Ato do presidente afronta a independência da Polícia Federal e o princípio da impessoalidade
A decisão de Jair Bolsonaro de nomear, na madrugada desta terça-feira (28), o segurança de sua campanha, Alexandre Ramagem, atual diretor da Abin (Agência Brasileira de Informação), e parceiro de festas do filho Carlos, coordenador do chamado “gabinete do ódio”, para a direção-geral da Polícia Federal, é a consumação do que denunciou o ex-ministro Sérgio Moro ao deixar o Ministério da Justiça, no último dia 24: uma interferência indevida e uma afronta à independência da PF.
A nomeação para o comando da PF demorou para sair porque ela tinha que ser antecedida da indicação do substituto de Sérgio Moro no Ministério da Justiça, cargo que é ocupado pelo superior hierárquico do diretor-geral da PF. O plano completo de Jair Messias era indicar integrantes de sua “cozinha’ para controlar os dois cargos. Uma dupla de “faz-tudo”, ao estilo Queiroz, que permitisse ao presidente uma grande “interação” com inquéritos da PF que correm contra seus aliados e filhos na Polícia Federal.
Para ministro, o preferido do presidente era o ex-policial aposentado Jorge Oliveira, cujo currículo é ser filho do ex-chefe de gabinete de Bolsonaro na Câmara. O pai de Jorge Oliveira trabalhou por vinte anos com Bolsonaro. Além disso, Jorge Oliveira também ocupou o cargo de chefe de gabinete do deputado Eduardo Bolsonaro, antes der ser indicado para ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República. A intimidade é tanta que Jorge Oliveira é chamado por alguns de “05”.
E para diretor-geral da PF, nada mais na medida para tentar tomar de assalto a corporação do que colocar seu ex-segurança de campanha, agora “espião” da Abin e amigo de Carlos, na direção do órgão.
Bolsonaro não conseguiu emplacar os dois nomes pretendidos. Teve que abrir mão de um. Escolheu manter a indicação de Ramagem para a Polícia Federal porque é ali que correm os inquéritos contra seus filhos. Nomeou André Luiz Mendonça, atual titular da Advocacia-Geral da União para o lugar de Moro. Com isso ele pretende fazer o que Moro não deixou que ele fizesse: “interagir” diretamente com o diretor-geral da Polícia Federal para obter informações e relatórios sigilosos dos inquéritos conduzidos pela instituição.
Aliás, é essa a principal denúncia que o ex-ministro Moro fez no dia em que pediu demissão do cargo. Bolsonaro apresentou a Moro, através de uma mensagem de telefone, uma notícia de que a PF estaria no encalço de 10 a 12 deputados bolsonaristas e comenta em seguida: “mais um motivo para trocar”. Era a prova da intromissão indevida do presidente na PF. No Palácio do Planalto, há o entendimento de que os dois inquéritos que correm no STF possam atingir dois filhos de Bolsonaro: o vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos) e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
A PF investiga atualmente, a mando do Supremo Tribunal Federal (STF), um esquema de fake news contra ministros da Corte e o caso de parlamentares que organizaram e apoiaram atos antidemocráticos, que pregaram o fechamento do Congresso e do STF e a volta da ditadura.
Num desses atos, Jair Bolsonaro discursou apoiando os ataques dos manifestantes às instituições democráticas. Apesar de ter discursado, ele não está sendo pessoalmente investigado, mas seus filhos são suspeitos de terem organizado e convocado as manifestações antidemocráticas. Empresários apoiadores da campanha de Bolsonaro também estão na mira da PF.
As movimentações de Bolsonaro para interferir nos inquéritos da Polícia Federal ficaram tão evidenciados nas palavras e provas apresentadas por Sérgio Moro que o ministro Alexandre de Moraes, relator de dois inquéritos, imediatamente determinou que os delegados que investigam o “gabinete do ódio” e as convocações de atos antidemocráticos realizados no último dia 19 de abril sejam mantidos nos cargos, isto é, Ramagem não poderá tirá-los das investigações dos filhos do presidente.
Ao mesmo tempo que Bolsonaro faz as nomeações e dá passos no sentido de colocar em prática o plano de assumir o controle da Polícia Federal, o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou o início do inquérito para investigar a denúncia feita pelo ex-ministro Sérgio Moro da intenção de Bolsonaro de atropelar a autonomia da corporação para proteger ilegalmente aliados e integrantes de sua família. Intervir em investigações feitas pela PF em inquéritos conduzidos pelo Supremo é crime de obstrução de Justiça. Já há a decisão do STF de arguir o ex-ministro Moro para que ele apresente as provas do que afirmou quando de sua saída da Justiça.
Antes de ser nomeado para a Abin, Alexandre Ramagem tinha sido segurança de Bolsonaro na campanha de 2018 e assumiu, por indicação de Carlos Bolsonaro, um cargo na assessoria no Palácio do Planalto. A assessoria de Ramagem foi na pasta dirigida à época pelo general Santos Cruz, afastado por Bolsonaro por não concordar com o aparelhamento da comunicação do Planalto pelo grupo coordenado por Carlos Bolsonaro e Ramagem.
Na época, Carlos Bolsonaro tinha a intenção, segundo relatou em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, o ex-ministro Gustavo Bebianno, pouco antes de sua morte, de montar uma Abin paralela por desconfiar que o órgão oficial não era “confiável”. Logo após a demissão de Gustavo Bebianno e do também ministro general Alberto Santos Cruz, Alexandre Ramagem foi nomeado por Bolsonaro para assumir a direção da Abin. Agora, o plano de Bolsonaro é usá-lo para sua intervenção na Polícia Federal.