CARLOS LOPES
É inútil procurar o desenvolvimento de uma ética – ou de uma filosofia – nela própria. Uma demonstração prática de tal inutilidade é a influência do marxismo – portanto, da ética revolucionária – após a II Guerra Mundial.
Essa influência existiria sem a importância que a URSS conquistou na luta contra o nazismo?
Certamente, não se poderia falar dessa influência, se o nazismo vencesse a guerra. Mas, além disso, seria possível essa influência, no ocidente, sem que a URSS fosse o destacamento decisivo – e o território decisivo – na luta contra o nazismo?
Antes que o leitor nos pergunte: a que influência estamos nos referindo?
Àquela que fez Jean-Paul Sartre escrever, no final da década de 50 do século passado:
“… considero o marxismo como a insuperável filosofia de nosso tempo” (cf. Sartre, Questões de Método, in Crítica da Razão Dialética, trad. de Guilherme João de Freitas Teixeira, DP&A, 2002, p.14).
Ou, mais adiante, no mesmo texto:
“Com frequência, tenho observado o seguinte: um argumento ‘antimarxista’ não passa do rejuvenescimento aparente de uma ideia pré-marxista. Uma pretensa ‘superação’ do marxismo limitar-se-á, na pior das hipóteses, a um retorno ao pré-marxismo e, na melhor, à redescoberta de um pensamento já contido na filosofia que se acreditou superar. Quanto ao ‘revisionismo’, trata-se de um truísmo ou de um absurdo: não há motivo para readaptar uma filosofia viva ao curso do mundo; por si mesma, ela opera tal adaptação através de mil iniciativas, mil pesquisas particulares, porque está intimamente ligada ao movimento da sociedade” (idem, p. 21).
Este é o mesmo pensador que, antes da II Guerra, nem mesmo considerava que a história existia. Aliás, não é o mesmo pensador.
Sob a influência de Heidegger – convertido ao nazismo desde a subida de Hitler ao poder – Sartre tentara uma suposta terceira via filosófica, cujo principal traço era se contrapor ao marxismo, que, na época, conquistava uma parte da intelectualidade francesa, inclusive seu amigo Georges Politzer:
“[Simone de] Beauvoir recorda uma discussão acirrada no Café Balzar entre Sartre e seu amigo filósofo Georges Politzer. Judeu húngaro que emigrara para a França aos 18 anos, Politzer era muito mais consciente politicamente que Sartre. Mostrava que Sartre era em tudo um produto da burguesia francesa. Sartre dizia que aquilo era um absurdo. Desprezava a burguesia. Um intelectual podia transcender ideologias de classe e ele mesmo fizera isso. Sua simpatia ia para a classe trabalhadora. Sentia-se mais confortável no meio do povo. Politzer discordava. ‘A cabeleira ruiva de Politzer brilhava como fogo, e dele saía uma torrente de palavras’, diz Beauvoir, ‘mas ele não convenceu Sartre’” (Hazel Rowley, Tête-à-tête: Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre, trad. Adalgisa Campos da Silva, Objetiva, 2011).
Politzer, membro da Resistência, seria assassinado pelos nazistas durante a ocupação da França.
Foi, também, a ocupação nazista que colocou a posição de Sartre, um beco sem saída, em crise.
O próprio Sartre iria reconhecê-lo em “Os Caminhos da Liberdade”, trilogia de romances, sobretudo no primeiro deles, “A Idade da Razão”, de 1945, que transcorre, ainda, no pré-guerra.
INFLUÊNCIA
A vitória contra o nazismo foi a base da influência, depois da II Guerra, da “ética revolucionária” nos países capitalistas centrais.
O exemplo de Sartre, independente das trilhas que ele, depois, seguiu, é característico.
Existem, também, exemplos no sentido oposto – que levam à mesma conclusão pelo seu conteúdo negativo.
Durante um congresso do PT, um de seus principais dirigentes – inclusive, presidente da Câmara dos Deputados – ao enumerar os méritos históricos de seu partido, colocou em primeiro lugar “a crítica ao socialismo real”, ou seja, o ataque à URSS, que, na época, nem existia mais (esse congresso foi já no governo Lula, em meio à crise conhecida como “mensalão”).
