
A mídia internacional e suas congêneres locais, invariavelmente, com raras e pouquíssimas exceções, tem tratado, quando o assunto é a República Popular Democrática da Coreia, a Coreia do Norte, com má-fé, preconceito ou, mesmo, ignorância.
Basta ter a mente aberta, despossuída de pré-conceitos difundidos amplamente pelos instrumentos de comunicação dominados pelo império e seus satélites, para, simplesmente, apresentar aos leitores a realidade como ela é e não como imaginam que seja.
O objetivo inconfessável de sempre é atender aos interesses geopolíticos das potências que, há décadas, insistem em estimular a divisão coreana, mantendo, criminosamente, sanções econômicas sobre a República do Norte, simplesmente porque o país fundado por Kim Il Sung, desde seu surgimento, após a expulsão dos colonizadores japoneses, ainda em 45, jamais se submeteu às pressões e aos desígnios externos e manteve soberanamente seu desenvolvimento, em que pese as imensas dificuldades impostas por esses embargos.
A situação se agravou quando os EUA tiverem que render-se a um armistício após o conflito militar que se estendeu de 1950 a 1953, embora o “fim da guerra” não tenha sido declarado até hoje. Foi a primeira vez, depois da 2ª Grande Guerra, que o império norte-americano beijou a lona, o que acabaria se tornando o prenúncio da humilhante e desastrosa derrota dos estadunidenses na contenda seguinte que teve como o palco o Vietnã com seu corajoso povo.
Zoe Stephens, uma britânica de 27 anos, visitou a Coreia do Norte pela primeira vez em 2015. A viagem parece ter encantado Zoe que se tornou, na sequência, guia turística ao retornar ao Reino Unido, mudando-se do Japão, onde morava, para a China. De lá para cá, já visitou a terra do líder Kim Jong Un pelo menos 30 vezes.
Em recente entrevista ao portal g1, ela discorre à repórter Fabiana de Carvalho de forma absolutamente isenta sobre a realidade que encontrou na Coreia Socialista, onde já fez muitos amigos e colecionou inúmeras experiências.
Zoe mantém um canal no YouTube e um perfil no Instagram, onde é possível ver registros de suas viagens.
Pela jeito simplesmente honesto com que Zoe Stephens apresenta seu testemunho, nada melhor do que reproduzir, na íntegra, a entrevista concedida ao g1, para que os próprios leitores conheçam a realidade daquele país pelo olhar de uma fonte isenta e não pelas lentes corrompidas do império.
(MAC)
Segue a entrevista
Quando você visitou a Coreia do Norte pela primeira vez, estava morando no Japão. Por que decidiu ir, quando e como foi? E o que achou mais surpreendente ao chegar lá?
Zoe – Sim. Foi durante a crise de refugiados na Europa, em 2015. Havia acontecido alguns ataques terroristas no Reino Unido, que estava em estado de alerta alto. Quando conhecia alguns japoneses, eles me diziam “uau, você é de lá? Eu adoraria conhecer, mas é muito perigoso agora…”. Eu achava que as pessoas estavam descrevendo o Reino Unido como se fosse uma zona de guerra aterrorizante e aquilo realmente me chocou, já que eu achava tudo normal lá. Percebi que aquilo tinha muito a ver com o que a mídia japonesa estava falando sobre o Reino Unido. Pensei, se a mídia tem tanto poder para descrever o Reino Unido assim, talvez ela não seja tão precisa em outros lugares também.
Decidi que queria ver a Coreia do Norte por mim mesma, e ver se a mídia criava um retrato preciso. Bem, o que encontrei lá é que é na verdade bem…normal. É “agradavelmente nada assombroso” como eu geralmente descrevo.
Com toda a mídia glorificando os foguetes e armas nucleares, é fácil esquecer que pessoas de verdade estão ali apenas vivendo suas vidas rotineiras. E é isso que você vê quando vai lá.
A partir de então, decidi que gostaria de mostrar esse lado da Coreia do Norte para outras pessoas.
Quanto tempo você morou no Japão? O que fazia lá? E como foi parar na China? Você tem uma atração especial por países asiáticos?
Eu fui morar no Japão para estudar japonês como parte de um intercâmbio para o meu diploma de bacharel. Voltei para a Inglaterra inicialmente por um ano para completar os estudos e depois fui para a China. A Ásia nunca foi parte do meu plano. Estudei japonês pelo amor por idiomas e por querer me desafiar. A partir daí consegui um emprego para trabalhar com turismo na Coreia do Norte, o que naturalmente me levou à China. Eu nunca pensei que ia gostar da China – no final, é agora meu país favorito.
Como você começou a fazer os tours pela Coreia do Norte? Houve algum tipo de treinamento oficial? E existe algum monitoramento ou controle do seu trabalho?
Quando estava terminando meus estudos na Inglaterra vi que a empresa de turismo com a qual estive na Coreia estava contratando. Me candidatei e o resto é história! Me mudei para a China para começar no novo emprego. Fui a dois tours e na terceira vez (minha quarta visita ao país) eu comandei o primeiro por conta própria. Não existe nenhum monitoramento, realmente. Claro, como uma guia lá, você deve seguir as regras que espera que os outros também sigam.
