“Tentou justificar o injustificável”, resumiu o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), sobre o pronunciamento do “Mito”
Em vez de explicações sobre o que o ex-ministro Sérgio Moro denunciou em coletiva na manhã de sexta-feira (24), Bolsonaro usou sua entrevista à tarde para agredir o ex-juiz da Operação Lava Jato e abafar o escândalo.
Bolsonaro começou a entrevista atacando o ex-ministro, acusando-o de ter compromisso “consigo próprio, com seu ego, e não com o Brasil”.
E finalizou dizendo que Moro o extorquiu para conseguir nomeação para o Supremo Tribunal Federal (STF). “Mais de uma vez o senhor Sergio Moro disse para mim: ‘Pode trocar o [Maurício] Valeixo, sim, mas em novembro, depois que me indicar para o Supremo Tribunal Federal'”, disse Bolsonaro.
Bolsonaro só não explicou durante sua longa explanação, recheada de ataques ao ex-ministro, por quê sua obsessão em demitir o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, aliás, desde agosto do ano passado que ele tenta, com estranha insistência, remover o diretor da PF contra a vontade de Moro.
Alegou que ele tem prerrogativa de trocar subordinados. Segundo ele, “se eu posso trocar o ministro, por que não posso trocar o diretor da PF?” “Eu não tenho que pedir autorização a ninguém para trocar o diretor ou qualquer um outro que esteja na pirâmide hierárquica do poder Executivo”, disse. Segundo ele, pretende colocar alguém no cargo “com quem possa interagir”.
Mas com essa resposta ele escapuliu de uma coisa que o ex-ministro Sérgio Moro questionou na sua entrevista.
“Presidente, eu não tenho nenhum problema em troca do diretor, mas eu preciso de uma causa, um erro grave”, relatou Moro.
Isso não foi explicado pelo presidente.
E prosseguiu Moro: “Ontem, conversei com o presidente e houve essa insistência [sobre a troca no comando da PF]. Falei que seria uma interferência política e ele disse que seria mesmo”.
“O presidente me disse mais de uma vez, expressamente, que ele queria ter uma pessoa do contato pessoal dele, que ele pudesse ligar, que ele pudesse colher informações, que ele pudesse colher relatórios de inteligência, seja diretor, seja superintendente. E realmente não é o papel da Polícia Federal prestar esse tipo de informação”, continuou Moro.
“O presidente também me informou que tinha preocupação com inquéritos em curso no Supremo Tribunal Federal e que a troca também seria oportuna, na Polícia Federal, por esse motivo. Também não é uma razão que justifique a substituição. Isso é algo que gera uma grande preocupação”, expôs Moro.
Bolsonaro só confirmou o que revelou o ex-juiz sobre interferência indevida na PF ao admitir que quer relatórios “das últimas 24 horas”. Para quê, não disse. Só falou que é para “definir os rumos da nação”, como se o destino da nação estivesse em um relatório da PF.
Sérgio Moro negou que tivesse utilizado com Bolsonaro a demissão de Maurício Valeixo como moeda de troca para chegar ao STF. “A permanência do Diretor Geral da PF, Maurício Valeixo, nunca foi utilizada como moeda de troca para minha nomeação para o STF. Aliás, se fosse esse o meu objetivo, teria concordado ontem com a substituição do Diretor Geral da PF”, rebateu Moro na sua rede social (Ver matéria aqui).
Bolsonaro acusou Moro de não ser confiável. Insinuou que “uma coisa é você admirar uma pessoa. A outra é conviver com ela, trabalhar com ela”.
Mas não teve como refutar o que disse o ex-ministro: que deu carta branca a ele e não cumpriu. Pelo contrário, referendou a fala de Moro. Ou seja, não cumpriu mesmo o que prometeu ao juiz da Lava Jato.
“Oras bolas, se posso trocar ministro, por que não posso, de acordo com a lei, trocar o diretor da PF? Não tenho que pedir autorização para ninguém para trocar diretor ou qualquer outro que esteja na pirâmide hierárquica do Poder Executivo”, disse Bolsonaro.
Outra coisa que Bolsonaro passou longe de falar em seu pronunciamento. A denúncia de falsificação. O decreto da exoneração de Maurício Valeixo estava com a assinatura de Bolsonaro e de Sérgio Moro. Porém, Moro garante que não assinou o decreto e nem sabia que Valeixo iria ser demitido.
Bolsonaro diz que combinou com Moro, o que o ex-juiz nega peremptoriamente.
O que é certo é que um novo decreto saiu no DO somente com a assinatura de Bolsonaro. Confissão maior de culpa da falsificação não há. É uma prova contundente contra Bolsonaro. E não adianta apagar, já está registrado.
Por fim, o presidente disse que se mostrou incomodado com Moro porque teve que implorar, segundo ele, para o ministro interferir na investigação do caso da facada que levou em Juiz de Fora na campanha eleitoral em 2018. E o compromisso com o ego é só Moro que tem…
Ele expressou, na entrevista, uma irritação aguda com o caso da vereadora Marielle Franco, barbaramente assassinada por milicianos (a mando de quem não se sabe até agora), que mobilizou não somente o Brasil, mas o mundo inteiro. “A PF [sob a direção de Moro] se preocupou mais com Marielle do que com seu presidente”, reclamou.
Como disse o governador de São Paulo, João Dória (PSDB), sobre o discurso do “Mito”: “Tentou justificar o injustificável”.
E o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), questionou mais ainda: “Após assistir ao pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro, permanece a dúvida dos brasileiros: por que o presidente quer um diretor da Polícia Federal com quem possa interagir?”.
Segundo dados da FGV Dapp (Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas), com base em publicações no Twitter, quase 70% dos perfis, incluindo bolsonaristas, criticaram Jair Bolsonaro pela saída de Sérgio Moro.
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