A intervenção do deputado não era surpreendente, pois é público que o PT reuniu uma plêiade de anticomunistas que era de amargar – a começar pelo seu principal líder, egresso do peleguismo anticomunista e antinacionalista com que a ditadura quis substituir os sindicalistas perseguidos desde 1964.
O formidável (em mais de uma acepção da palavra) é que mesmo alguns anos depois da queda da URSS, esta ainda era a preocupação principal de um dirigente do PT – para atacá-la.
A derrocada ética da cúpula petista, que ainda se arrasta no momento, não é estranha a esse anticomunismo, que se revelou como rejeição da ética revolucionária, desde o início – mas aqui, é forçoso concluir, essa derrocada também foi uma rejeição da ética cristã, o outro referencial, no campo moral, que restou nos países capitalistas centrais, dos quais o PT é uma espécie de espelho subdesenvolvido, após a II Guerra.
Que essa derrocada ética tenha sido coberta, também desde o início, de proclamações supostamente “de esquerda”, não tem a menor importância – exceto para os tolos.
Mas, vejamos somente mais um pouco a base da influência ética da URSS – que, se antes da II Guerra era grande e crescente, tornou-se imensa depois desse devastador conflito.
Não era para menos.
Olhemos a Larousse, verbete “Segunda Guerra mundial”:
“A Alemanha”, diz essa enciclopédia, “perdeu 4,4 milhões de militares (incluindo os austríacos), 3,5 milhões dos quais na frente russa”.
Se faltasse ainda alguma prova de onde o nazismo foi decisivamente derrotado, bastariam esses números.
É verdade que essas provas não faltam nem jamais faltaram.
Como escreveu nosso maior poeta do século XX:
“Stalingrado, miserável monte de escombros, entretanto resplandecente!
As belas cidades do mundo contemplam-te em pasmo e silêncio.
Débeis em face do teu pavoroso poder,
mesquinhas no seu esplendor de mármores salvos e rios não profanados,
as pobres e prudentes cidades, outrora gloriosas, entregues sem luta,
aprendem contigo o gesto de fogo.
Também elas podem esperar.
“Stalingrado, quantas esperanças!
Que flores, que cristais e músicas o teu nome nos derrama!
Que felicidade brota de tuas casas!
De umas apenas resta a escada cheia de corpos;
de outras o cano de gás, a torneira, uma bacia de criança.
Não há mais livros para ler nem teatros funcionando nem trabalho nas fábricas,
todos morreram, estropiaram-se, os últimos defendem pedaços negros de parede,
mas a vida em ti é prodigiosa e pulula como insetos ao sol,
ó minha louca Stalingrado!”
(Carlos Drummond de Andrade, Carta a Stalingrado)
LUTA
Há uma debilidade – e uma debilidade fundamental – nas análises de Perry Anderson, seguidas em muito por Ciro Flamarion Cardoso, sobre o “recuo” do marxismo no ocidente, sobretudo na França, mas também na Itália.
Como ambos engolem, sem maiores questionamentos, o ataque contrarrevolucionário de Kruschev a Stalin (é inútil procurar o que esses autores querem dizer com “stalinismo”, embora a conotação seja sempre ruim), esse “recuo” do marxismo parece sem explicação, mais ou menos como uma tendência espontânea (eles, é claro, não dizem isso, mas na medida em que o “recuo” a que se referem não é explicado historicamente, sua análise apresenta um flanco perigosamente exposto).
Notemos que o ataque à URSS – isto é, ao período de construção do socialismo e da vitória sobre o nazismo, condensado historicamente na figura de Stalin – foi, exatamente, no campo ético, no campo moral. Precisamente no campo em que, de maneira mais evidente, a URSS e o marxismo tinham demonstrado, sobretudo na II Guerra – mas não apenas – sua superioridade, eles foram atacados (e pelas costas, ou seja, por dentro do próprio PCUS).
