VALÉRIO BEMFICA*
“Tá lá o corpo / Estendido no chão
Em vez de rosto uma foto / De um gol
Em vez de reza / Uma praga de alguém
E um silêncio / Servindo de amém…”
Em alguns momentos a pena ferina de artistas como Aldir Blanc é insubstituível para descrever a realidade. Junto a um Brasil estarrecido que contempla as brasas que sobraram do Museu Nacional, um seleto grupo encontra-se “De Frente Pro Crime”. Faz cara de paisagem, finge não ter nada a ver com o fato, lamenta-se.
Chega a ser engraçado ouvi-los: “Foi a queda de um balão!”, brada o Sinistro da Cultura, por trás de seus bigodes a la Gomez Addams (caçar baloeiros é função da polícia, logo é ela a culpada). “Foi deficiência dos bombeiros”, grita o Magnífico Reitor (precisamos treinar melhor nossos combatentes do fogo). O Bispo-Alcaide propõe “recompor” o acervo, “ainda que não seja o original” (que tal abrir no lugar uma sucursal do Templo de Salomão, do titio?). Temer, lembrado da existência de um Museu Nacional pelo incêndio, concluiu que “Hoje é um dia trágico para a museologia de nosso país.” (como se trágicos, para o conjunto dos brasileiros, não tivessem sido todos os dias desde que ele se aboletou no Planalto!). O Ministério da Educação, ocupado por alguém cujo nome ignoramos, informou que “não medirá esforços para auxiliar” a UFRJ “no que for necessário para a recuperação desse nosso patrimônio histórico” (que alívio…). Finalmente, o ocupante das Laranjeiras mostrou-se desconsolado: “Difícil expressar tamanha perda” (dito, talvez, pensando em fazer uma reforminha em Bangu, para que não tenha destino semelhante: sempre é bom pensar no futuro).
Tão risíveis quanto, foram as declarações de alguns presidenciáveis. O Geraldinho disse que o incêndio “agride a identidade nacional”. Na tradução: “poupou-me trabalho”. Não esquecendo que os terceirizados Museu da Língua Portuguesa e Liceu de Artes e Ofícios, além do Memorial da América Latina, viraram fogueira na gestão do moço. O João Ai-Que-Medo considerou que “É muito triste ver o nosso patrimônio histórico em chamas.” Traduzindo: “se caísse na minha mão, eu tinha privatizado aquelas velharias”. Consternado, o tal do Andrade declarou: “Lamentável o descaso com o patrimônio histórico….” Subtexto: “Tomara que esqueçam que eu fui sete anos Ministro da Educação – responsável pela UFRJ e pelo Museu Nacional – e que eles continuaram à míngua”. Já o Henriquinho do Temer declarou ser “muito triste saber do incêndio do Museu Nacional”. Legenda: “Por favor, não achem que isso tem alguma coisa a ver com o arrocho fiscal”. O Capitão não se manifestou, o que, convenhamos, é um favor que faz a todos nós.
Um mar de cinismo e hipocrisia. Todos fazem de conta que não sabem que a bicentenária instituição tem para sua manutenção R$ 520 mil anuais (R$ 43,3 mil por mês). Até as múmias destruídas do Museu sabiam que tal valor é absolutamente irrisório, insuficiente até para remendos esporádicos. Mas nem a esmola orçamentária era cumprida: nos últimos governos nem mesmo isso pingava nos cofres do Museu. Em 2018 o Governo Federal destinou-lhe R$ 54 mil. Decerto acompanhados por uma recomendação para evitar o desperdício. Assim, nem toda a abnegação e dedicação de seus técnicos e funcionários resolve. Todos os acima citados poderiam ter evitado a tragédia. Governo Federal, Ministérios da Educação e da Cultura, Governo Estadual, Prefeitura – todos – poderiam, ao longo dos últimos anos, ter viabilizado a recuperação do Museu Nacional. Nenhum fez nada. Não adianta esconderem-se atrás de desculpas como atribuição de outros entes federados, falta de parcerias com a iniciativa privada, licitações não concluídas, licenças não obtidas, contingenciamentos orçamentários. Deixaram a história do Brasil arder, um pouco por incompetência, muito por roubo dos recursos públicos, mas, principalmente, por descaso com o patrimônio nacional.
A questão principal é a ideológica. Aqueles que ocuparam os principais cargos da República nos últimos anos têm um profundo desprezo por tudo o que é Nacional. O Museu pecava por trazer a palavra Nacional no nome. Que interesse têm Temer e seus sequazes, Dilma, Lula e corriola, Cabral, Pezão, Paes, Crivella, Alckmin e todo o resto da quadrilha em defender qualquer coisa que seja nacional? Eles têm se dedicado a destruir a Nação, seja no plano material, seja no plano simbólico. Entregam nossas riquezas – o pré-sal, a Amazônia, as estatais, as estradas, os aeroportos, os minérios e tudo o mais que conseguirem – ao capital internacional sem a menor vergonha. Declaram aos quatro ventos que o Nacional cheira a mofo, que os ventos internacionais é que são modernos, tudo isso com o aplauso da imprensa pseudo brasileira.
O Museu Nacional guardava em seu acervo nossa história política, exemplos de nossa pré-história, de nossa fauna, de nossa flora, elementos importantes de nossa antropologia, de nossa arqueologia. Vinte milhões de itens em seu acervo! Mas esta turma não quer saber dos elementos que constituíram a nossa independência. Está pouco se lixando para Luzia, nossa antepassada primeira. Não dão a menor bola para os primórdios da República, os documentos da Era Vargas, para os exemplares da nossa biodiversidade, para a busca do nascente Brasil por suas relações com o resto da humanidade. Porque tudo o que cheira a Nação lhes dá ojeriza. O que realmente querem é vender tudo o que puderem, queimar o resto, esquecer que um dia fomos Nação – e mudar-se para Miami. Museus o primeiro mundo já tem…
No fundo, sentem-se aliviados com o que aconteceu. Não gostam do Brasil, não veem sentido na existência de um Museu Nacional. Para eles, a culpa é do defunto: Quem mandou ter Nacional no nome? Mas não adianta a gangue PSDB-PT-PMDB fazer de conta que não é com eles, torcer para que um silêncio sirva de amém. São eles os culpados pelo incêndio, todos e cada um. O Museu Nacional, assim como a Nação Brasileira, não será destruído. Foi construído pelo esforço do Povo Brasileiro e será por ele reconstruído. Já o projeto neoliberal que eles representam não há de sobreviver às próximas eleições.
- Presidente do CPC-UMES