“Os cortes de investimentos e as reduções de bolsas, além da diminuição de orçamentos do CNPQ e CAPES e FINEP são mais exemplos dos ataques à ciência brasileira”, disse o pesquisador da UFPel, nesta quarta-feira (27), em entrevista ao HP
A The Lancet, uma das mais prestigiadas revistas científicas do mundo na área da saúde, publicou, na última sexta-feira (22), um alerta do epidemiologista brasileiro Pedro Hallal, ex-reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Ele advertiu que “a ciência está sob ataque no Brasil”.
“A consequências se refletem no déficit de enfrentamento da pandemia no país e nas mortes evitáveis de milhares de brasileiros por coronavírus”, diz o artigo.
A publicação do texto “SOS Brasil: avançar à ciência” se dá após uma série de ataques do presidente Bolsonaro e seus apoiadores ao ex-reitor que liderou o maior estudo epidemiológico sobre a Covid-19 no Brasil. Os ataques surgiram porque o professor testou positivo para uma infecção por SARS -CoV-2 em dezembro de 2020. Toda a comunidade científica brasileira repudiou os ataques bolsonaristas e se mobilizou em defesa de Pedro Hallal.
Em entrevista ao HP nesta quarta-feira (27), o pesquisador da UFPel destacou que “os ataques à ciência não começaram agora. Eles começaram desde o início do governo Bolsonaro”.
Hallal lembrou os “cortes de investimentos e as reduções de bolsas, além da diminuição de orçamentos do CNPQ e CAPES e FINEP”, como exemplos de ataque à ciência brasileira.
Ele chamou a atenção também para o que classificou como “ataques no nível do negacionismo, como a questão do terraplanismo, a discussão de que as universidades são todas ideologizadas, que as universidades só fazem política e toda essa campanha difamatória que foi liderada pelo presidente”.
“Então, a ciência está sob ataque há muito tempo”, advertiu Pedro Hallal. Ele disse que foi esta a motivação de publicar o artigo na Lancet, mostrar que esses ataques não são de agora. “Agora”, destacou o ex-reitor, “o exemplo mais concreto dessa agressão à ciência, neste momento, foram os ataques do presidente à vacina em si, dizendo que não tomaria a vacina, dizendo que podia virar jacaré, etc”, argumentou.
“Ou mesmo os ataques do presidente à própria pandemia, lá no começo, quando a ciência dizia que era grave e ele dizia que era uma gripezinha. Eu acho que esses são os exemplos mais graves do ataque à ciência”, prosseguiu o professor.
“No meu caso em particular, é uma perseguição a um opositor da gestão presidencial. Então é o presidente fazendo ataques diretos a mim simplesmente pelo fato de que eu critico a condução da pandemia”, completou Hallal.
“O presidente faz ataques diretos a mim simplesmente pelo fato de que eu critico a condução da pandemia”
No texto, o epidemiologista aponta que o Brasil ocupa o segundo lugar em número de mortes da Covid-19 e o terceiro em número de casos em todo o mundo.
“Como cientista, tendo a não acreditar em coincidências”, diz ele. “Os números brasileiros do coronavírus evoluíram ao lado de uma sequência de manifestações públicas do Presidente, desde o início da pandemia, de descrédito em relação à gravidade da infecção, à importância das medidas de distanciamento social e ao impacto sobre o número de mortes”, apontou.
“Nunca imaginei que eu seria o próximo”, diz Hallal, em relação aos ataques diretos a ale. O epidemiologista foi convocado em três ocasiões para reuniões presenciais no Ministério da Saúde em Brasília. Quatro dias após sua última visita à Brasília, em dezembro de 2020, começou a apresentar sintomas de Covid-19.
Ele conta que, assim que sua infecção foi divulgada pela mídia, passou a ser acusado pelos bolsonaristas. Em 11 de janeiro, Hallal foi criticado em uma espécie de “ataque orquestrado” por um deputado e um jornalista durante entrevista a uma rádio. Três dias depois, o próprio presidente Bolsonaro publicou em seu perfil no Twitter o trecho específico do programa de rádio no qual a infecção de Hallal é mencionada. Ele encerra o seu texto na Lancet dizendo: “atacar cientistas definitivamente não vai ajudar a resolver o problema”.
Leia aqui o artigo de Pedro Hallal na Lancet
SÉRGIO CRUZ