CARLOS LOPES
(HP, 30/06/2017)
Temer fez, na terça-feira, o pronunciamento mais cínico, mais despudorado, mais pornográfico que um sujeito que ocupa a presidência da República já fez neste país.
Disse ele, entre outras chulices, atacando a honra do Procurador Geral da República – é destino de quem não tem honra atacar a de quem a tem – que a denúncia de seus crimes é uma “ficção”.
Sendo assim, vejamos em que constitui a denúncia do procurador Rodrigo Janot.
“Entre os meses de março e abril de 2017, no Distrito Federal e em São Paulo, com vontade livre e consciente, o Presidente da República, Michel Miguel Elias Temer Lulia, recebeu para si, em razão de sua função, em comunhão de ações, unidades de desígnios e por intermédio de Rodrigo Santos da Rocha Loures, vantagem indevida de cerca R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), ofertada por Joesley Mendonça Batista, proprietário do Grupo J&F, tendo sido a entrega dos valores realizada por Ricardo Saud, executivo do grupo empresarial.
“O montante espúrio de R$ 500.000,00, recebido por Rodrigo Loures para Michel Temer, foi viabilizado e repassado, após aceitação, pelo próprio Rodrigo Loures, com vontade livre e consciente, unidade de desígnios e comunhão de ações com Michel Temer, de uma oferta de valores que poderiam chegar ao patamar de R$ 38 milhões, prometido por Joesley Batista, por intermédio de Ricardo Saud”.
Essa propina era para que Temer resolvesse a favor do grupo de Joesley (J&F, mais conhecido pelo nome de sua principal empresa, a JBS) um contencioso com a Petrobrás.
Desde setembro de 2015, a JBS, dona da Âmbar Energia (por sua vez, dona da Usina Termelétrica Mário Covas, em Cuiabá), entrara no CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) contra a Petrobrás. A pretensão da JBS era que a Petrobrás fornecesse gás para a sua termelétrica ao mesmo preço que a empresa estatal comprava da Bolívia – a JBS, tal como a Odebrecht e similares, não vê outra função no Estado (nesse caso, na Petrobrás), senão a de abastecer seus cofres, em detrimento da população, que é a dona da Petrobrás.
A cronologia dessa questão é altamente significativa e tem valor de prova:
1) Na segunda-feira 6 de março deste ano, Joesley Batista encontrou-se com Rodrigo Loures, preposto de Michel Temer; na conversa, pediu para se encontrar com Temer. O encontro foi arrumado para o dia seguinte, no Palácio do Jaburu.
2) No dia seguinte, 7 de março de 2017, Michel Temer recebeu Joesley Batista, que gravou a conversa (desmoralizando Temer e seu perito privado, o laudo do Instituto Nacional de Criminalística, da PF, em minuciosa análise desta gravação, concluiu: “não foram encontrados elementos indicativos de que a gravação questionada tenha sido adulterada em relação ao áudio original, sendo a mesma consistente com a maneira em que se alega ter sido produzida”).
Nessa conversa, Temer designou Rodrigo Loures como seu representante junto a Joesley:
TEMER: (…) pode passar por meio dele, viu? (…) da minha mais estrita confiança (…)
JOESLEY: Tá.
TEMER: Vamos dizer que você não possa…
JOESLEY: Eu prefiro combinar assim, ó, se for alguma coisa que eu precisar, tal e tal, eu falo com o Rodrigo. E se for algum assunto desse tipo aí… (cf. Degravação no Laudo nº1103 INC/DITEC/PF, fls. 27/28).
3) Seis dias depois, no dia 13 de março de 2017, Rodrigo Loures encontrou-se com Joesley Batista, na residência deste último, em São Paulo.
4) Três dias após, a 16 de março, Rodrigo Loures, na sua residência, em Brasília, encontrou-se outra vez com Joesley Batista. Nesta conversa, também gravada, Joesley falou sobre a pretensão da JBS em relação ao gás boliviano; Joesley queria uma resolução favorável do CADE, isto é, contra a Petrobrás. Acompanhemos, aqui, o resumo do Procurador Geral da República:
“De imediato, no intuito de resolver o problema levantado por Joesley Batista, Rodrigo Loures disponibilizou-se a ligar ou para o Superintendente-Geral do CADE, Eduardo Frade Rodrigues, ou para o presidente do CADE em exercício, Gilvandro Vasconcelos Coelho de Araújo. Inicialmente tentou falar com Eduardo Frade, que não pôde atendê-lo naquele momento. Depois, pediu que a secretária parlamentar de prenome Alessandra ligasse para Gilvandro Vasconcelos.
