A Câmara dos Deputados aprovou no dia 22 de junho o PL “que autoriza o BACEN a receber depósitos voluntários dos Bancos Comerciais, os quais passarão a ser uma alternativa às operações compromissadas”, conforme analisa o economista José Luis Oreiro, em artigo que reproduzimos a seguir.
A controvérsia sobre os depósitos voluntários no BACEN
JOSÉ LUIS OREIRO*
Na última terça-feira dia 22 de junho a Câmara dos Deputados aprovou o PL que autoriza o BACEN a receber depósitos voluntários dos Bancos Comerciais, os quais passarão a ser uma alternativa as operações compromissadas na regulação diária da liquidez do mercado interbancário, necessária para permitir a autoridade monetária fixar o valor da taxa Selic na meta definida nas reuniões do Copom. Importante ressaltar que os depósitos remunerados são um instrumento de política monetária utilizado tanto pelo Federal Reserve (o Banco Central dos Estados Unidos) como pelo Banco Central Europeu. Nesse aspecto, o PL está aperfeiçoando a operacionalidade da política monetária no Brasil, emparelhando-a com as melhores práticas existentes nos países desenvolvidos.
No entanto, alguns analistas criticaram o PL argumentando de que o mesmo permitiria uma (sic) redução artificial, puramente contábil, na dívida bruta do governo geral (DBGG). Isso porque, conforme a metodologia de cálculo da DBGG adotada pelo BACEN, a assim chamada “carteira livre de títulos”, ou seja, os títulos da dívida pública que não estão sendo utilizados pela autoridade monetária nas operações compromissadas não são contabilizados como parte da DBGG. Quando o BACEN precisa enxugar liquidez do mercado interbancário, ou seja, absorver as reservas em excesso dos bancos comerciais, ele vende os títulos da carteira livre para os bancos comerciais por intermédio das operações compromissadas, que nada mais são do que uma venda de títulos da carteira do BACEN com compromisso de recompra dos mesmos pela autoridade monetária ao final de um determinado período de tempo. Ao vender os títulos por intermédio das compromissadas o BACEN está aumentando a quantidade de títulos da dívida pública nas mãos do “mercado” e, dessa forma, aumentando a DBGG.
Se o BACEN puder substituir as operações compromissadas pelos depósitos voluntários; então as reservas excedentes dos bancos comerciais poderão ser depositadas diretamente no BACEN, sem que seja necessário a venda de títulos da dívida pública para o “mercado”; ou seja, sem que ocorra um aumento da DBGG. Dessa forma, as operações de regulação de liquidez do Banco Central não terão nenhum impacto na dívida pública, cuja dinâmica passará a depender exclusivamente do déficit nominal do Tesouro Nacional, ou seja, a soma entre o resultado primário do governo geral e o pagamento de juros da dívida pública.
Como o leitor já deve ter percebido, não há nada de “contabilidade criativa” no expediente dos depósitos voluntários no BACEN. Pelo contrário, as operações compromissadas, que no Brasil são realizadas pela venda de títulos do Tesouro Nacional que estão na carteira do BACEN, eram a verdadeira jabuticaba na política monetária brasileira. Isso porque a Constituição Federal veda ao BACEN a possibilidade de comprar títulos da dívida pública diretamente do Tesouro; assim para que o BACEN possa ter o volume necessário de títulos públicos para fazer as operações normais de regulação de liquidez era necessário que o Tesouro Nacional fizesse uma emissão de títulos públicos, não para financiar o déficit nominal, mas para “capitalizar” o BACEN. Dessa forma, o Tesouro poderia emitir, digamos, R$ 300 bilhões em títulos públicos, os quais seriam contabilizados no balanço do BACEN no seu passivo como “aumento de capital próprio” e no seu ativo como “carteira livre de títulos”. Enquanto esses títulos não forem vendidos ao mercado por intermédio das operações compromissadas, eles não seriam contabilizados na DBGG; assim que os mesmos fossem vendidos, então a dívida aumentaria na magnitude da venda.
Desde meados dos anos 2000 o volume das operações compromissadas do BACEN vem aumentando sistematicamente, alcançando um valor próximo de 20% do PIB. Isso ocorreu basicamente devido ao acumulo de reservas internacionais, as quais passaram de pouco mais de US$ 60 bilhões em 2005 para quase US$ 400 bilhões em 2016. A compra de reservas internacionais é um fator de expansão da base monetária e das reservas bancárias. Para manter a taxa de juros na meta definida pelo Copom, o BACEN precisou enxugar essa liquidez com a venda de títulos públicos. Dado o volume gigantesco de base monetária criada, o Tesouro teve que emitir 20% do PIB em títulos públicos, apenas para enxugar a liquidez criada pelo acumulo das reservas internacionais; ou seja, a DBGG aumentou em 20 p.p do PIB sem que isso tenha resultado de uma operação “acima da linha”, ou seja, da necessidade de financiar o déficit nominal do setor público.
Até 2012, isso não era um problema para a formulação de política econômica porque tanto o governo como o mercado financeiro acompanhavam apenas a evolução da dívida líquida do setor público, a qual já desconta o valor das reservas internacionais, anulando assim o impacto das operações compromissadas sobre a dinâmica da dívida pública. Contudo, devido as trapalhadas do Ministério da Fazenda durante o primeiro governo Dilma Rousseff com as “pedaladas fiscais”, o mercado passou a olhar para o comportamento da dívida bruta, ao invés da dívida líquida. O problema é que as “pedaladas fiscais” foram resolvidas no final de 2015, mas o mercado e os analistas econômicos continuam olhando apenas para a dívida bruta, não para a dívida líquida, como era a praxi até 2011. Qual a razão desse comportamento? Minha hipótese é de que focar na dívida bruta, ao invés da dívida líquida, dá mais credibilidade para o discurso do “abismo fiscal” que o país estaria a ponto de cair, caso não se aprove a agenda de reformas. Dessa forma, a “consistência com o erro” tem uma explicação muito clara na Economia Política: o “mercado” quer uma redução de impostos e para isso cria um “dragão debaixo da cama” que seria uma situação de insolvência do Estado Brasileiro devido a uma dívida bruta muito elevada. A adoção dos depósitos voluntários põe “água no chope” dessa narrativa pois permitiria uma redução significativa da dívida bruta (não da dívida líquida), atenuando assim a situação de “emergência fiscal” que o mercado quer vender para os políticos e para a sociedade brasileira.
Em suma, a criação dos depósitos voluntários é bem-vinda do ponto de vista da melhoria da operacionalidade da política monetária no Brasil, além de tornar mais transparente a situação das contas públicas no Brasil, separando o aumento da dívida pública que resulta do déficit nominal, daquele que foi gerado unicamente para permitir ao BACEN conduzir as operações normais de política monetária. Isso não tem nada de contabilidade criativa. Trata-se de bom senso, temperado pela boa teoria econômica.
*José Luis Oreiro é economista e professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília.
O artigo foi reproduzido da página do autor na internet
Ao que parece a substituição das operações compromissadas pelos depósitos voluntários corrigi uma falha na contabilização dos títulos da dívida pública, conforme demonstra o professor Oureiro.
A mudança, no entanto, mantém a remuneração dos saldos de caixa diários dos bancos. Um “over night” injustificável.