LUCIANA SANTOS*
Vivemos uma nova conjuntura internacional, marcada por uma pandemia e conflitos geopolíticos de grandes proporções, que evidenciaram a fragilidade das cadeias globais de produção e fornecimento e acirraram a disputa pelo domínio tecnológico e a competição baseada em interesses nacionais. Ao mesmo tempo, enfrentamos desafios globais, como eventos climáticos extremos, escassez hídrica, elevação do nível dos oceanos, emergências em saúde e insegurança alimentar. Esses problemas não reconhecem fronteiras e só serão solucionados por meio da cooperação internacional em ciência, tecnologia e inovação (C,T&I). É nesse contexto complexo que atuamos de forma pragmática para consolidar nossas relações tradicionais e buscar novas parcerias.
Ao resgatar o protagonismo do Brasil no mundo, o presidente Lula confere à cooperação científica status especial dentro da política externa do seu governo. Nesse sentido, tive o privilégio de acompanhar o presidente em três missões ao exterior: à Argentina e ao Uruguai; à China; e a Portugal e Espanha. Nessas visitas, firmamos instrumentos de cooperação em áreas estratégicas, como inteligência artificial, tecnologias quânticas, semicondutores, mudanças climáticas, energias renováveis, saúde, bioeconomia, espaço e novos materiais. Anunciamos o desenvolvimento conjunto de projetos estruturantes para o país, como a construção do Reator Multipropósito Brasileiro em parceria com a Argentina, que, até 2028, tornará o Brasil autossuficiente na produção de radioisótopos para o tratamento do câncer, e o satélite CBERS-6 com a China, que revolucionará o monitoramento da Amazônia e outros biomas brasileiros por meio de uma nova tecnologia de radares.
Nossas relações históricas e bem-sucedidas em C,T&I com a América do Norte e a Europa serão mantidas e aprofundadas, mas daremos novo impulso a programas e projetos regionais com a América Latina e Caribe, fortaleceremos nossa atuação junto aos países do Brics e voltaremos a atuar com nossos parceiros na África e na Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Os próximos anos serão de particular relevância para que o país possa projetar sua liderança e coordenação em temas científicos e tecnológicos. O Brasil sediará a Cúpula da Amazônia e liderará o Mercosul no segundo semestre de 2023. Assumiremos a presidência do G20, em 2024, a presidência de turno do Brics em 2025 e, caso tenha seu pleito atendido, o Brasil será sede da COP-30, também daqui a dois anos.
Nosso objetivo é utilizar a cooperação internacional e a diplomacia científica, em parceria com o Itamaraty, para enfrentar os grandes desafios nacionais e globais. Para ser uma potência tecnológica nos próximos 30 anos, temos que investir no enfrentamento das mudanças climáticas e da perda da biodiversidade, na transição energética, na transformação digital, na autossuficiência em saúde e biotecnologia e na superação da fome e das desigualdades.
Faremos isso usando as nossas melhores capacidades e por meio de chamadas bilaterais e multilaterais a projetos de pesquisa e da internacionalização das nossas instituições de ciência e tecnologia (ICTs). Mobilizaremos a nossa diáspora científica, financiaremos programas internacionais de C,T&I e promoveremos o acesso a infraestruturas globais de pesquisa, como a Organização Europeia para Pesquisa Nuclear (CERN).
Somados aos nossos esforços de cooperação científica, trabalharemos para garantir nas relações comerciais a transferência de tecnologia dos centros mais avançados para o Brasil. Para isso, usaremos de forma estratégica instrumentos de estímulo à inovação, em especial aqueles impulsionados pelo lado da demanda, como o uso do poder de compra do Estado, as encomendas tecnológicas e as compensações tecnológicas (offsets).
Ao fim desse ciclo, a ciência brasileira terá alcançado um novo patamar, e os benefícios serão compartilhados com toda a população.
*Luciana Santos é ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação. Artigo publicado originalmente no jornal ‘O Globo’ em 10/05/2023