Quem são seus principais clientes? Que tipo de turistas visitam a Coreia do Norte e quais suas expectativas? Eles costumam se surpreender?
Eu geralmente encontro três tipos de pessoas: colecionadores de países ou alguém que quer ‘riscar o nome da lista’, ou alguém que quer parecer legal e ousado. O tipo seguinte é gente interessado em política e sistemas políticos, alguns interessados ou apoiadores em governos socialistas etc. E o terceiro tipo, que eu diria ser o mais comum, são turistas como eu, que querem ver o país com seus próprios olhos.
As pessoas vêm de todas as partes do mundo, mas principalmente da Austrália, Reino Unido e alguns países europeus. Mas em um grupo você pode ter até dez nacionalidades – também alguns brasileiros!
Acho que o mais surpreende as pessoas é o mesmo que me surpreendeu. Não é tudo paradas militares malucas, não é tão rigoroso, você pode fotografar as coisas, existem apenas pessoas normais vivendo suas vidas no dia a dia. E principalmente que nem tudo é “apenas um show”.
Do que você mais gosta na Coreia do Norte? E qual a parte mais difícil de se trabalhar (ou estar) lá? O que você mudaria no país, se pudesse?
Eu simplesmente gosto das pessoas, e de mostrar ao mundo o elemento humano desta sociedade que muitas vezes alienamos como sendo toda louca e vítima de uma lavagem cerebral.
São pessoas normais, que adoram beber, dançar, cantar e se divertir. Eles brincam, falam sobre sexo, ficam mal-humorados, ficam cansados, riem e choram. Eu amo mais o aspecto humano.
Faz com que a gente se sinta realmente humilde poder ver os aspectos de ser um humano verdadeiramente nos unindo onde quer que estejamos e de onde quer que estejamos.
Muitas vezes as pessoas pensam que filmar e fotografar ali deve ser difícil. Honestamente, as únicas vezes que sou questionada sobre filmar as coisas é se não estou com um grupo de turistas e estou filmando muito sozinha. Alguém no lugar pode ficar curioso sobre porque estou filmando tanto – e com razão.
Muitas vezes eles estão cientes de que há muita mídia negativa sobre eles, então eles são muito sensíveis, eles podem pensar que eu sou uma jornalista ou algo assim, então eles vão perguntar a mim ou aos guias. Nunca é um problema, mas eles só querem saber o que está acontecendo. Se estou com um grupo de turistas, é óbvio que são apenas um bando de turistas, então está tudo bem.
É principalmente sobre a compreensão da cultura e como as coisas são feitas lá. Se eu andar por aí com uma câmera ligada o tempo todo ou apontar minha câmera para os rostos das pessoas sem perguntar, é claro que posso ser solicitada a parar de filmar em algum lugar. Mas, contanto que eu seja respeitosa e talvez pergunte com antecedência, então é claro que está tudo bem. Todos os lugares em que filmei, qualquer pessoa pode filmar. Não tenho nenhuma permissão especial.
O único “acesso especial” que posso ter é que conheço algumas pessoas, então elas ficam felizes em fazer alguma entrevista comigo, porque confiam em mim e confiam no que farei com elas. E não fariam o mesmo com um estranho.
O aspecto mais difícil seria… provavelmente ter que sair sem ser capaz de manter contato facilmente com as pessoas de lá. Seria muito mais fácil planejar tours etc, se eu pudesse apenas ligar para eles ou mandar uma mensagem de texto sempre que eu quisesse. Se eu tivesse a chance, adoraria visitar a casa de um de meus colegas – tomar um chá e conhecer sua família ou algo assim.
Com que frequência você costumava visitar o país antes da pandemia? E quantas vezes acha que já esteve lá?
Eu costumava ir em média uma vez por mês. Às vezes várias vezes em um mês, nenhuma no seguinte. Como é normal em turismo, há temporadas mais cheias. No total, estive lá umas 30 vezes.
Quais são suas melhores lembranças da Coreia do Norte? E você já teve alguma experiência assustadora ou perigosa no país?
Parece mentira, mas realmente nunca tive nenhuma experiência de medo ou perigo. Desde que você respeite as regras, é muito seguro. E, claro, como guia, eu certamente as respeito. O perigo acontece quando membros de um grupo fazem algo que não devem – o que aconteceu algumas vezes, mas somos treinados sobre como agir e os guias norte-coreanos trabalham conosco para ajudar a resolver essas questões.
Minha lembrança favorita que sempre me recordo é minha estada durante o Ano Novo de 2019 para 2020. E é minha época favorita por apenas um reveillon mediano (ok, mais do que mediano!!!). Tudo que você espera de um reveillon aconteceu. Multidões com pessoas apenas querendo se divertir, ficando um pouco embriagadas, bandas e celebrações em uma grande praça, estranhos dançando e cantando juntos, fogos de artifício estourando… eu e meus colegas formamos um pequeno grupo com alguns universitários e cantamos juntos e assistimos aos fogos à meia-noite. Por alguns minutos, parecia que podíamos estar em qualquer lugar do mundo. Tenho um vídeo disso que vou publicar em breve no meu canal do YouTube. É de longe meu vídeo favorito.
