O governo Bolsonaro censurou questões do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) que será aplicado a partir do próximo domingo (21), segundo revelou reportagem do jornal ‘O Estado de S. Paulo’ desta quarta-feira (17).
Na última segunda-feira (15), em meio à crise dos 37 pedidos de exoneração de servidores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), que criticaram essa pressão e a “fragilidade técnica” da cúpula da autarquia responsável pelas provas, Bolsonaro afirmou que o Enem começou agora a “ter a cara” do governo. Ele ainda acrescentou que “ninguém precisa estar preocupado com aquelas questões absurdas do passado”.
De acordo com a reportagem, a direção do Inep, presidido por Danilo Dupas, determinou a impressão prévia da prova neste ano com a intenção de que mais pessoas tivessem acesso ao exame antes da aplicação.
Quem examinou a primeira versão foi o diretor de Avaliação da Educação Básica do Inep, Anderson Oliveira, que está no cargo desde maio. Segundo relatos, ao menos 24 questões foram retiradas após uma “leitura crítica”. Algumas foram consideradas “sensíveis”.
As comissões de montagem da prova sugeriram outras perguntas para substituí-las, mas o Enem acabou descalibrado, o exame tem uma quantidade de questões consideradas fáceis, médias e difíceis. Assim, 13 das questões suprimidas foram reinseridas.
Em 2020, um dos que entrou na sala segura para ver as questões foi o general da reserva Carlos Roberto Pinto de Souza, ex-comandante do Centro de Comunicação do Exército. Ele morreu de covid e foi substituído pelo tenente-coronel-aviador Alexandre Gomes da Silva.
As questões são feitas por professores contratados. Segundo servidores, porém, o atual presidente do órgão, Danilo Dupas, deixou claro que a prova não poderia ter perguntas consideradas inadequadas pelo governo. Essa pressão era entendida por servidores como um assédio moral e fez parte das denúncias. Eles afirmaram ainda que o clima de pressão atual já levou a uma autocensura dos grupos que escolhem as questões.
A intenção do governo de mexer no Enem paira no Inep desde a eleição de Bolsonaro, em 2018, quando ele criticou uma questão que mencionava um dialeto de gays e travestis. No primeiro ano do governo Bolsonaro, uma comissão foi criada para avaliar a pertinência do Banco Nacional de Itens do Enem com a “realidade social” do Brasil.
O ministro da Educação à época, Abraham Weintraub, afirmou que as questões não viriam carregadas “com tintas ideológicas”. Essa comissão chegou a desaconselhar, em 2019, o uso de 66 questões por promover “polêmica desnecessária” e “leitura direcionada da história” ou ferir “sentimento religioso”.
Neste ano, houve nova tentativa de criar comissão para avaliar as questões. O Inep preparava uma portaria para formar um grupo permanente que deveria barrar “questões subjetivas”. A ideia era que se abstivesse de “itens com vieses político-partidários e ideológicos”. O caso foi levado ao Ministério Público Federal, que recomendou, em setembro, que o Inep desistisse dessa comissão. Em resposta, o órgão afirmou que a recomendação foi atendida.
PEDIDO DE AFASTAMENTO
Os líderes dos blocos da Minoria e da Oposição na Câmara, respectivamente Marcelo Freixo (PSB-RJ) e Alessandro Molon (PSB-RJ), protocolaram pedido de afastamento de Danilo Dupas.
Além do afastamento, solicitado ao Ministério Público do Trabalho, os líderes querem a convocação do Ministro da Educação, Milton Ribeiro, para prestar esclarecimentos sobre as denúncias de interferência política no Enem e sobre a crise iniciada com a debandada de 37 servidores.
Os líderes também pedem a criação de critérios técnicos na elaboração da prova, e que se inicie um trabalho de observação da Câmara sobre o funcionamento do Inep.
Além das denúncias de abuso trabalhista que levaram os líderes a acionar o Ministério Público do Trabalho, Dupas é suspeito de fraude administrativa em sua função no Inep.
“Também foi feito um outro pedido de afastamento do presidente do Inep à Corregedoria-Geral da República, exatamente porque aqui houve o rompimento do sigilo. Se abriu a oportunidade para pessoas entrarem, que não estavam na elaboração das provas que deveriam estar sigilosas”, declarou o deputado Bohn Gass (PT-RS), líder da bancada do PT na Câmara.
Alessandro Molon também abriu requerimento para que seja criada uma comissão externa na Câmara para observar as ações do Inep e exigir um plano de enfrentamento da crise. Mas por outro lado, não cogita ações que possam interferir na realização das provas dentro da data estipulada.
“É meio arriscado se falar em adiamento agora. São milhões de pessoas esperando por isso, mas não vamos tomar nenhuma medida que possa impedir a realização do exame”, disse o deputado Alessandro Molon.