‘Moro você tem 27 Superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro'”, disse Bolsonaro, de acordo com o texto do relatório sobre o depoimento do ex-ministro
Num dos trechos do depoimento do ex-ministro Sérgio Moro à PF, ele afirma que, em mensagem de celular, Bolsonaro teria pedido para ele próprio indicar o superintendente da Polícia Federal no Rio.
Segundo Moro, a mensagem foi enviada pelo presidente no começo de março, quando o então ministro e o então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, estavam em missão oficial nos EUA. “A mensagem tinha, mais ou menos o seguinte teor: ‘Moro você tem 27 Superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro'”, disse Bolsonaro, de acordo com o texto do relatório sobre o depoimento.
Menos de 24 horas depois de assumir, por indicação de Jair Bolsonaro, a direção-regal da Polícia Federal, Rolando Souza convidou o atual superintendente da PF do Rio de Janeiro, Carlos Henrique Oliveira, para sair da Superintendência do Rio e assumir um cargo burocrático em Brasília.
A superintendência do Rio é responsável por várias investigações importantes, inclusive as que atuam no caso Flávio Bolsonaro, e está no centro das denúncias feitas por Sérgio Moro. A Justiça não teve dúvida. Deu 72 horas para Bolsonaro explicar os motivos da mudança no comando da PF no Rio de Janeiro.
A decisão foi tomada pela Justiça Federal de Brasília, atendendo a um pedido de um dos coordenadores do Movimento Brasil Livre (MBL), Rubens Nunes. Ele questionou a legalidade da substituição do cargo, que é considerado estratégico em investigações.
Rolando de Souza, que foi nomeado no lugar da Alexandre Ramagem, tirou Carlos Henrique Oliveira da superintendência do Rio e nomeou o delegado Tácio Muzzi.
Ramagem foi chefe da segurança da campanha de Bolsonaro, é diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Ele é amigo íntimo da família Bolsonaro, particularmente de Carlos Bolsonaro, e foi impedido pelo STF de assumir a direção-geral da PF como queria Bolsonaro.
Em sua insistência de tentar controlar politicamente a PF, Bolsonaro escolheu Rolando Souza, que era o braço direito de Ramagem na Abin para assumir a direção da PF.
Quando foi cobrado na terça-feira (05) se a mudança seria uma “interferência” nas apurações da Polícia Federal, o presidente disse que o superintendente do Rio tinha sido “promovido para um cargo mais importante em Brasília” “Ele está sendo convidado para ser diretor-executivo. É o 02”, disse.
Como a história da “promoção” não convenceu ninguém, os repórteres insistiram nas perguntas do porque da troca. Foi nessa hora que Bolsonaro perdeu a calma e mandou os jornalistas calarem a boca.
“Cala a boca! Está saindo de lá para ser diretor-executivo a convite do atual diretor-geral. Não interfiro em nada. Se ele for desafeto meu e se eu tivesse ingerência na PF, não iria para lá. É a mensagem que vocês dão. Não tenho nada contra o superintendente do Rio de Janeiro. E não interfiro na Polícia Federal”, afirmou.
O advogado Rodrigo Rios, que representa o ex-ministro da Justiça Sergio Moro, afirmou na segunda-feira (04/05) que a mudança do comando da Polícia Federal do Rio de Janeiro reforça, na sua opinião, as acusações que o ex-juiz fez ao presidente Jair Bolsonaro quando deixou o governo. “As mudanças no seio da Superintendência do Rio de Janeiro reforçam a veracidade das declarações de Sergio Moro, em especial que o desejo de troca por parte do presidente não era exclusivamente direcionado à mudança de troca do diretor-geral”, afirmou Rios.
A Polícia Federal do Rio de Janeiro foi responsável pela Operação “Furna da Onça” que, entre outras coisas, descobriu um esquema de lavagem de dinheiro envolvendo o gabinete do então deputado Flávio Bolsonaro. As investigações levaram à descobertas de vínculos do esquema do gabinete com as milícias do Rio de Janeiro.
O antigo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) detectou à época uma movimentação financeira suspeita, que chegou a R$ 7 milhões em três anos, na conta de Fabrício Queiroz, assessor de Flávio Bolsonaro. A partir daí foram sendo desvendados os crimes que envolviam desvio de dinheiro público e lavagem de dinheiro com participação de integrantes da milícia.
O chefe da milícia de Rio das Pedras, Adriano da Nóbrega, ex-capitão da PM do Rio, amigo íntimo de Fabrício Queiroz, conseguiu nomear sua mãe e sua ex-mulher no gabinete do deputado. Parte dos salários das duas funcionárias fantasmas da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro eram divididos entre elas, o deputado e o miliciano. Gravações autorizadas de conversas de Queiroz com Danielle Mendonça da Nóbrega, ex-mulher de Adriano, revelaram detalhes desses vínculos do gabinete com a milícia.
Adriano, que foi homenageado várias vezes por Flávio e defendido por Jair Bolsonaro, era também chefe do “Escritório do Crime”, uma espécie de central de assassinatos por encomenda das milicias. Um dos integrantes deste “Escritório”, Ronnie Lessa, foi preso pelo assassinato da vereadora Marielle Franco. Esta é uma das investigações conduzidas pela Polícia Federal do Rio de Janeiro. Adriano da Nóbrega recentemente foi morto uma operação policial para capturá-lo na Bahia.