MARCO CAMPANELLA (*)
No dia em que foram encontrados 39 quilos de cocaína a bordo do avião presidencial – um fato absolutamente grave e inédito, na história brasileira e mundial, blindado, até o momento, por manifestações evasivas e periféricas, o ministro Paulo Guedes diz com todas as letras que o “Congresso é uma fábrica de corrupção”.
Não é a primeira vez que um ocupante de cargo de primeiro escalão do governo faz uma afirmação dessa natureza.
Em outros governos, ou desgovernos, até mesmo o supremo mandatário da Nação emitiu opinião assemelhada.
A declaração de Guedes, certamente, representou uma reação às dificuldades que ele e Bolsonaro estão encontrando para votar o desmonte previdenciário à imagem e semelhança da proposta que encaminharam ao Parlamento.
Afinal, o projeto ora colocado na mesa e em discussão na Comissão Especial já eliminou, corretamente, pelo trabalho da oposição e a voz das ruas, a capitalização, o BPC, os benefícios rurais, e, agora, ameaça extirpar outras excrescências, inclusive algumas desconstitucionalizações nocivas ao interesse social.
Para o ministro todo poderoso, a desidratação da proposta original tem limites e esses limites são apenas algumas perfumarias sem nenhuma importância.
É necessário manter a espinha dorsal do desmonte (capitalização geral e irrestrita, desconstitucionalizações abrangentes, idade mínima avançada, fim dos benefícios por contribuição, etc.), e a cobrança, quem faz, não é principalmente Bolsonaro, mas os bancos, seus verdadeiros patrões.
O golpe dado à capitalização, ou seja, à tentativa de submeter escancaradamente a previdência ao sistema financeiro, tem agora na frase de Guedes sua resposta (e explicação) mais eloquente.
Ora, há um discernimento generalizado na sociedade de que as almas mais puras da política, infelizmente, não habitam o Congresso Nacional, longe disso, embora resistam e sobrevivam nele muitos parlamentares íntegros na ética e no compromisso democrático e pátrio, apesar das regras ainda muito desiguais, injustas e antidemocráticas do atual sistema eleitoral.
A pergunta que não quer calar é: que autoridade moral tem Guedes para pronunciar-se dessa forma?, logo ele que é alvo de investigação no Tribunal de Contas da União por fraudes em fundos de pensão das estatais, das quais teria se locupletado indevidamente, para ficar apenas por aqui.
Que autoridade tem esse pau-mandado dos rentistas?, que insiste teimosamente pelo caminho da destruição da Previdência Social Pública, da devastação econômica, da liquidação das estatais e empresas públicas, do desmantelamento dos serviços públicos essenciais e da vassalagem mais despudorada aos interesses antinacionais.
Que autoridade tem esse elemento serviçal aos bancos?, que atuou deliberadamente para aniquilar o sistema público de seguridade chileno, cujas consequências foram desastrosas para o país vizinho e seu povo – o mesmo que pretende agora fazer por aqui.
Uma boa resposta ao disparate do serviçal seria a devolução da ‘reforma’ a Guedes e a seus garotos de Chicago, cuja obsessão ficou evidente: submeter e desnaturar o Parlamento para reinar sozinho, afinal, foi a quem Bolsonaro entregou os destinos da economia por não entender do assunto…
Está aí o resultado: PIB em frangalhos, à beira da recessão; colapso industrial; implosão do emprego, da renda e dos salários; entre outros descaminhos que estão nos levando à catástrofe social.
Nesse episódio, mais um elemento a reforçar uma convicção que vem se delineando desde a eleição de Bolsonaro e a escolha de Guedes: um sistema econômico fortemente hegemonizado pelo capital financeiro só se sustenta pelo mais absoluto desrespeito e rejeição à democracia, ainda que a mais formal de todas. E não apenas ao Parlamento, mas às demais instituições democráticas e organizações sociais, e, até mesmo, aos militares que aceitaram participar dessa tragédia.
A afirmação democrática, nessa hora, constitui a questão central para isolar e derrotar o núcleo governista representado por Guedes e Bolsonaro e defender uma nação que está sob indisfarçável e forte ameaça.
(*) Jornalista, foi editor-chefe da Hora do Povo.