“Rodrigo Loures e Gilvandro Vasconcelos conversaram por telefone, na presença de Joesley Batista, que ouviu o diálogo a partir do momento que Rodrigo Loures colocou, voluntariamente, seu celular no modo ‘viva voz’. Ouvido pela Polícia Federal, Gilvandro Vasconcelos confirmou ter conversado ao telefone, na data, com Rodrigo Loures.
“Rodrigo Loures deixou bem claro, em diálogo com Gilvandro Vasconcelos, que falava em nome de Michel Temer e no interesse deste, ao aludir que era apenas um ‘soldado’ que cumpria ‘missões’.
“Em seguida, Rodrigo Loures fez a solicitação de interesse da J&F, ressaltando que era uma tarefa que lhe tinha sido repassada ainda como assessor de Michel Temer na Presidência da República (‘eu não pude despachar ainda quando estava no palácio, porque acabou não dando tempo, ainda é uma coisa que ficou na minha lista por fazer’). Por seu turno, Gilvandro Vasconcelos compreendeu perfeitamente a quem Rodrigo Loures se referiu quando falou em ‘nós’, aludindo expressamente a Michel Temer (‘o chefe ficou muito feliz’). Veja-se:
GILVANDRO: Como é que vai, e a nova missão?
RODRIGO: Pois é, você viu qui, é, nem eu esperava e recebi a nova missão, e soldado só tem uma alternativa, tem que cumprir, tem que atender. Mas é que são …você sabe que nessa virada, é, é da função anterior aí na semana passada eu tomei posse ficaram duas pendências, eu queria até ajustar isso com você, você tem um minutinho, pode falar?
GILVANDRO: Com certeza, posso sim.
(…)
RODRIGO: … não há nenhum, nenhuma questão contra o tempo, não é, com exceção desse segundo assunto que eu não pude despachar ainda quando estava no palácio, porque acabou não dando tempo, ainda é uma coisa que ficou na minha lista por fazer, é o seguinte, segunda-feira agora dia vinte, na semana que vem, é o Kenys, pelo que me parece trabalha lá com o Eduardo…
GILVANDRO: Isso.
RODRIGO: Vai tratar lá de um assunto da EPE Cuiabá, eles vão levar pra você, não sei se você tá a par disso, Gilvandro, mas chegou pra nós.
GILVANDRO: Não totalmente, mas eu tenho como saber, porque é, é ele vai receber um pessoal, é isso?
RODRIGO: É, vai, vai haver uma reunião, os representantes lá desta EPE Cuiabá, que é uma usina termoelétrica, tem lá uma questão com a Petrobras, então eles estão fazendo, vão fazer uma consideração e apresentar, já apresentaram pra nós, relativo a essa questão de gás, épor embora eles tenham acesso ao gás, tem o gasoduto e condição de acessar, o fato é que estão havendo lá uma questão com a Petrobras, que na ótica deles, a Petrobras está usando de um, digamos de uma condição como se fosse um monopólio não é, a impedir que a companhia possa dar continuidade, isso vai naturalmente afetar a condição desta termoelétrica funcionar, e como pra nós, naturalmente a Petrobras, também governada pela União (…)
GILVANDRO: Com certeza.
RODRIGO: Aí, eu não conheço o aspecto técnico em detalhe, tinha recebido lá do advogado da época algumas informações, não tô com elas aqui agora, mas o que eu queria só, é considerar aí com vocês, vocês verificar se isso estava sendo acompanhado por vocês, se está no seu radar ou do Eduardo, porque como eu não conheço, não me lembro de ter conhecido o Kenys, eu só não sei se de repente não seria o caso… como chegou pra nós aqui, acho que seria bom que você ou ele, o Eduardo ou você, na realidade o Eduardo, pudesse olhar isso com carinho, porque ainda que a Petrobras seja nossa, não é bom pro mercado.
GILVANDRO: Pode deixar.
RODRIGO: Não, é que vai ter ainda os leilões novos de petróleo, de energia, quer dizer, se houver um sentimento aí fora de que de alguma maneira, não há concorrência, não há, é ruim pro governo, você viu hoje que bonito aí.
