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Bolsonaro saiu, de seu pronunciamento da sexta-feira (24/04), em resposta a Moro, publicamente como um sujeito sujo – um elemento com padrões morais à altura da sarjeta, um mentiroso sociopático.
Sérgio Moro já apresentou os e-mails de Bolsonaro, que desmentem sua arenga da tarde da sexta-feira (v. Moro apresenta provas que desmascaram insinuações de Bolsonaro).
Porém, até naquilo que, em princípio, seria a palavra de um contra a palavra de outro, é evidente que Bolsonaro está mentindo. Por exemplo:
Que ele tenha dito a Moro, quando o nomeou ministro, que iria indicá-lo para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) – e que essa mosca azul tivesse papel na decisão de Moro ao entrar para o governo -, é crível, embora o ex-ministro desminta-o taxativamente.
Agora, que Moro tenha dito a ele “você pode trocar o Valeixo, sim, mas em novembro, depois que o senhor me indicar para o Supremo Tribunal Federal”, aí, é preciso ser um imbecil para acreditar nisso.
A razão é que esse não é o estilo de Moro, mas é o estilo completo de Bolsonaro, de cabo a rabo, desde a época das bombas em quartéis para chantagear o ministro do Exército (v. HP 16/08/2018, Terrorismo de baixa potência).
Sérgio Moro respondeu a essa questão: “A permanência do Diretor Geral da PF, Maurício Valeixo, nunca foi utilizada como moeda de troca para minha nomeação para o STF. Aliás, se fosse esse o meu objetivo, teria concordado ontem com a substituição do Diretor Geral da PF“.
Bolsonaro estava, então, agredindo Moro, e só isso – e para ele serve qualquer coisa, não importa se mentira, para agredir quem não se submeteu a ele.
No caso de Moro, serve o adágio: para tudo há um limite. Ele chegou lá.
Quanto a Bolsonaro, não há limites.
Ao mesmo tempo que atacava Moro, confirmava tudo o que Moro havia dito: que pretendia interferir nas investigações da Polícia Federal (PF), tal como fez no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), quando este descobriu as movimentações ilícitas de seu filho, Flávio Bolsonaro, de seu capanga, Fabrício Queiroz, e a movimentação na conta de sua esposa, Michelle Bolsonaro.
Daí, a demissão do delegado Maurício Valeixo da diretoria da Polícia Federal (PF).
Valeixo era um homem da confiança de Moro. E isso, para Bolsonaro, era perigoso.
Segundo Bolsonaro, ele teria, também, dito a Moro: “Eu tenho que todo dia ter um relatório do que aconteceu [na PF], em especial nas últimas 24 horas, para poder bem decidir o futuro dessa nação”.
A PF, como diz o seu nome, realiza investigações e operações policiais. Por que Bolsonaro precisaria de um relatório diário, “em especial nas últimas 24 horas”, para governar, se decidisse governar?
O que Bolsonaro queria saber? A quem queria acobertar, antes da investigação se tornar pública?
Não é muito difícil saber quem – ou os quems.
Comecemos pela declaração de Bolsonaro de que seu interesse por relatórios da PF era abstrata (“Eu nunca pedi para ele [Moro] o andamento de qualquer processo, até porque a Inteligência com ele perdeu espaço na Justiça. Quase que implorando informações”).
Se ele não estava interessado em qualquer processo, para que precisaria desses relatórios diários?
A resposta óbvia é: para ter controle sobre as investigações e operações policiais sem ter de perguntar a Moro – ou ao diretor da PF – por elas.
Não precisamos demonstrar, aqui, que Bolsonaro acha que os outros são imbecis. Mais vale, nesse caso, o coxo de que falavam nossas avós, segundo as quais, mais depressa do que ele, se pega um mentiroso.
Bolsonaro desmentiu, em seguida, o seu interesse abstrato na PF: houve uma investigação em que, até mesmo, manuseou material sigiloso por decisão da Justiça, e pediu depoimentos, cometendo, portanto, um crime.
Trata-se da investigação sobre Ronnie Lessa, assassino de Marielle Franco e Anderson Gomes.
Ronnie Lessa era seu vizinho, membro do Escritório do Crime, grupo das milícias especializado em assassinatos por aluguel, cujo chefe, Adriano Nóbrega, foi homenageado duas vezes a pedido do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
O chefe do Escritório do Crime era, também, parceiro do faz-tudo de Bolsonaro, Fabrício Queiroz.
As razões que Bolsonaro apresentou para essa interferência são absolutamente ridículas. A principal, segundo disse, foi para que Ronnie Lessa dissesse: “A minha filha nunca namorou o filho do presidente Jair Bolsonaro porque minha filha sempre morou nos Estados Unidos”.
Ele usou a PF, portanto, em interesse próprio. Porém, o que mais chama atenção é: por que tanto interesse nessa questão?
E se o filho, a quem se referiu como “zero-quatro”, tivesse namorado a filha de Ronnie Lessa?
