roberto Costa (um dos principais réus, corruptos, e condenados da Operação Lava Jato) para a diretoria da Petrobrás.
O triplex de Guarujá, “torna evidente o benefício pessoal, torna evidente que sabia da conta geral de propinas, que o presidente da República tinha pleno conhecimento disso e dela fazia uso”.
O terceiro e último desembargador a votar, Victor Laus, cumprimentou o juiz Sérgio Moro, “magistrado talentoso, corajoso e brilhante, que teve, e tem, à frente de si, uma complexa análise de casos que lhe são submetidos a decisão e processamento” e ressaltou que o tribunal “está diante de provas que resistiram às críticas, está diante de provas que resistiram ao contraponto, ao embate ao longo da instrução. Fossem elas frágeis, fossem elas risíveis, não teriam resistido a esse embate – e resistiram. Portanto, se resistiram, restou provada, restou demonstrada a acusação que veio a juízo”.
CARLOS LOPES