Este artigo, do economista norte-americano Michael Roberts, escrito após o recente 19º Congresso do Partido Comunista da China, e publicado em seu blog com o título “Xi takes full control of China’s future”, contém uma excelente análise da economia chinesa. Escreve Roberts:
“… a maioria dos economistas políticos marxistas concorda com a opinião dominante em assumir ou aceitar que a China é [capitalista]. No entanto, não sou um deles. A China não é capitalista. A produção com fins lucrativos, baseada em relações de mercado espontâneas, governa o capitalismo. A taxa de lucro determina seus ciclos de investimento e gera crises econômicas periódicas. Isso não se aplica à China. Lá, a propriedade pública dos meios de produção e o planejamento estatal permanecem dominantes e a base de poder do partido comunista está enraizada na propriedade pública. Assim, o desenvolvimento econômico da China foi alcançado sem que o modo de produção capitalista seja dominante”.
Independente de nossa opinião sobre o “marxismo” dos economistas aos quais se opõe Roberts – ou sobre algumas opiniões políticas, a respeito da China, do próprio Roberts – o que importa, aqui, é a demonstração que ele faz, em tudo convincente, da sua afirmação, inclusive quanto à lei do valor na economia chinesa.
Demonstração ainda mais interessante porque Roberts não é um admirador do “socialismo com características chinesas”.
Acrescentamos, por fim, alguns dados, extraídos da última edição do anuário estatístico da China (“China Statistical Yearbook 2016”, referente a 2015) :
De 1978 a 2015, a média anual de crescimento do PIB chinês foi +9,7%, com a indústria crescendo +11%, também em média, a cada ano. O que significou um crescimento real de +3.027,6% do PIB e de +4.721% do valor adicionado na indústria.
A renda per capita, no mesmo período, na média anual, cresceu +7,4% nas cidades e +7,6% no campo (+9% e +7,9% no período 2001-2015).
Em 20 anos (1995-2015), a massa salarial cresceu +1.290,40% e o salário médio urbano, +1.059,85%.
Achamos necessário frisar estes dados, para um correto entendimento do artigo que hoje aqui publicamos, de forma condensada.
C.L.
MICHAEL ROBERTS
Em uma pesquisa de janeiro, da Câmara Americana de Comércio na China, com 462 empresas norte-americanas, 81% disseram que se sentiam menos bem-vindas na China, enquanto mais de 60% têm pouca ou nenhuma confiança de que o país abrirá ainda mais seus mercados nos próximos três anos.
De fato, a China ainda ocupa o 59º lugar entre os 62 países avaliados pela Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico em termos de abertura ao investimento direto estrangeiro (IDE). Ao mesmo tempo, o IDE está se tornando menos importante para a economia: em 2016, representou pouco mais de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) da China, abaixo de, aproximadamente, 2,3% em 2006 e 4,8% em 1996.
Um programa lançado em 2015, chamado Made in China 2025, visa tornar o país competitivo dentro de uma década em 10 indústrias, incluindo aeronaves, veículos movidos a novas energias e biotecnologia. A China, sob Xi [Jinping], pretende não apenas ser o centro industrial da economia global, mas também assumir a liderança em inovação e tecnologia, que irão rivalizar com as economias norte-americanas, e outras economias capitalistas avançadas, dentro de uma geração.
Pequim tem como objetivo aumentar a participação dos robôs fabricados no país em mais de 50% das vendas totais até 2020, contra 31% no ano passado. Empresas chinesas como E-Deodar Robot Equipment, Siasun Robot & Automation e Anhui Efort Intelligent Equipment aspiram a se tornar multinacionais, desafiando a suíça ABB Robotics e a japonesa Fanuc, pela liderança de um mercado de US$ 11 bilhões.
A China também redobrou os esforços para construir sua própria indústria de semicondutores. O país compra cerca de 59% dos chips vendidos em todo o mundo, mas os fabricantes do país representam apenas 16,2% da receita global de vendas da indústria, de acordo com a PwC. Para corrigir isso, Made in China 2025 destina US$ 150 bilhões em investimentos ao longo de 10 anos. Um relatório de janeiro de 2017 do Conselho de Assessores de Ciência e Tecnologia do Presidente dos EUA detalhou os amplos subsídios da China aos seus fabricantes de chips, as regras para que as empresas nacionais comprem apenas de fornecedores locais e os requisitos para que as empresas americanas transfiram tecnologia para a China, em troca do acesso ao seu mercado.