Por que isso seria tão comprometedor, para quem nada tem a ver – como ele diz – com o assassinato de Marielle?
Por que era tão fundamental para Bolsonaro que Ronnie Lessa dissesse que sua filha não namorou seu filho?
O assassinato de Marielle, aliás, ocupou um espaço grande do pronunciamento de Bolsonaro contra Moro. Este, entretanto, não havia mencionado esse crime, em sua comunicação, pela manhã, de que iria sair do Ministério.
Bolsonaro despejou um balde de ressentimento contra a PF por, supostamente, se dedicar mais ao assassinato de Marielle do que ao caso da facada que levou durante a campanha eleitoral.
Tanto uma quanto a outra coisa são mentiras.
Começando pela última: o caso da facada foi encerrado porque a vítima, Jair Bolsonaro, decidiu não recorrer da primeira sentença.
A PF nada pode fazer em um caso que foi encerrado por decisão do próprio Jair Bolsonaro.
Quanto ao caso de Marielle: o principal esforço de investigação foi da Policia Civil do Rio.
Então, é esse sujeito que vem dizer: “meu compromisso é com a verdade, sem distorções. Não são verdadeiras as insinuações que eu desejaria saber sobre investigações em andamento”.
Então, para que precisaria que o diretor da PF lhe enviasse relatórios diários?
Ele parece algo apavorado com atuais ou futuras investigações da PF sobre o assassinato de Marielle. Além da mentira, expeliu coisas monstruosas:
“A PF de Sergio Moro mais se preocupou com Marielle do que com seu chefe supremo.”
O que resta dessa comparação, pelo seu absurdo, é que Bolsonaro não quer que a PF investigue o assassinato de Marielle.
Marielle foi assassinada com três tiros na cabeça e um no pescoço; Anderson, seu motorista, com três tiros nas costas. Um assassinato profissional, por matadores daquelas milícias das quais Bolsonaro é patrono há muito (v. HP 24/04/2019, Bolsonaro e as milícias).
Até agora os mandantes desses assassinatos, que estarreceram o país, não foram descobertos.
Bolsonaro levou uma facada – e o autor, um doente mental, foi preso em flagrante. O caso estava tão encerrado que o próprio Jair Bolsonaro não recorreu da decisão judicial sobre o esfaqueador, Adélio Bispo de Oliveira.
Então, a frase de Bolsonaro somente pode refletir a vontade de que a PF se afaste do assassinato de Marielle.
Entretanto, o assassinato de Marielle não está impedindo a PF de investigar a facada desferida por Adélio Bispo de Oliveira. O que impede isso foi a decisão do próprio Bolsonaro de encerrar o caso, ao não recorrer.
Logo, o problema de Bolsonaro não é a investigação da facada, mas aquilo que a PF pode descobrir – ou, talvez, já tenha, em algum grau, descoberto – sobre o assassinato de Marielle.
Parece esta a questão que o fez exonerar Maurício Valeixo da diretoria da PF. Bolsonaro não conseguia controlar Valeixo.
Além do assassinato de Marielle, há, também, os delitos de seus filhos e os de Fabrício Queiroz – que, de um ou outro modo, conduzem a ele.
O site “O Antagonista” – e, depois, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, através de uma decisão na noite de sexta-feira – apontaram outra questão: o inquérito das fake news, em que a equipe de investigadores é composta por delegados e agentes da PF.
O ministro Alexandre de Moraes proibiu que eles sejam transferidos para outras funções.
Por que, depois da saída de Moro e Valeixo, eles estavam sob essa ameaça?
Será porque esse inquérito, se não for paralisado, acabará chegando no esquema eleitoral bolsonarista das fake news?
LIBERDADE
Aparentemente, se Bolsonaro fosse um sujeito normal, a última pessoa de quem poderia se queixar, seria Sérgio Moro.
Nenhum ministro na história da República (mesmo aqueles serviçais que a ditadura, vez por outra, colocava em alguns postos secundários) aguentou tanto desrespeito e humilhação quanto Sérgio Moro.
Estamos falando, como o leitor sabe, de um homem de ampla popularidade, devido à Operação Lava Jato, a quem Bolsonaro praticamente implorou que fosse ministro, para compensar os araújos, damares e outras nulidades que compõem o seu Ministério, além da incapacidade-mor, isto é, ele próprio (v. HP 01/11/2018, Bolsonaro quer usar Moro para dar respeitabilidade de fachada a um governo sem nenhuma).
Só para relembrar, ao anunciar que Moro seria ministro, Bolsonaro disse o seguinte:
“Eu não vou interferir em absolutamente nada que venha a ocorrer dentro da Justiça no tocante a esse combate à corrupção. Mesmo que viesse a mexer com alguém da minha família no futuro. Não importa. Eu disse a ele. É liberdade total para trabalhar pelo Brasil” (Bolsonaro, 01/11/2018).
