“A destruição será como a de uma guerra”
“A atual crise não tem causas econômicas; é um problema de saúde pública, que não é passageiro. Será uma destruição como a de uma guerra”, afirma a professora e economista Monica de Bolle, pesquisadora-sênior do Peterson Institute for International Economics e diretora do Programa de Estudos Latino-Americanos da Johns Hopkins University (EUA).
Segundo a economista, que foi do FMI e atuou como diretora do Instituto de Estudos de Política Econômica da Casa das Garças, centro de referência da escola neoliberal no Brasil, o governo precisa agir e proteger o parque industrial nacional, os empregos e a renda.
Leia a entrevista de Monica de Bolle à Revista Indústria Brasileira da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA – Quais são as consequências econômicas da pandemia?
MONICA DE BOLLE – A parada súbita tem um impacto forte na economia. Alguns setores sofrem mais, mas todos sentem os efeitos. Criou-se um vácuo entre empresas e consumidores, em toda a economia.
REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA – Como o governo pode reduzir os impactos?
MONICA DE BOLLE – A função do governo é suprir o vácuo e fazer o papel, de certa forma, de sustentação da economia. Os países ocidentais demoraram para entendê-la, vendo-a como passageira. Para entender a duração, é preciso compreender a doença e a trajetória do vírus. A saída virá pela ciência, por uma vacina, por exemplo. Portanto, será uma crise longeva. É certo que outros vírus virão, mais ou menos graves. Há décadas epidemiologistas desenham quadros de pandemias globais.
REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA – Até março, 79% das indústrias brasileiras sofreram redução de pedidos e 41% interromperam a produção. O que é preciso fazer?
MONICA DE BOLLE – Não tem como o governo não intervir. Uma interrupção de mais de 40% na produção industrial é uma situação absolutamente dramática, que leva à falta de suprimento. O governo precisa agir. Há várias formas, como dar mais acesso a capital de giro, auxiliar em folha de pagamento, entre outras ações. O governo tem que atuar para preservar o parque industrial nacional. Senão vai acabar tudo.
REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA – Que medidas concretas poderiam ser tomadas?
MONICA DE BOLLE – Nos Estados Unidos, no Reino Unido e na Europa há auxílios não só dos bancos centrais, mas também do tesouro. No caso brasileiro, a gente conta com algo que outros países não têm (como nos EUA), que são os bancos públicos. Nós temos o potencial de usá-los para ajudar a indústria, como prover novas linhas de crédito e, eventualmente, até oferecer um pouco de subsídio para aliviar dívidas. Mas falta uma coordenação entre o Ministério da Economia, o Banco Central e os bancos públicos. Tem muita coisa que o Brasil pode fazer e tem capacidade para isso. Para evitar demissões, é necessário pagar uma parte da folha de salários, como fazem o Reino Unido e a Alemanha com a condição de não demitir.
REVISTA INDÚSTRIA BRASIEIRA – Como reduzir o Custo Brasil no pós-crise?
MONICA DE BOLLE – Serão necessárias muitas reformas. A reforma tributária, evidentemente, ficou urgente nesse cenário. Eu tenho defendido a inversão da pirâmide tributária brasileira – que hoje onera excessivamente consumo e produção e não onera suficientemente renda e patrimônio. Deveria ser o contrário. A simplificação do sistema tributário brasileiro, que é extremamente complexo, também é essencial, assim como a redução da burocracia, que é inacreditável.
REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA – A crise atual pode ser comparada a crises anteriores, como a dos EUA, de 2008, a do petróleo, na década de 1970, ou a queda da bolsa, de 1929?
MONICA DE BOLLE – É sem precedentes. O tombo será maior do que em crises globais anteriores e pior do que essas. As outras foram de desequilíbrios econômicos, com respostas econômicas, mas a atual crise não tem causas econômicas; é um problema de saúde pública, que não é passageiro. Será uma destruição como a de uma guerra.
REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA – Depois dessa crise, as formas de trabalho podem mudar?
MONICA DE BOLLE – Ao sairmos da crise, essa será a pauta na ordem do dia. Muitas coisas podem ser feitas a distância, sem colocar todo mundo dentro de um mesmo ambiente. Até porque teremos mais vírus e mais esse tipo de crise.
REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA – O pacote que foi anunciado é suficiente para a população mais vulnerável?
MONICA DE BOLLE – É um bom início, mas não é suficiente. Não atende à totalidade dos vulneráveis. Precisamos abranger mais pessoas – para além das que hoje são elegíveis para benefícios. Além disso, é preciso estender o prazo. Três meses é pouco tempo numa crise de longa duração. O auxílio é uma maneira também de estimular a economia. A renda básica hoje é emergencial, mas no futuro deveria se tornar permanente.