Na manhã de domingo, dia 8, em que revelou-se a conspiração do PT para desmoralizar a Justiça e soltar Lula, dois deputados que assinaram o pedido de habeas corpus – Paulo Pimenta (PT-RS) e Wadih Damous (PT-RJ) – chegaram na sede da PF, para transportar Lula, antes que fosse conhecida a decisão do desembargador petista Rogério Favreto.
A decisão de Favreto, soltando Lula, foi assinada eletronicamente às 9 horas e 5 minutos de domingo. Só depois disso seria possível saber qual tinha sido a decisão.
No entanto, nessa hora, Damous e Pimenta já estavam na sede da Polícia Federal, em Curitiba, havia 35 minutos. Foram Damous e Pimenta que afirmaram à imprensa que estavam na PF desde às 8 horas e 30 minutos.
Como eles sabiam da decisão de Favreto, que foi tomada 35 minutos depois?
Obviamente, porque tudo fora combinado com Favreto.
Um leitor de boa fé, como são os nossos leitores, poderia argumentar que eles estavam lá esperando a decisão de Favreto. Se esta fosse negativa, iriam para o aeroporto e voltariam aos seus Estados.
Porém, quem desmentiu essa possível versão foram eles mesmos.
Nas suas declarações, dizem que estavam na PF às 8 horas e 30 minutos, porque o despacho para soltar Lula já fora emitido por Favreto, e, inclusive, a PF já fora comunicada da decisão.
Por exemplo: “Chegamos aqui hoje por volta das 8 horas e 30 minutos e já estava publicado e a Polícia Federal já tinha aqui o alvará de soltura do presidente Lula”, disse o deputado Paulo Pimenta, em um vídeo, às 15 horas e 30 minutos de domingo.
Algumas horas depois, o mesmo Pimenta disse o seguinte:
“Às 8h30 da manhã de hoje esse alvará de soltura chega até à Polícia Federal e, de lá para cá, se inicia uma guerra absurda, ilegal, criminosa que envolve infelizmente pessoas aqui da Polícia Federal, integrantes do Ministério Público, que envolve diretamente o juiz Sérgio Moro, que envolve o desembargador Gebran [João Pedro Gebran Neto, relator da Lava Jato no TRF-4], que tenta de todas as formas, de maneira desesperada, como disse o ministro Marco Aurélio, impedir que a lei seja cumprida”.
É possível que Pimenta quisesse explicar o que estava fazendo na PF às 8 h 30 min do domingo. Mas, com essa explicação, ao invés de esconder, deixou mais clara a conspiração, pois confessou que sabia da decisão de Favreto antes que ela fosse assinada.
O PT, portanto, atropelou a lei com uma conspiração sem vergonha – mas são os que não permitiram o desrespeito à lei, que, segundo o deputado Pimenta, “impediram que a lei fosse cumprida”.
A realidade não tem o menor papel no modo petista de pensar, exceto quando a realidade é uma propina.
Mas, voltando ao nosso assunto principal: a única hipótese de ser verdade que eles sabiam da decisão às 8h e 30min de domingo, é Favreto ter comunicado a eles a decisão, antes de assiná-la.
Já seria um conluio.
Porém, é claro que o conluio verdadeiro não foi esse: eles, ou outros emissários da direção do PT, é que comunicaram a Favreto sobre o que deveria fazer em seu plantão de fim de semana – o primeiro plantão de Favreto desde que Lula foi preso, no primeiro fim de semana após a Justiça entrar em férias.
Caso contrário, é óbvio que não teriam entrado com o pedido de habeas corpus na sexta-feira à noite – nem viajado até Curitiba.
Favreto, uma nulidade petista sem vida profissional além do que o PT lhe conseguiu, entrou de plantão às 19 h de sexta-feira, dia 6.
Às 19 h 32 min, os deputados do PT entraram com um pedido de habeas corpus para soltar Lula. O próprio Paulo Pimenta confessou que sabia na mão de quem iria bater o pedido: “Sou do Rio Grande do Sul. Conheço as pessoas. Alguém me deu o toque. Olhei no sistema e vi [que Favreto seria o plantonista]. É público”.
Favreto, antes de desembargador, era, assim como Pimenta, ativista do PT do Rio Grande do Sul.
A ausência absoluta de falta de vergonha é algo tão estranho à espécie humana, que essa declaração do deputado Pimenta, para muitos, até parece natural, pois é quase impossível conceber o que ela significa.
Pimenta está confessando que conspirou, com um desembargador que era um ativista do PT, para soltar Lula, contra o TRF-4, contra o STJ, contra o STF.
Se não fosse assim, por que ele teria dito que “conheço as pessoas”?
Ele sabia, também, que a soltura de Lula, depois das decisões do TRF-4, do STJ e do STF, seria ilegal.