Porém, essa liberdade total não durou nem três meses, e em questões mínimas (v. HP 05/03/2019, “Carta branca” de Bolsonaro não permite nem que Moro nomeie suplente de Conselho).
Com a demissão de Valeixo, Moro chegou ao seu limite.
Bolsonaro, pelo visto, subestimou inteiramente o que aconteceria com a saída de Moro do Ministério.
Para demonstrar o que queremos dizer, não precisamos de mais nada além daqueles rostos de ministros em torno dele, na TV (com apenas um de máscara: Paulo Guedes).
Pareciam almas penadas reunidas em algum casarão.
E Bolsonaro, durante 45 minutos, atacou Moro e confirmou tudo o que foi dito por Moro:
“… a partir do segundo semestre do ano passado passou a haver uma insistência do presidente na troca do comando da Polícia Federal. Isso inclusive foi declarado publicamente pelo próprio presidente.
“… o grande problema não é tanto essa questão de quem colocar [na diretoria da PF]. Mas por que trocar? E permitir que seja feita a interferência política no âmbito da polícia federal. O presidente me disse mais de uma vez que queria ter uma pessoa da confiança pessoal dele, que ele pudesse ligar, que ele pudesse colher informações, relatórios de inteligência. Seja diretor, seja superintendente. E não é o papel da Polícia Federal prestar esse tipo de informação.
“As investigações têm que ser preservadas. (…) autonomia da Polícia Federal , com respeito à autonomia da aplicação da lei, seja a quem for, é um valor fundamental que temos que preservar dentro de um Estado de Direito.
“O presidente me disse isso expressamente, e eu não entendi apropriado.
“Para mim, esse último ato também é uma sinalização de que o presidente me quer fora do cargo, não me quer presente aqui no cargo.”
Haveria mais sobre o que Bolsonaro disse, além de sua preocupação de que a PF investigue o assassinato de Marielle. Por exemplo:
“Fiquei sabendo através de vocês [imprensa] também que a mãe da senhora Michelle cometeu crime de falsidade ideológica. Na sua inocência, em vez de fazer uma cirurgia plástica para ficar mais jovem, mais bonita, ela resolveu fazer uma cirurgia na certidão de nascimento diminuindo dez anos a sua idade.”
Ele não acha que falsificar um documento seja um problema. Ou que ter uma sogra adepta desse esporte é um problema para quem é presidente da República. Nem que “a avó da minha esposa já foi presa por três anos por tráfico de drogas” seja um constrangimento.
Nenhum presidente da República, até hoje, reuniu o Ministério para vê-lo agredir um ministro que não quer mais fazer parte da confraria.
E os ministros com cada cara…
Uma última coisa:
“Meu compromisso é com o Brasil e com a democracia. Sempre dei plena liberdade aos meus ministros…”
Basta perguntar ao Moro.
CARLOS LOPES
Concordo com a maior parte do que disse, mas eu não sabia que a Hora do Povo era fã do Moro!
Com que paixão você defende alguém que se tivesse caráter mesmo jamais teria aceito o cargo de Ministro principalmente por ter sido um dos motivos pelo qual Bolsonaro ganhou a presidência! Que pena.
Brasil é assim: precisa de alguém a quem seguir e admirar, seja na religião, seja no futebol, seja na relação com partidos e é assim que o Brasil se perde. Brasileiro gosta é de se fanatizar e sabemos como isso termina.
Se deixa manipular por “simpatias” e fica cego para a verdade, já que SOMOS O QUE SOMOS e nossas ações dizem tudo sobre nós e falou MUITO sobre o caráter de Moro, quando esse aceitou o cargo e se Brasileiro fosse sério, não esqueceria isso.
Nem sei por que ele não conseguiu a indicação para o STF. Aquilo que ele comparou, apaixonadamente, a “ganhar na loteria”. Não tem um Ministro no STF que não se pareça com Moro. O STF é antro de serpentes. Perdi o respeito quando rasgaram a Constituição colocando as subsidiárias da Petrobrás à venda. Estranho vocês não terem perdido o respeito pelo Moro, que mostrou não merecer.
Esse caráter infantil e tão pessoal dos Brasileiros é a razão pelo qual um palhaço como Bolsonaro chega ao poder e só sai quando quer.
Você está errada. Nós somos é contra o fascismo e a ditadura. Quem não compreende a necessidade de uma ampla aliança para evitá-los, é porque, no fundo, não os acha tão repugnantes. Subestimar essa ameaça, atacar quem se volta contra ela, é abrir a porta para o banho de sangue que Bolsonaro quer realizar no país. Como você não tem responsabilidade alguma na luta deste nosso povo, até pode dizer coisas irresponsáveis, sem consequência, ainda que isso não seja vida que preste, vida de brasileiro. Nós, aqui, realmente, não queremos tal vida, em que a encenação substitui o vazio da existência. Mas compreendemos o seu problema – afinal, não é a primeira vez que vemos isso. O PT está cheio de heróis desse tipo.