O general Braga Neto, ministro da Defesa, foi um dos poucos integrantes do primeiro escalão a comparecer ao palanque de Bolsonaro durante a manifestação promovida no último sábado, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília.
O ministro não perdeu a oportunidade para adular o chefe ao afirmar:
– As Forças Armadas estão prontas para garantir que todos tenham direito de trabalhar.
O endereço da frase é bem conhecido: as ações determinadas pelos governadores e prefeitos para controlar a Covid-19 nos estados e municípios, em razão da absoluta ausência de uma política nacional de controle por parte do governo federal desde o início da pandemia.
Apesar da deliberada ação de Bolsonaro e dos bolsonaristas em sentido contrário, o isolamento social, a vacinação em massa, a testagem com rastreamento e, agora, as vacinas, foram e continuam sendo as ferramentas mais eficientes no combate ao coronavírus.
Quem diz isso são os números derivados de estudos, fartamente publicados pela imprensa brasileira ao longo da pandemia, e os mais notáveis especialistas sanitários do país e do mundo.
Prefeitos e governadores conseguiram mitigar os efeitos da crise graças às medidas de isolamento determinadas a partir da ausência de uma política de testagem em massa, rastreamento do vírus, confinamento seletivo e combate ativo aos focos contaminados.
Desde janeiro, quando a vacinação começou tardiamente no país (poderia ter se iniciada ainda em 2020 se o governo não tivesse subestimado o vírus e ignorado as vacinas então disponíveis), as medidas pontuais de isolamento são compartilhadas pelo esforço por mais e novos imunizantes, que continua contando com a resistência de Bolsonaro e de seu governo, como bem demonstram os ataques frequentes à China, nosso principal fornecedor de insumos, e os “óbices administrativos” à Sputinik V russa.
Há incontestáveis estudos científicos demonstrando que a tragédia da pandemia teria sido ainda maior no país se essas medidas de isolamento não tivessem sido adotadas, contra as quais Bolsonaro continua se insurgindo, e, agora, seu ministro da Defesa.
A falsa contradição colocada por Bolsonaro e seu séquito entre isolamento e trabalho teve um objetivo muito claro: tentar ocultar o boicote, também deliberado, contra as medidas necessárias de apoio aos trabalhadores e às empresas que perderam emprego, renda e faturamento por conta das indispensáveis medidas de quarentena.
Mesmo assim, foram pontuais e por períodos efêmeros os setores da economia privada que interromperam suas atividades, enquanto o setor público, à exceção dos serviços essenciais, pode socorrer-se do teletrabalho.
As Forças Armadas têm a missão constitucional de defender a soberania e a integridade nacionais. Não cabe a elas o papel de garantir “que todos tenham o direito de trabalhar”, como afirma, falaciosamente, o ministro Braga Neto, até porque muitos brasileiros, por conta das políticas recessivas e de arrocho de Bolsonaro e Guedes, antes e depois da pandemia, já não conseguem encontrar trabalho há tempos.
Já são quase 40 milhões de trabalhadores que se encontram nessa situação – sem emprego e sem trabalho, mesmo o mais precário deles, como o intermitente, pelo qual muitos não conseguem auferir, ao final do mês, o suficiente, sequer, para comprar uma cesta básica.
Portanto, para não se tornar uma falácia, como se tornou, o ministro deveria ter dirigido a frase não às instituições militares e, sim, ao seu colega Paulo Guedes, da Economia.
Além do mais, foi precisamente o STF, amparado pela Constituição, que assegurou a autonomia dos estados e municípios na adoção das medidas necessárias na defesa da vida.
O ministro, com a sua hipocrisia, estaria insuflando as instituições militares que estão sob sua jurisdição à insubordinação frente a uma decisão judicial da Suprema Corte, lastreada pela Carta Magna?
Grave, muito grave, em se tratando de uma manifestação palanqueira desferida em ato bolsonarista realizado no conhecido estilo espalha-vírus.
Uma bravata que o general sabe, no fundo, ser impraticável, pois outros representantes reconhecidamente autênticos das corporações militares já anunciaram em alto e bom som que as Forças Armadas não serão empurradas a uma aventura golpista contra a Constituição e a instância judicial fundada em sua defesa.
O fato é que Bolsonaro e a corrente olavista que dá sustentação ideológica ao negacionismo dominante no Planalto encontrarão clima cada vez mais difícil para defender uma ruptura dessa natureza, diante do crônico isolamento social do presidente e de seu governo, agravado a cada dia que passa pelos resultados trágicos da pandemia e da economia.
Não por outro motivo a fanfarronice do ministro não teve qualquer repercussão entre os militares, inclusive os de alta patente, até porque general não é muito afeito a praticar golpe para beneficiar um ex-capitão cuja trajetória é marcada pela insubordinação e a indisciplina militares.
Foi um soco no ar – e nada mais, cujo registro serviu, apenas, para tirar o brilho das estrelas do general.
MAC