E o imperialismo americano tem medo. O secretário de Comércio dos EUA, Wilbur Ross, descreveu o plano como um “ataque” ao “gênio americano”. Em um excelente livro, “The Us vs China: Asia’s New Cold War?” [Os EUA contra a China: uma nova guerra fria na Ásia?], Jude Woodward, uma visitante e conferencista regular na China, mostra as medidas desesperadas que os EUA estão tomando para tentar isolar a China, bloquear seu progresso econômico e cercá-la militarmente. Mas ela também mostra que essa política está fracassando. A China não está aceitando o controle de multinacionais estrangeiras; está continuamente desenvolvendo relações comerciais e de investimento com o resto da Ásia; e, com exceção do Japão de Abe, está conseguindo manter os ambivalentes estados capitalistas asiáticos entre a “manteiga” chinesa e os “braços” da América. Como resultado, a China conseguiu manter sua independência do imperialismo dos EUA e do capitalismo global como nenhum outro estado.
Isso nos leva à questão de saber se a China é um Estado capitalista ou não. Acho que a maioria dos economistas políticos marxistas concorda com a opinião dominante em assumir ou aceitar que a China é. No entanto, não sou um deles. A China não é capitalista. A produção com fins lucrativos, baseada em relações de mercado espontâneas, governa o capitalismo. A taxa de lucro determina seus ciclos de investimento e gera crises econômicas periódicas. Isso não se aplica à China. Lá, a propriedade pública dos meios de produção e do planejamento estatal permanece dominante e a base de poder do partido comunista está enraizada na propriedade pública. Assim, o desenvolvimento econômico da China foi alcançado sem que o modo de produção capitalista seja dominante.
O “socialismo com características chinesas” da China é um animal estranho. Houve uma expansão significativa de empresas privadas, tanto estrangeiras como domésticas nos últimos 30 anos, com o estabelecimento de um mercado de ações e outras instituições financeiras. Mas a grande maioria do emprego e do investimento é realizada por empresas públicas ou por instituições que estão sob a direção e o controle do Partido Comunista. A maior parte da indústria exportadora da China não é composta por multinacionais estrangeiras, mas por empresas estatais chinesas.
Recentemente, o FMI publicou uma série completa de dados sobre o tamanho do investimento do setor público e seu crescimento nos últimos 50 anos para todos os países do mundo [NOTA HP: Esse estudo, “Estimating the stock of public capital in 170 countries”, pode ser encontrado em www.imf.org/external/np/fad/publicinvestment/pdf/csupdate_jan17.pdf).
Esses dados oferecem alguns resultados surpreendentes. Mostram que a China tem um estoque de ativos do setor público no valor de 150% do PIB anual; apenas o Japão tem algo como esse montante, em torno de 130%. Todas as outras grandes economias capitalistas têm menos de 50% do PIB em ativos públicos. Todos os anos, o investimento público da China é de cerca de 16% do PIB, em comparação com 3-4% nos EUA e no Reino Unido. E aqui está o número que mata a questão: há quase três vezes mais estoque de ativos produtivos públicos para ativos do setor capitalista privado na China. Nos EUA e no Reino Unido, os ativos públicos são inferiores a 50% dos ativos privados. Mesmo em “economia mista”, Índia ou Japão, a proporção de ativos públicos para ativos privados não é superior a 75%. Isso mostra que, na China, a propriedade pública dos meios de produção é dominante – ao contrário de qualquer outra grande economia (v. gráfico).
Um relatório da US-China Economic and Security Review Commission concluiu que “a parcela estatal e controlada da economia chinesa é grande. Com base em pressupostos razoáveis, parece que o setor estatal visível – SOEs e entidades diretamente controladas por SOEs – representaram mais de 40% do PIB não-agrícola da China. Se as contribuições de entidades indiretamente controladas, coletivos urbanos e TVEs públicos forem consideradas, a participação do PIB detida e controlada pelo estado é de aproximadamente 50%”.
Os principais bancos são estatais e suas políticas de empréstimos e depósitos são dirigidas pelo governo (com grande desdém do banco central da China e outros atores pró-capitalistas). Não há fluxo livre de capital estrangeiro para dentro e fora da China. Os controles de capital são impostos e aplicados e o valor da moeda é manipulado para estabelecer metas econômicas (para o incômodo do Congresso dos EUA e hedge funds ocidentais).
De acordo com um relatório de Joseph Fang e outros, existem organizações do partido [comunista] dentro de cada corporação que emprega mais de três membros do partido. Cada organização do partido elege um secretário. É o secretário do partido que é o alinhador do sistema de gerenciamento alternativo de cada empreendimento. Isso leva o controle partidário além das empresas públicas, empresas parcialmente privatizadas e empresas de propriedade local ou municipal ou privadas “novas organizações econômicas”, como estas são chamadas. Em 1999, apenas 3% destes tinham células do partido. Agora, o número é de quase 13%. Como o documento diz: “O Partido Comunista chinês, controlando o avanço da carreira de todos os funcionários seniores em todas as agências reguladoras, todas as empresas estatais (SOE) e praticamente todas as principais instituições financeiras das empresas estatais, e altos cargos do partido em todas, exceto as menores empresas não-SOE, mantém a posse exclusiva das Lições de Liderança de Lenin”.
Não é relíquia da era maoísta. É a estrutura atual criada especificamente para manter o controle partidário da economia.
