
Há 71 anos o povo brasileiro foi impactado com a mais profunda denúncia política do imperialismo que se tem notícia na história da humanidade: o suicídio de Getúlio Vargas.
A Carta Testamento deixada por ele é uma preciosa herança, mas também uma contundente manifestação de amor à Pátria, que nos impõe o compromisso de concluirmos sua obra.
A questão da soberania nacional volta à flor da pele com uma força há anos sufocada pela ideologia colonial. Capturaram nosso próprio Estado nacional, que é quem promove o assalto ao Tesouro, a rapinagem de nossas riquezas e desvalorização de nosso trabalho.
A arrogância de Trump, a traição dos Bolsonaros, a firmeza do povo russo, o genocídio de Israel, o espetáculo da economia chinesa, mexem com nossos brios de brasileiros.
A hora é essa! Não dá para seguir em frente sem firmar o que já foi caminhado.
Trechos da Carta Testamento
Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo… A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho… Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios… Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero… Não querem que o povo seja independente. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto…
O programa da revolução de 1930
No discurso de posse, Getúlio defendeu o ensino público, a Constituinte soberana, reforma eleitoral, fim dos privilégios às oligarquias do café, o apoio à indústria e o investimento público em infraestrutura.
Industrialização versus vocação agrícola
A jovem indústria se liberta do imperialismo aliado com as oligarquias rurais.
O debate ocorreu entre agosto de 1944 e agosto de 1945, por ocasião da instalação do Conselho Nacional de Política e Comercial. A discussão se estabeleceu entre Roberto Simonsen e Eugenio Gudin.
Quem é Roberto Simonsen?
Ao fundar o Centro das Indústrias (hoje, Ciesp), em 28 de março de 1928, afirmou: “A grande indústria, por toda parte do mundo em que se instala, traz como corolário o aumento dos salários, o barateamento relativo dos produtos, o enriquecimento social e o aumento da capacidade de consumo” (Carlos Lopes HP).
E, no debate: “O protecionismo cerceia de alguma forma e por algum tempo a permuta entre as nações, mas traduz uma grande liberdade de produção dentro das fronteiras do país que o adota. De fato, nos países que adotam o protecionismo, qualquer cidadão pode montar a indústria que entender desde que repouse em sadio fundamento, certo de que livre do esmagamento proveniente dos dumpings ou manobras de poderosos concorrentes estrangeiros” (idem).
Eugênio Gudin perdeu o debate
A oposição aos adeptos da industrialização do país era composta por “boa parcela dos que constituíam ainda as classes políticas e a elite dirigente, em geral, isto é, pelos remanescentes da República Velha, sobretudo em São Paulo, e, nas classes produtoras, os comerciantes e industriais ligados ao comércio importador e exportador, bem como a maioria dos que militavam na agricultura [em suma, a antiga oligarquia cafeeira e suas extensões]. Eram estes que Getúlio chamou ‘os carcomidos’, ligados aos interesses externos, especialmente ingleses. Seu representante ideológico era Eugênio Gudin” (Von Doellinger).
Investimento em infraestrutura e o papel do estado nacional
“O governo agia por meio de incentivos fiscais, creditícios e cambiais (controles de câmbio) e por investimentos públicos em setores como ferrovias, navegação, serviços públicos e indústrias básicas, como petróleo e aço. (…) A Comissão do Plano Siderúrgico Nacional foi criada em 1940 e a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) em 1941. Outras companhias do governo foram criadas posteriormente: Companhia Vale do Brasil Rio Doce (CVRD), Companhia Nacional de Álcalis e Fábrica Nacional de Motores (FNM)”.
“No período de 1930 a 1954, marcado pela figura do presidente Vargas, implantaram-se os primeiros órgãos e empresas de um Estado nacional brasileiro, o Conselho Nacional do Petróleo (CNP), em 1938; o Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica, em 1939; a Companhia Siderúrgica Nacional, em 1940; a Companhia Vale do Rio Doce, em 1942; a Companhia Nacional de Álcalis, em 1943; a Fábrica Nacional de Motores, em 1943; a Companhia Hidrelétrica do São Francisco, em 1945; o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, em 1952; a Petrobras, em 1953; a Eletrobrás, em 1954.”
“A formação da inteligência brasileira também deu seus primeiros significativos passos nesse período com a criação (…) das duas universidades basilares de nossa história: a Universidade de São Paulo, em 1934, e a Universidade do Distrito Federal, em 1935, no Rio de Janeiro. Fundam-se ainda, aí, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, a CAPES, o Conselho Nacional de Pesquisas, o CNPq, o Centro Técnico da Aeronáutica, CTA, tudo em 1947, e o Instituto Tecnológico da Aeronáutica, o ITA, em 1950.”
“Foi com base nesse lastro orgânico, econômico e educacional que se pôs em prática no país uma política de substituição de importações, com o que se iniciou o longo período em que o desenvolvimento brasileiro foi dos maiores do mundo”.
(Haroldo Lima, Informe especial sobre a desnacionalização, 10º Congresso do PCdoB).
Aliança com o trabalhador
A primeira medida da Revolução de 30 foi a criação do Ministério do Trabalho, que coordenou a elaboração da CLT. Em 1940, foi anunciado o salário mínimo, suficiente para sustentar uma família de 4 pessoas, e a contribuição sindical de um dia de trabalho, que permitiu a estruturação dos sindicatos e da unicidade sindical. Getúlio criou uma rede de proteção aos direitos dos trabalhadores: os auditores do Ministério do Trabalho, visitando as fábricas, a Justiça do Trabalho, para garantir o cumprimento dos direitos, e os sindicatos, lutando para ampliar as conquistas.
É ou não é revolucionário?
Todas essas conquistas históricas foram voltadas para a classe operária, isto é para o trabalhador da indústria no Estado Novo. Liberdade para os trabalhadores e repressão para as oligarquias e para o integralismo. Esse invadiu o Palácio do Catete para assassinar Getúlio. Ou seja, liberdade para o operário e repressão aos oligarcas e fascistas.
“Partido da classe operária não cumpriu o seu papel”
“Sem uma compreensão do alcance desse processo revolucionário, [o PCdoB] teve atuação política instável. Ora caía no reformismo, ora incorria em desvios de esquerda” (PCdoB: um século de lutas em defesa do Brasil, da democracia e do socialismo). Para piorar, sem independência ideológica, absorveu as críticas da internacional “à linha política do partido de aliança com o tenentismo revolucionário. Considerava a Coluna Prestes como inimigo principal” (idem).
O livro PCdoB: um século de lutas em defesa do Brasil, da democracia e do socialismo considera “que a tática política da ANL, particularmente após seu fechamento, e sua concepção militar estavam impregnados de revolucionarismo pequeno burguês… o que levou à precipitação da luta armada” (idem – e contra um governo revolucionário, observação nossa).
Fazer a diferença
Getúlio iniciou a revolução nacional e o rompimento com a dependência ao imperialismo dos EUA e inglês, construindo os pilares da soberania nacional: criou a indústria de base, apoiou a indústria privada e conferiu centralidade ao trabalho e ao mercado interno como principais bases da independência nacional, tecendo uma poderosa rede de proteção ao trabalho. Tornou nossa tarefa mais fácil, se levarmos em conta o que já foi feito.
Cabe ao revolucionário não perder de vista a revolução nacional, o programa de desenvolvimento, a frente nacional anti-imperialista, a luta pela recuperação dos direitos da classe operária, seja a partir dos espaços ocupados no governo, sejam disputados com mobilização.
E, por último, que não estamos sozinhos no mundo.
CARLOS PEREIRA