
Muito se falou nas últimas semanas dos vetos presidenciais que geraram cortes e previsões de contingenciamento no orçamento da União em áreas nem um pouco importantes para o governo Bolsonaro como saúde pública, educação, programas sociais, além da supressão do auxílio emergencial, que foi pago até o mês de dezembro por conta da pandemia, mas negado a quase 60 milhões de brasileiros a partir de agora.
Em tempos em que o desafio de grande parte da população é garantir o alimento do dia-a-dia, comprar o gás de cozinha, pagar a tarifa do ônibus, tarefas cada vez mais difíceis em razão da explosão do desemprego e da carestia que fulminaram a renda, falar em ciência é como pregar no deserto em pleno inverno.
No entanto, em nenhum outro momento de nossa história recente os brasileiros – e o mundo todo – ouviram falar pelos meios de comunicação e as redes sociais de uma infinidade de terminologias que estão diretamente associadas à ciência e à sua capacidade de enfrentar e resolver os novos desafios, a começar pela Covid-19.
Certamente, os dramáticos resultados colecionados pelo país ao longo da pandemia – estamos muito próximos de atingir 200 mil óbitos – está relacionado com o absoluto descaso do atual governo com o setor, fruto de sua postura e convicção negacionistas.
Negar a ciência e faltar com esse setor nesses tempos de pandemia é, rigorosamente, um crime, especialmente no momento em que ela é fundamental para salvar vidas e criar um ambiente mais propício ao desenvolvimento humano e social.
É o que acontece no Brasil sob o governo Bolsonaro, deixando atônitos e indignados cientistas, pesquisadores e acadêmicos, diante da redução brutal nos investimentos em trabalhos científicos, principalmente nas universidades públicas.
Pela previsão orçamentária do Governo Federal, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) perderá 34% de sua verba anual, uma queda de R$ 3,6 bilhões em 2020 para R$ 2,7 bilhões para 2021, ou seja, menos de um terço do valor disponibilizado uma década atrás, um verdadeiro descalabro frente aos projetos que estão hoje em desenvolvimento no país e às crescentes demandas de um setor vital para o futuro do país.
Uma das áreas mais afetadas pela sangria será o das pesquisas. Mais de 60% delas são patrocinadas, no Brasil, por uma tríade composta pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), além da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que é mantida pelo Ministério da Educação. A previsão é de que os cortes atinjam todas essas instituições.
O CNPq vai amargar redução de 8,3% em seus recursos, contando, por exemplo, com apenas 22 milhões de reais para fomento à pesquisa, o que representa 18% do valor destinado em 2019. Já a Capes perde 1,2 bilhões em comparação aos 4,2 bilhões de reais que dispunha no primeiro ano do atual governo. A situação mais dramática se desenha no FNDCT, que sofrerá um corte de 4,8 bilhões de reais em 2021.
O mais grave é que, em todas essas situações, parcela substancial dos recursos está condicionada ao cumprimento da meta fiscal e depende de aprovação de orçamento suplementar ao longo do ano. “Isso demonstra claramente um cenário de quase paralisação do setor de Ciência, Tecnologia e Inovação caso o orçamento do FNDCT se concretize”, manifestou em carta enviada ao Congresso um grupo formado por entidades como a Academia Brasileira de Ciências, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e o Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif).
Como as universidades públicas, principalmente, constituem território avesso ao bolsonarismo e ao que ele representa, “antros de balbúrdia” como Bolsonaro acusou, é compreensível a ação odiosa do atual governo em relação ao setor, como à educação como um todo. Basta lembrar a gestão medíocre e catastrófica de Abraham Weintraub à frente da pasta. Saiu corrido do país, pela porta dos fundos, com a conivência de Bolsonaro e os terraplanistas alojados na máquina federal.
De modo geral, os centros de universitários de excelência receberão um impacto dramático na redução dos recursos orçamentários, o que impedirá o surgimento de novos cursos em áreas que exigem investimentos, muito menos em projetos de pesquisa. Nesse cenário, muitas dessas ações ficarão subordinadas à possibilidade ou não da liberação de emendas parlamentares. Um escracho!
A Capes, por exemplo, chegou a divulgar no ano passado a ampliação do auxílio aos programas de pós-graduação, entretanto, um levantamento da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) mostrou que quase 8.000 bolsas permanentes foram cortadas pela entidade durante a pandemia.
Ainda no mês passado, o órgão reconheceu a insuficiência do orçamento previsto para o próximo ano. Mesmo assim, pelo esforço dos cientistas e demais atores do setor, o Brasil, com todas as dificuldades impostas pelo negacionismo bolsonarista, ainda ocupa a 11ª posição em volume de pesquisas sobre a Covid-19, porém, diante das restrições anunciadas para 2021, o mais provável é que o país recue ainda mais no ranking mundial.
Apenas um exemplo: a reitora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Sandra Regina Goulart Almeida, informa que em cinco anos a instituição perdeu 100 milhões de reais do orçamento, sendo 60 milhões a menos projetados para 2021. “Voltamos a patamares de 2008”, diz ela, sublinhando o impacto da PEC 241, que congelou gastos na educação a partir de 2017, no ensino superior. “Houve diminuição considerável no número de bolsas da Capes e do CNPq”.
Em carta enviada a parlamentares, entidades nacionais do sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação também defendem que o coronavírus gerou a obrigação de aumentar investimentos na área. “No momento crítico de pandemia, recursos para pesquisa básica e aplicada e para a inovação tecnológica são essenciais para o enfrentamento da Covid-19, além de permitir a recuperação econômica, como mostram as ações adotadas nos países desenvolvidos”. Outra consequência da crise sanitária, segundo o manifesto, é a possível aceleração da fuga de cientistas do Brasil, já que “a Covid-19 tem gestado um cenário hostil para formação, fixação e retenção desses cérebros formados no país”.
Uma das principais reivindicações do grupo foi atendida pelo Congresso Nacional, no apagar das luzes de 2020, ao aprovar o Projeto de Lei Complementar 135/20, do Senado, que proíbe o bloqueio de recursos do FNDCT e permite a sua aplicação em fundos de investimento, o que ensejará a recomposição orçamentária.
A torcida, agora, é para que um lampejo faça com que a caneta presidencial, tão inóspita a matérias como essa, não vete o projeto, apagando o pouco de esperança que representa para um setor tão estratégico e fundamental para o país, pois, nunca, como antes, a ciência pediu tanto socorro!
(MAC)