Anderson tem razão ao mostrar que não era difícil ao marxismo vencer a luta ideológica contra o estruturalismo, no início dos anos 60.
Apenas, essa luta não foi travada – exceto em trabalhos secundários, que estão longe de atingir a mosca do alvo (v., por exemplo, o livro de Caio Prado Júnior, Estruturalismo de Levi-Strauss – Marxismo de Louis Althusser, Brasiliense, 1971).
Então, a questão é: por que essa luta não foi travada?
Anderson acaba por dar uma resposta no campo puramente teórico – atribuindo o sucesso do estruturalismo entre a intelectualidade, no início da década de 60, a uma brecha teórica que Marx teria deixado aberta.
Literalmente:
“Podemos ver isso imediatamente ao refletirmos sobre a permanente oscilação, a potencial disjunção nos próprios textos de Marx entre sua atribuição do papel de motor primário da transformação histórica à contradição entre as forças produtivas e as relações de produção, de um lado – pense-se na famosa “Introdução” de 1859 à Contribuição à Crítica da Economia Política –, e, de outro, à luta de classes – pense-se no Manifesto Comunista” (P. Anderson, op. cit., p. 39).
Aqui, Anderson revela as limitações de seu marxismo – ou seja, aquilo em seu pensamento que nada tem de marxista.
Marx era um pensador demasiado rigoroso para não ter percebido essa brecha, se ela existisse. Porque trata-se, nada mais nada menos que do “motor” da mudança histórica, vale dizer, da revolução. Exatamente o lugar da teoria que Marx não poderia deixar a descoberto, sem uma definição precisa, sob pena de invalidar toda a teoria da revolução e da história. Tudo o que se chama “materialismo histórico” depende dessa definição.
Então, examinemos essa questão.
O pressuposto, a premissa, para que exista a luta de classes é, evidentemente, a existência de classes na sociedade.
Mas o que determina a existência de classes na sociedade – e, portanto, da luta de classes?
As relações sociais de produção, a associação – determinados modos de associação – entre os seres humanos, para produzir, para sobreviver através da produção de meios de vida.
O que define, enquanto classe, a burguesia – ou a classe operária – é sua posição nas relações de produção, a primeira como proprietária dos meios de produção, a segunda como possuidora, no que concerne à produção, somente de sua força de trabalho.
Logo, a luta de classes, e, mais, a agudização da luta de classes – sem a qual não há transformação histórica, não há revolução – é uma expressão do conflito entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção.
No próprio prefácio da Contribuição à Crítica da Economia Política, citado por Anderson, isso está claro (abaixo, dividiremos o texto de Marx em vários parágrafos, para facilitar o entendimento dos leitores mais jovens):
“… na produção social da própria existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade; essas relações de produção correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais.
“A totalidade dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência.
“O modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e intelectual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência.
“Em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o que não é mais que sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais elas se haviam desenvolvido até então.
“De formas evolutivas das forças produtivas que eram, essas relações convertem-se em entraves. Abre-se, então, uma época de revolução social.
“A transformação que se produziu na base econômica transforma mais ou menos lenta ou rapidamente toda a colossal superestrutura.
“Quando se consideram tais transformações, convém distinguir sempre a transformação material das condições econômicas de produção – que podem ser verificadas fielmente com ajuda das ciências físicas e naturais – e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas ideológicas sob as quais os homens adquirem consciência desse conflito e o levam até o fim.
“Do mesmo modo que não se julga o indivíduo pela ideia que de si mesmo faz, tampouco se pode julgar uma tal época de transformações pela consciência que ela tem de si mesma. É preciso, ao contrário, explicar essa consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito que existe entre as forças produtivas sociais e as relações de produção”.
A luta de classes, é claro no texto de Marx, pertence ao nível da superestrutura (como é dito no Manifesto Comunista: “toda luta de classes é uma luta política”, ou seja, uma luta pelo Estado).
O conflito entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção pertence à infraestrutura, à base econômica.
Por isso, Marx não “oscilou” entre atribuir o motor da história à “contradição entre as forças produtivas e as relações de produção” ou à “luta de classes”.
