(HP 02/12/2003)
Em homenagem ao Dia da Consciência Negra, ocorrido no dia 20 de novembro, publicamos a carta do primeiro-ministro e líder da independência do Congo, Patrice Lumumba, à sua companheira Pauline, escrita pouco antes do seu assassinato, em 1960, quando já nas mãos dos esbirros que o torturavam. A carta é um chamado vivo e altivo à soberania do Congo, da África e de todos os povos oprimidos do mundo. A libertação do Congo com a vitória sobre o regime fantoche que o trucidou, ao lado da CIA e dos inimigos do povo congolês, se deu com a posse a presidência do país, em 1997, de Laurent Kabila, líder do movimento de libertação que lutou ao lado de Lumumba e depois com o apoio de Che Guevara
Minha querida Companheira
Escrevo estas palavras sem saber se elas te alcançarão ou se ainda estarei vivo quando você as ler. Ao longo de toda a minha luta pela independência de meu país, nunca duvidei por um instante sequer do triunfo da causa sagrada à qual eu e meus companheiros dedicaram suas vidas. Mas o que nós desejamos para nosso país, seu direito a uma vida justa, a uma dignidade sem limitações, a uma independência sem restrições, os colonialistas belgas e seus aliados ocidentais – que encontraram apoio direto e indireto, deliberado e não deliberado entre certos altos funcionários das Nações Unidas, esta organização na qual colocamos toda a nossa confiança, quando solicitamos sua assistência – não desejavam.
Eles corromperam alguns de nossos conterrâneos, eles contribuíram para distorcer a verdade e a enxovalhar a nossa independência. Que outra coisa eu poderia dizer?
Que morto, vivo, livre ou na prisão sob ordem dos colonialistas, não é a minha pessoa que conta. É o Congo, é o nosso pobre povo, cuja independência foi transformada numa jaula de onde eles nos olham de fora, tanto com essa compaixão benévola, como também com alegria e prazer. Mas minha fé se manterá inquebrantável. Eu sei e eu sinto no fundo de mim mesmo que cedo ou tarde meu povo se livrará de todos os seus inimigos internos e externos, que ele se levantará como um só homem para dizer não ao vergonhoso e degradante colonialismo e reassumir sua dignidade sob um sol puro.
Não estamos sozinhos. A África, Ásia e os povos livres e libertos de todos os cantos do mundo sempre se encontrarão ao lado dos congoleses. Eles não abandonarão a luz até que chegue o dia quando não hajam mais colonizadores e seus mercenários em nosso país. Para minhas crianças, que eu deixo e que talvez não mais veja, desejo que lhes digam que o futuro do Congo é muito bonito e que ele espera de cada congolês que alcance a tarefa sagrada da reconstrução de nossa independência e de nossa soberania, porque sem dignidade não há liberdade, sem justiça não há dignidade, e sem independência não há homens livres.
Não há brutalidade, maus tratos, ou tortura que jamais me forcem a pedir clemência, porque prefiro morrer com a cabeça erguida, minha fé firme, e minha confiança profunda no destino do meu país, do que viver na submissão e abandonar os princípios sagrados. A História terá um dia seu pronunciamento, mas não será a história que Bruxelas, Paris, Washington ou as Nações Unidas ensinarão, mas a que se ensinará nos países emancipados do colonialismo e de suas marionetes. A África escreverá sua própria História, e ela será do norte ao sul do Saara, uma História de glória e dignidade.
Não chore por mim, minha querida companheira. Sei que meu país, que sofre tanto, saberá como defender sua independência e sua liberdade. Viva o Congo! Viva a África!
Patrice