GILVANDRO: Com certeza.
RODRIGO: Na questão dos aeroportos.
GILVANDRO: Vi, o chefe ficou muito feliz.
RODRIGO: É muito bom.”
Hoje em dia, não há maiores defensores do “mercado” que os ladrões – veja-se o exemplo de Rocha Loures e seu chefe, Michel Temer.
“Após o término da ligação”, escreve o procurador Geral, “quando voltou a conversar apenas com Joesley Batista, Rodrigo Loures afirmou que Gilvandro Vasconcelos ‘entendeu perfeitamente’”.
5) No dia 13 de abril de 2017 – menos de um mês depois da conversa anterior -, surpreendentemente, a Petrobrás entrou em acordo com a JBS (aliás, Âmbar Energia/UTE Mário Covas), no âmbito do CADE, através de um “contrato de compra e venda de gás natural que já contemplava os interesses defendidos por Joesley”.
Entre a conversa de Joesley com Temer e a resolução do problema a favor da JBS, emperrado há um ano e meio no CADE, transcorreu apenas um mês – mais precisamente, 37 dias.
ESTRANHO
Essa questão é decisiva, pois foi em 24 de abril de 2017, portanto, 11 dias após o acordo da JBS com a Petrobrás, no âmbito do CADE, que Ricardo Saud, diretor da JBS, encontrou-se com Rodrigo Loures para acertar a passagem da propina. Antes disso, existia apenas a promessa de Joesley.
A Procuradoria Geral observa que “os colaboradores apresentaram documento datado de 09/05/2017 no qual o advogado da J&F com atuação no CADE e que nunca participou de qualquer tratativa de colaboração, explica que o órgão [o CADE] ‘recomendou que a EPE [Âmbar Energia] insistisse em reuniões com a Petrobrás para a negociação voluntária do preço e condições para a contratação no fornecimento de gás. Mantidas diversas reuniões com a Petrobrás, em 13/04/2017 foi firmado novo contrato de compra e venda de gás natural na modalidade firme e inflexível, com vigência até dezembro de 2017. Em data de 17/04 a Petrobrás protocolizou junto ao CADE, informando a celebração do referido contrato e pleiteando a extinção do Inquérito Administrativo’”.
Continua a PGR:
“Vale trazer a lume que no bojo dos Autos nº 08700.009007/2015-04 em trâmite perante o CADE, a Petrobrás alegou em petição que ‘mostra-se totalmente desarrazoado cogitar-se de qualquer efeito competitivo da controvérsia existente entre a EPE/GOM [Âmbar Energia] e a Petrobrás. Mais que isso, mostrar-se-ia verdadeiramente temerário determinar à Petrobrás em sede de cautelar e mediante cognição precária, fornecimento de gás natural à UTE Cuiabá em condições desvantajosas à Petrobrás e em detrimento dos compromissos assumidos pela Petrobrás com terceiros, apenas para aumentar os ganhos privados da EPE/GOM [Âmbar Energia]’” (grifos nossos).
O que mudou, então, que fez a Petrobrás assinar um acordo desvantajoso, “temerário”, “desarrazoado”, “em detrimento dos compromissos assumidos pela Petrobrás” e “apenas para aumentar os ganhos privados” da JBS?
A Procuradoria Geral da República, como nós, também observou algo estranho na cronologia que expusemos acima:
“… a análise da própria cronologia do procedimento causa estranheza, uma vez que a representação da EPE data de setembro de 2015, perdurando sem qualquer solução até abril de 2017, quando ‘foi possível notar uma maior presteza, atenção e ocupação com a questão’ por parte da Superintendência do CADE, culminando com a solução da pendência através do contrato com a Petrobrás”.
MENÇÕES
Na conversa do dia 16, “Joesley Batista, dando continuidade ao esquema ilícito entabulado e em razão de vislumbrar a resolução do problema por meio da conduta de Rodrigo Loures, ofereceu ao novo interlocutor de Michel Temer, o montante de 5% do valor do lucro estimado com a operação” (como está na gravação desta conversa, diz Joesley: “O Temer mandou eu falar, eu vou falar é com cê, nós vamos abrir nesse negócio aí, cinco por cento”), “que foi imediatamente aceito.
“Em depoimento prestado à Polícia Federal, Joesley Batista afirmou que ‘Rodrigo entendeu que os 5% eram propina e concordou com o pagamento’.
