Texto publicado originalmente no portal Imirante.com. Considerações sobre os desafios nos debates científicos sobre exploração de petróleo e gás.
ALLAN KARDEC (*)
Há duas veredas que hoje se usam para desqualificar a importância para o Brasil da exploração da Margem Equatorial. A primeira é a demonização dos combustíveis fósseis – que é quase um dogma aceito sem questionamentos, desconsiderando ou a história ou os diversos caminhos que existem para a descarbonização do planeta.
A segunda é a ação ostensiva da tentativa de controle externo da Amazônia, em particular suas tradições, saberes e conhecimentos: uma forma repaginada de recolonização do Brasil – com o consequente reforço de sua pobreza centenária, camuflada em uma narrativa que romantiza a miséria.
Não há Vaticano na Ciência. Pelo contrário, o cerne do trabalho dela é o questionamento – algo que está muito claro no princípio enunciado por Karl Popper, que é o da falseabilidade de uma teoria. Funciona mais ou menos assim: o fundamento da teoria da gravitação universal é que a força da gravidade é de atração. Se um dia se encontrar um exemplo – apenas um – de repulsão, a teoria cai por terra e será necessária outra para sucedê-la.
Aos fatos: o Brasil tem aumentado sensivelmente sua produção de petróleo, principalmente do Pré Sal, nos últimos anos. Ao mesmo tempo, o país conseguiu diminuir sua emissão de gás de efeito estufa
Existe uma afirmação propagada arduamente em diversos meios de que os países precisam parar de explorar os combustíveis fósseis, porque ele estaria necessariamente aumentando a produção de gás carbônico. Aos fatos: o Brasil tem aumentado sensivelmente sua produção de petróleo, principalmente do Pré Sal, nos últimos anos. Ao mesmo tempo, o país conseguiu diminuir sua emissão de gás de efeito estufa. Seria bom revisitarmos Popper.
Por outro lado, a transformação da matriz energética global tem sido gradual e ascendente. Em raras ocasiões, como no caso da lenha, observou-se estabilização. Em termos estatísticos, não se registrou qualquer declínio ou desaparecimento de uma fonte energética nos últimos 200 anos, desde a Revolução Industrial. Eventos pontuais que impactaram este cenário incluem a crise da década de 1970 e a pandemia de Covid.
É importante frisar que, ao longo dos últimos dois séculos, enfrentamos duas guerras mundiais, revoluções comunistas na Rússia e na China, e testemunhamos levantes em todos os continentes. Novas nações surgiram assim como outras mudaram de nome como a República Checa, Israel ou a República Democrática do Congo.
Com base em nossa vivência como professor e pesquisador, especialmente nas últimas décadas focadas em energia e pesquisa em análise de dados, não nos chega à impressão de que estejamos rumando para uma substituição pura e simples das fontes energéticas, nem nos parece que haverá uma dominante nas próximas décadas, como aconteceu no último século, no caso, lenha, carvão e petróleo, nessa ordem
Contudo, ao longo desse período, a tendência das fontes energéticas se manteve ascendente em termos mundiais – quaisquer delas – seja carvão, petróleo, gás natural e, mais recentemente, as diversas fontes renováveis, ainda que muito distantes daquelas em termos percentuais.
Com base em nossa vivência como professor e pesquisador, especialmente nas últimas décadas focadas em energia e pesquisa em análise de dados, não nos chega à impressão de que estejamos rumando para uma substituição pura e simples das fontes energéticas, nem nos parece que haverá uma dominante nas próximas décadas, como aconteceu no último século, no caso, lenha, carvão e petróleo, nessa ordem.
Afinal, os dados apenas refletem as decisões que a Humanidade toma – nada mais que isso – e não entro no mérito do que as hoje oito bilhões de pessoas decidem como política de energia do Planeta. Aparentemente, nenhum povo – absolutamente ninguém – jamais renunciou a aumentar seu consumo de energia, nem em época de guerra! Enfim, o mundo parece caminhar para o que o Brasil já tem: uma matriz energética diversa e para uma agenda que prevê a captura de carbono. Mas não devemos esquecer do combate à desigualdade.
Vivi minha infância em Grajaú – ou “karazao-hu”, nome de origem guajajara, que significa “cesta grande feita de buriti”, que os usuários carregavam nas costas, no sul do Maranhão. Meus vizinhos e amigos eram indígenas e, mesmo criança, infelizmente não consegui testemunhar o romantismo tão intensamente propagado por aí, seja em texto modernos ou livros antigos.
Pelo contrário! Entre os povos pobres, do qual faço parte, vejo que de um lado há amizade e luta, solidariedade e resiliência, mas de outro, choramos mortes prematuras de bebês ou testemunhamos amigos desmaiando de fome enquanto tentávamos cantar o Hino Nacional, na escola pública, aos oito anos de idade.
A pobreza não tem religião ou ideologia, tem fome!
(*) Allan Kardec Duailibe Barros Filho é presidente da Gasmar. Engenheiro elétrico, PhD pela Universidade de Nagoya, Japão, professor titular da UFMA, ex-diretor da ANP, membro da AMC. Pós-doutorado pelo RIKEN (The Institute of Physics and Chemistry).