A questão é, propriamente, que uma é a base da outra. Daí o termo “materialismo histórico” – ou seja, a conclusão científica de que a história, constituída pela luta de classes, tem uma base material, constituída pelas forças produtivas e relações de produção.
Existe uma diferença de 11 anos entre o Manifesto Comunista (1848) e a Contribuição à Crítica da Economia Política (1859). Apesar disso, já na primeira dessas obras, a luta de classes está diretamente relacionada com a modificação das relações de propriedade:
“As proposições teóricas dos comunistas não repousam de modo nenhum em ideias, em princípios, que foram inventados ou descobertos por este ou por aquele melhorador do mundo.
“São apenas expressões gerais de relações efetivas de uma luta de classes que existe, de um movimento histórico que se processa diante dos nossos olhos. A abolição de relações de propriedade até aqui não é nada de peculiarmente característico do comunismo.
“Todas as relações de propriedade estiveram submetidas a uma constante mudança histórica, a uma constante transformação histórica.”
PERSISTÊNCIA
Então, se é assim, por que Anderson atribui uma “oscilação” teórica a Marx e aos marxistas, que seria responsável (“no primeiro momento”, diz ele) pela “vitória” do estruturalismo sobre o marxismo, no início da década de 60?
Porque seu problema aqui – ainda que inconsciente – é agarrar-se de algum modo ao anti-stalinismo, característico de certa “esquerda”, anti-stalinismo que não passa de anticomunismo ou anti-marxismo.
Hoje, após a queda da URSS, é mais fácil de perceber o que significou o ataque a Stalin – na verdade, um ataque ao marxismo. Até mesmo um neo-hegeliano na tradição de Benedetto Croce, como Domenico Losurdo, escreveu um livro interessante sobre Stalin e o anti-stalinismo (v. Stalin: Storia e critica di una leggenda nera, Carocci, 2008; para os leitores interessados nesse tema decisivo da História, recomendamos: Claudio Campos, A História Continua, 1ª ed., 1992, 2ª ed., Fundação Instituto Claudio Campos, 2015; e, também, Ludo Martens, Un Autre Regard Sur Staline, EPO, 1994).
Porém, Anderson, quando escreveu seu livro, não superara o esmagamento ideológico que acometeu a alguns após o XX Congresso do PCUS. E, para dizer a verdade, é pouco provável que o supere.
Contraditoriamente, isso não impediu que sua análise trouxesse, ainda que dentro de estritos limites, uma contribuição a aspectos importantes dessa discussão.
É o caso, por exemplo, de sua abordagem do próprio conteúdo do estruturalismo.
LINGUAGEM
O estruturalismo de Lévi-Strauss, que invadiu os cadernos culturais dos jornais e as cátedras de “humanas” das universidades no início da década de 60, é uma transposição para a antropologia, e depois para a economia, da teoria linguística de Ferdinand de Saussure – passando por cima das advertências deste, que alertara contra essas transposições.
Na teoria linguística de Saussure, o “fator mediador”, que leva a “mensagem”, são, evidentemente, as palavras.
Como faz Lévi-Strauss para transplantar essa teoria para a antropologia? Como faz para tratar as relações de parentesco como “uma espécie de linguagem”?
Simplesmente, substituindo as palavras pelas mulheres.
Escreve Lévi-Strauss:
“Toda a demonstração, cujas principais articulações recapitulamos acima, pode ser levada a bom termo com uma condição: considerar as regras de casamento e os sistemas de parentesco como uma espécie de linguagem, ou seja, um conjunto de operações destinadas a garantir um certo tipo de comunicação entre os indivíduos e os grupos. O fato de aqui a ‘mensagem’ ser constituída pelas mulheres do grupo que circulam entre os clãs, linhagens ou famílias (e não, como na linguagem em si, pelas palavras do grupo circulando entre indivíduos) não altera em nada a identidade do fenômeno, considerado em ambos os casos” (cf. Claude Lévi-Strauss, Antropologia Estrutural, trad. Beatriz Perrone-Moisés, Cosac Naify, 2014, pp. 72-73, grifos nossos).