Você tem amigos na Coreia do Norte? Como se comunica com eles quando está fora do país? Eles têm autorização para manter contato?
Eu gosto de pensar que tenho alguns bons amigos lá sim. É fácil quando estou entrando e saindo a cada poucas semanas. Você passa muito tempo com os guias quando está nos tours (às vezes 24 horas por dia, a semana inteira), trabalhando junto durante o dia e tomando cervejas à noite. Você vai embora, mas volta logo, então é fácil manter relacionamentos que poder ficam bastante fortes.

Mas, quando não estou no país, não posso contatá-los de forma alguma. Claro, podemos fazer contato com a companhia de viagens para propósitos comerciais, mas não simplesmente ligar e bater papo. Isso foi difícil para mim inicialmente, no começo da pandemia. Eu logicamente me preocupei em saber como estavam meus amigos e colegas. Ainda me preocupo.
Você já cogitou morar na Coreia do Norte algum dia?
Sim e não. Morar lá é uma história completamente diferente. O período mais longo que já passei lá foi pouco mais de um mês e foi duro. Se você vive lá, porém, você tem tantos direitos e liberdades diferentes – é muito diferente. Você tem um passe para sair por aí sozinha e visitar o mercado. Como turista, você não tem isso. Então isso, com certeza, seria interessante. Mas, no final das contas, eu não iria simplesmente fazer as malas e ir para lá. Eu teria que ter uma razão para viver ali, talvez algum projeto ou trabalhar para a embaixada britânica. Então, nunca diga nunca, mas atualmente não tenho planos para isso.
Você gravou um vídeo para explicar sua posição ética sobre promover a Coreia do Norte. Com que frequência as pessoas te questionam sobre isso? E como você costuma reagir?
Muita! É sempre uma discussão quente. As pessoas são muito passionais sobre isso. Mas o que lamento é que as pessoas têm uma opinião tão forte sobre algo que entendem tão pouco… elas falam principalmente a partir do ponto de vista do que ouviram na mídia, e não fazem suas próprias investigações. Todos têm direito a suas opiniões e eu certamente respeito quem pensa que não é ético. Posso entender por que, mas o que não posso entender é gente que defende firmemente esse ponto de vista sem ter feito sua própria pesquisa.
Meu vídeo tem 30 minutos, então poderia escrever uma longa resposta para isso… mas em geral apenas dou às pessoas a minha resposta honesta e simples. Acredito que o turismo faz mais bem do que mal à Coreia do Norte. Simples assim. E se você quer saber porque acredito nisso… você pode assistir ao vídeo!
E, finalmente, como guia profissional, quais seriam seus 10 lugares turísticos favoritos na Coreia do Norte?
Bem, isso certamente depende do que você depende fazer, para ser honesta. Claro, existem os pontos principais, monumentos que não se pode perder. Mas darei minha opinião pessoal, vinda de alguém cuja atividade favorita no exterior é simplesmente fazer o que os locais fazem, visitar os lugares e abraçar a vida por lá.
1. Supermercado Kwangbok
Um supermercado local com produtos norte-coreanos e uma praça de alimentação e banquinhas de comida com cerveja e churrasco – muito divertido, especialmente no verão! Você pode simplesmente relaxar e curtir com os locais.
2. Parque de Diversões Mangyongdae
Um parque de diversões legal onde você pode passear nos brinquedos com moradores e crianças que saem da escola. Apenas um lugar divertido para se estar!
3. Museu da Guerra
O único museu que vou citar porque é realmente muito, muito bom e ajuda a entender o lado norte-coreano da história – além de ser um museu incrivelmente impressionante.
4. Metrô de Pyongyang
Veja com seus próprios olhos se os boatos são reais – ele é realmente de mentira? Obviamente não… na verdade, muitas de suas estações são incrivelmente bonitas.
5. Chilbosan
Uma bela região montanhosa no nordeste com caminhadas incríveis. Aqui você também pode hospedar-se na casa de uma família norte-coreana!
6. Kumgangsan
Outra bela cordilheira com caminhadas imbatíveis.
7. Nampo
A apenas uma hora de Pyongyang, você chega à área rural de Nampo. A pousada aqui é como voltar no tempo – um spa quente onde você pode desfrutar de um churrasco “a gasolina” de amêijoas. Uma Experiência muito legal!
8. Cafés
Simplesmente passe um tempo nos muitos cafés de Pyongyang ou para uma experiência mais “local” e menos de “elite” vá para um dos muitos…
9. …Bares!
Todo mundo adora uma boa bebida – e especialmente os coreanos. Brinde com um local e experimente as várias cervejas locais norte-coreanas.
10. Estádio Dia de Maio/Mass Games
Se você tiver a chance de ver o incrível espetáculo do Mass Games, não perca! Ele acontece no que os coreanos afirmam ser o maior estádio do mundo – o Estádio do Dia de Maio.