Mesmo assim, foi em frente, pois acha normal o avacalhamento do sistema judiciário, mesmo sendo deputado e advogado.
Certamente, ele não confessou que houve combinação anterior com Favreto – e essa é a parte mais importante, logo, a parte que escondeu.
Porém, mesmo assim, o que ele diz é que não há problemas em usar um pau mandado para soltar Lula contra todas as instâncias da Justiça.
GERUM
O procurador Maurício Gerum, que atuou, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), no julgamento de Lula pela propina do triplex, declarou que a tentativa de soltar Lula “foi a chicana mais canhestra e acintosa que eu já presenciei nos meus anos de profissão”.
Gerum tem 20 anos na profissão e esta declaração é rara, pois ele não concede entrevistas, não permite fotografias além daquelas em atos públicos – em suma, não gosta de aparecer na mídia.
Mas, nesse caso, o escândalo foi tanto que ele abriu uma exceção.
Em uma conferência em Brasília, o procurador Maurício Gerum afirmou que “a corrupção é a antítese do pensar coletivo, de se preocupar com o próximo, é o egoísmo prevalecendo sobre o altruísmo, é o pensar em si e ignorar o sofrimento alheio”.
Hoje, quando a conspiração do PT apareceu a olho nu, sem necessidade de microscópio (ou de raio-X), e a infiltração de ativistas – vide o infeliz Favreto ou o lastimável Dias Toffoli – ficou, também, mais evidente, é interessante lembrar das observações de Gerum durante o julgamento de Lula.
Pois ele advertira, naquele momento, sobre a “tropa de choque” que se formara contra a Justiça e a Operação Lava Jato, com o objetivo de livrar Lula de qualquer punição por seus crimes.
Não há dúvida do que lembra a expressão “tropa de choque” – as tropas de assalto do nazismo, as SA, os camisa-marrons.
Disse Gerum:
“A truculência dessa tropa de choque está próxima de configurar o crime de coação”, apontando que essa “tropa de choque foi criada para garantir a perpetuação de um projeto político pessoal do ex-presidente Lula”.
Que projeto?
O de instalar, parafraseando o poeta e padre Ernesto Cardenal – que denunciou o “regime orteguista” na Nicarágua -, um regime lulista no Brasil.
Não se trata desse fantasma paranoico que certa direita sente necessidade de ver em Lula, como se esse egresso do peleguismo anticomunista da época da ditadura, tivesse algo a ver com a esquerda, ou, pior ainda, com o comunismo.
Pelo contrário, assim como Ortega – ou, até mais próximo, Maduro – o projeto de Lula é ficar no poder com a aquiescência, inclusive com a preferência, da metrópole imperialista.
Sua credencial para isso é, exatamente, uma capa “de esquerda” – cada vez mais esfrangalhada, é verdade.
Mas o que isso significa para Lula & sequazes?
Significa ganhar pessoalmente, monetariamente, com a corrupção no país, eternizar-se no poder com ela, ao mesmo tempo que colocam algum Levy ou Meirelles para arrochar o povo.
Ao último, o povo, caberiam algumas migalhas, um Bolsa-família talvez reforçado ou alguns magníficos empregos de manicure ou de entregadores de pizza (com todo respeito aos trabalhadores dessas categorias).
Por isso, Lula e o PT não se importam, nem um pouco, com as instituições coletivas – acham que estão acima delas, desde as entidades de massa até às de caráter estatal, por exemplo, a Justiça.
No julgamento, disse Gerum:
“É lamentável que, no afã de se evitar uma condenação penal, recorra-se a um discurso que põe em dúvida, inclusive no âmbito internacional, a credibilidade da Justiça no Brasil e de nossas instituições como um todo.
“Mais lamentável ainda que se cogite de perseguição política como estratégia defensiva. Para se preservar um projeto pessoal, esquece-se sua história e se viola a memória de tantos e tantos presos políticos que perderam sua liberdade, e alguns até a própria vida, pelo simples pensar diferente.
“Apenas para citar alguns, Henfil, Herzog, Gil e Caetano, e no âmbito internacional, Garcia Lorca, Mandela, Gandhi, entre tantos outros que sofreram simplesmente porque dissentiam do governo, não merecem essa comparação.
“Eles nunca tiveram direito à defesa, não havia acusadores nem julgadores que pudessem assim ser chamados, mas funcionários burocratas que apenas cumpriam ordens de seus chefes.”
“A tentativa de assemelhar sob qualquer ótica [o julgamento de Lula] a julgamento político ofende não só a mim e a vossas excelências [desembargadores], mas especialmente àqueles que foram vítimas de processos políticos, de jogo de cartas marcadas por governos de plantão. Não é só ignorância histórica, é desrespeito mesmo”, disse, então, Gerum.
É preciso ser um tolo – ou um sujeito de má-fé – para negar essas verdades enunciadas pelo procurador.
CARLOS LOPES