Existem 102 empresas estatais-chave, com ativos de 50 trilhões de yuans, que incluem empresas estatais de petróleo, operadoras de telecomunicações, geradoras de energia e fabricantes de armas. Xiao Yaqing – diretor da Comissão de Supervisão e Administração de Ativos de Propriedade Estatal do Conselho de Estado – escreveu no órgão da Escola Central do Partido, “Study Times”, que, quando uma empresa estatal possui um conselho de administração, o líder do partido também tende a ser o presidente do conselho. Os membros do Partido Comunista em empresas estatais formam a “a mais sólida e confiável base de classe” para possibilitar a direção do Partido Comunista. Xiao chamou a ideia da “privatização de ativos estatais” de pensamento errado.
Esses 102 grandes conglomerados contribuíram com 60% dos investimentos externos da China até o final de 2016. As empresas estatais, incluindo a China General Nuclear Power Corp e a China National Nuclear Corp, assimilaram as tecnologias ocidentais – às vezes com cooperação e às vezes não – e agora estão envolvidas em projetos na Argentina, no Quênia, no Paquistão e no Reino Unido. E o grande projeto “um cinturão, uma estrada”, na Ásia central, não tem como objetivo o lucro. É tudo para expandir a influência econômica da China a nível mundial e extrair recursos naturais e outros recursos tecnológicos para a economia doméstica.
Isso também expõe como mentirosa a ideia comum entre alguns economistas marxistas, de que a exportação de capital da China para investir em projetos no exterior é produto da necessidade de absorver o “capital excedente” em casa, semelhante à exportação de capital pelas economias capitalistas antes de 1914, que Lenin apresentou como característica fundamental do imperialismo.
A China não está investindo no exterior por meio de suas estatais por causa do “excesso de capital” ou mesmo porque a taxa de lucro nas empresas estatais e capitalistas está caindo.
Da mesma forma, a grande expansão do investimento em infraestrutura após 2008, para fazer frente ao impacto do colapso no comércio mundial, após a crise financeira global e a Grande Recessão que atingiu as principais economias capitalistas, não foi gasto/empréstimo governamental de estilo keynesiano, como argumentam os principais economistas marxistas. Foi um programa de investimentos dirigido pelo Estado, através de empresas estatais e financiado por bancos estatais. Foi um “investimento socializado” adequado, tal como sugerido por Keynes, mas nunca implementado nas economias capitalistas durante a Grande Depressão, pois assim teriam que substituir o capitalismo.
A lei do valor do modo de produção capitalista opera na China, principalmente, através do comércio exterior e das entradas de capital estrangeiro, bem como através dos mercados internos de bens, serviços e fundos. Assim, a economia chinesa é afetada pela lei do valor. O que não é, realmente, surpreendente. Mas seu impacto é “distorcido”, “travado” e bloqueado pela “interferência” burocrática do estado e da estrutura do partido, a ponto de não poder dominar e direcionar a trajetória da economia chinesa.
É verdade que a desigualdade de riqueza e renda sob o “socialismo com características chinesas” é muito alta. Há um número crescente de bilionários (muitos dos quais estão ligados aos líderes comunistas). O coeficiente de Gini da China, um índice de desigualdade de renda, aumentou de 0,30, em 1978, quando o Partido Comunista começou a abrir a economia às forças do mercado, até um pico de 0,49, logo antes da recessão global. De fato, o coeficiente de Gini da China aumentou mais do que o de qualquer outra economia asiática nas últimas duas décadas. Esse aumento foi em parte o resultado da urbanização da economia, à medida que os camponeses se deslocaram para as cidades. Os salários urbanos nas fábricas estão cada vez maiores que os rendimentos dos camponeses (não que os salários urbanos sejam algo para se orgulhar, quando os trabalhadores que montam os i-pads da Apple recebem abaixo de US$ 2 por hora).
Sob Xi, parece que a maioria da elite do partido vai continuar com um modelo econômico dominado por empresas estatais dirigidas em todos os níveis por quadros comunistas. Isso porque mesmo a elite percebe que, se a via capitalista é adotada e a lei do valor se torna dominante, o povo chinês será exposto à instabilidade econômica crônica (booms e recessões), à insegurança no emprego e renda e à maiores desigualdades.
Uma pesquisa recente do Pew Research Center revelou que 77% dos entrevistados acreditavam que o seu modo de vida na China precisa ser protegido da “influência estrangeira”. O cientista político Bruce Dickson colaborou com estudiosos chineses para examinar as percepções públicas sobre o Partido Comunista. Os pesquisadores realizaram entrevistas com cerca de 4.000 pessoas em 50 cidades, em todo o país. Dickson concluiu: “Não importa como você mede, não importa as perguntas que você perguntar, os resultados sempre indicam que a grande maioria das pessoas estão realmente satisfeitas com o status quo”.
One Reply to “A economia chinesa: presente e futuro”