“Durante os diálogos travados entre Joesley Batista e Rodrigo Loures nos encontros, este faz diversas referências a Michel Temer, demonstrando que atua realmente como um intermediário do Presidente da República.
“Destaque-se que, até pela magnitude do montante da propina para resolução do problema posto por Joesley Batista (que poderia variar de R$ 19 milhões a 38 milhões, a depender do valor do gás durante a vigência do contrato e dos favores solicitados por Joesley Batista), Rodrigo Loures não teria poder e autonomia para atuar sem o respaldo de Michel Temer.”
“Rodrigo Loures, durante toda a empreitada criminosa, deixou claro e verbalizou que atuava em nome do Presidente Michel Temer, com a ciência deste, inclusive trazendo informações atualizadas a respeito das posições de Michel Temer acerca dos assuntos tratados, o que deixa claro que Rodrigo Loures se reportava de maneira permanente a Michel Temer sobre o andamento dos crimes perpetrados. Vejam-se as transcrições das conversas ocorridas entre Joesley Batista e Rodrigo Loures nos dias 13/03/2017 e 16/03/2017:
“Ele queria acho que falar com você, que eu vi num é, que ele, da outra vez, ele perguntou naquele dia, mas ele te diz o que que era, eu disse ô presidente nem disse, nem eu perguntei, sendo assim, diga a ele que se ele quiser falar, pode falar com você.”
“Conseguiu reunir condição para nomear ninguém, o presidente acabou deixando este atual como interino.”
“Vou te explicar porque, se você quiser que eu leve ao presidente uma… eu levo.”
“Quem o presidente quiser”
“Tem um caso que chegou ao presidente, eu chamei o Gilvandro, ele diz, ó Rodrigo o problema é o seguinte, isso aqui tá comigo o assunto, eu tenho… há uma má vontade pessoal, não com a companhia, nem com o Temer, mais com o interlocutor, então é simples de arrumar, troque o interlocutor que vamos resolver o problema, você acredita que trocou, eles tiraram lá o advogado que cuidava do assunto, botaram um outro e resolveu?”
“Aconteceu isso aí, não tá sabendo e quando eles me procuram, é que eles querem que o Presidente saiba.”
“Eu vou no Presidente e digo: ó Presidente, o pessoal do CADE me distribuiu isso, às vezes ele escala outro, mas ele quer saber, primeiro para que ele não seja supreendido por notícias…”
SERVIÇAL
Aliás, Loures é de um capachismo em relação a Temer que clama aos céus – ou, melhor, ao Inferno – considerando suas origens, sua condição de herdeiro de uma conhecida empresa do país. Por exemplo, eis uma declaração, gravada, que ele faz para Ricardo Saud:
“RODRIGO: é, mas ele (Michel Temer) pediu… deixa eu te dizer, ele me chamou um dia lá (…) qual é a tua opinião sobre o Serraglio? Eu dei minha opinião e ele (Michel Temer) disse assim: se eu chamá-lo, você volta para a Câmara, não é? Como é que você vê isso? E eu disse: eu prefiro não voltar. (…) Porque, presidente, já não é como antes, o ambiente mudou, o senhor viveu uma época lá que não existe lá (…) nem o acordado está sendo cumprido, então não é nenhuma má vontade, eu tô bem aqui, mas o gabinete é seu, agora eu faço o que é melhor pra você, o que é melhor pra você? Aí ele pegou e disse assim: ah eu não sabia que você não queria ir (…) então, vou pensar melhor e voltamos a falar. Aí dois dias depois ele me chama e diz: você vai para a Câmara. Aí eu disse: tá bom, o que o senhor quer que eu faça? Você não pode ser líder do PMDB porque Rossi foi eleito agora, você não pode ser líder do governo porque o Agnaldo foi feito um acordo com o Rodrigo Maia… você vai ser vice-líder do governo, do PMDB, você vai para CCJ. (…) Ele me deu toda a receita (…) Eu vou lá com o Presidente toda quinta-feira.”
Convenhamos que há poucos indivíduos, no empresariado ou nas famílias de empresários, capazes de tanto servilismo em relação a um sujeito da marca de Temer. Mas o que isso mostra é que ele se tornou – e era – uma espécie de camareiro ou lacaio de Temer. Nada mais.