Sem a condição de considerar as mulheres como “mensagem”, tal como as palavras o são na língua, a teoria de Lévi-Strauss sobre o parentesco não existe.
Premissas desse tipo são fáceis de estabelecer. Mas não dizem nada sobre a verdade – ou seja, sobre a realidade, exceto que existem acadêmicos que são muito imaginosos ao estabelecer premissas que só existem em suas cabeças.
Como diz Anderson, depois dessa transformação do parentesco em linguagem, “a própria economia foi então incluída, sob a rubrica de uma troca de bens que formava um sistema simbólico comparável à troca de mulheres nas redes familiares e à troca de palavras na linguagem”.
Em seguida, “a próxima grande ampliação do modelo linguístico foi, naturalmente, a reformulação da teoria psicanalítica por Lacan. ‘O inconsciente’, anunciou ele, ‘é estruturado como uma linguagem’” (op. cit., pp. 47-48).
Explicitamente, isso se choca com a concepção de Freud sobre o inconsciente. Mas Lacan realizou esse ataque à psicanálise sob a palavra de ordem de uma suposta volta a Freud…
Do ponto de vista científico, o estruturalismo era – e continua sendo – uma estupidez. Não é possível, por analogia, reduzir toda e qualquer coisa, ou toda e qualquer relação, a uma linguagem.
Por exemplo, “o parentesco não pode ser comparado à linguagem como sistema de comunicação simbólica no qual mulheres e palavras são respectivamente ‘trocadas’”, porque, na linguagem, é possível “reutilizar livremente todas as palavras ‘dadas’, tantas vezes quanto desejar posteriormente, ao passo que os casamentos – ao contrário das conversas – são geralmente obrigatórios: as esposas não são recuperáveis por seus pais após a cerimônia” (Anderson, op. cit.).
Da mesma forma, ou, pior, “nenhuma economia pode, de forma alguma, ser primariamente definida em termos de troca: a produção e a propriedade são sempre prioritárias”.
Logo, o estruturalismo, com sua redução de toda e qualquer coisa, ou fenômeno, a uma linguagem, “opera, na verdade, para encobrir todas as relações de poder, exploração e desigualdade”.
Definindo a questão com outras palavras: uma língua é um instrumento de comunicação humana. Como tal, não tem caráter de classe – existiam línguas quando ainda não existiam classes e continuarão a existir quando as classes forem abolidas (v. Stalin, Sobre o marxismo e a linguística, 1950).
Mas isso não é verdade para a economia e a sociedade em geral. Tratá-las, nas palavras de Lévi-Strauss, “como uma espécie de linguagem”, serve para ignorar ou esconder o caráter e a dominação de classe.
POBREZA
No entanto, o estruturalismo foi deixado à solta, no início da década de 60.
A maior parte dos marxistas ainda estava, nessa época, perplexa, depois do XX Congresso do PCUS, em 1956.
O desenvolvimento da teoria marxista foi levado a um retrocesso ou a uma estagnação.
Assim, as universidades foram tomadas por estruturalistas e seus “significantes”, “significados”, “semióticas” – e o escambau. Até hoje existem universidades que conservam cadeiras de “semiótica”, cuja função é mais torturar os alunos do que fornecer algum tipo de conhecimento.
Sujeitos que proclamavam o marxismo, tornaram-se fanáticos do estruturalismo – compare-se, por exemplo, “Mitologias”, um dos primeiros livros de Roland Barthes, de 1957, com “S/Z”, sua análise de “Sarrasine”, de Balzac, publicada em 1970.
Uma grande monotonia e falta de criatividade tomou a crítica literária – lembro-me, especialmente, de um livro de Tzvetan Todorov, “As Estruturas Narrativas”, que alguns, na PUC do Rio, tratavam como obra genial. Bastava o sujeito falar no “significante” e no “signo” para ser genial…
O estruturalismo, diante da paralisia dos marxistas nos países centrais, tornou-se, então, o caminho para o irracionalismo e a reação.
(CONTINUA)