Sob o tema “Educação e Cultura como instrumentos para o desenvolvimento e a emancipação das consciências’’, a Fundação Maurício Grabois, através da Cátedra Cláudio Campos, promoveu um debate sobre a Cultura e a Educação no Novo Projeto de Desenvolvimento Nacional. Durante cinco horas, algumas das melhores cabeças do país no assunto apresentaram diagnósticos, denúncias e propostas sobre o papel do Estado, a grande indústria cultural, a exclusão, o apagão do magistério, a desnacionalização e a privatização da Educação.
Palestraram o maestro Marcus Vinícius, Diretor da Fundação Cláudio Campos e Presidente da Associação de Músicos, Arranjadores e Regentes (AMAR); o gestor de Políticas Culturais da Bahia, Javier Alfaya; a doutora em Educação pela Michigan State University, professora Maria Beatriz Luce; o ex-deputado Cesar Callegari, presidente do Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada, e a professora Madalena Guasco Peixoto, doutora em Educação pela PUC-SP.
Vamos ao debate.
CARLOS ALBERTO PEREIRA
EDUCAÇÃO E CULTURA: PILARES DE UM PROJETO DE NAÇÃO
O maestro Marcus Vinícius definiu Cultura e Educação da seguinte forma: “Cultura é aquele universo que está circunscrito às belas artes, à literatura, ao teatro, ao cinema e à música. Em suma, seria o universo tratado na esfera da sensibilidade, enquanto a Educação seria aquilo que estaria mais ligado à formação básica, ao estudo, aos símbolos e aos aprendizados básicos para o cidadão. Então, razão seria Educação,sensibilidade seria Cultura”.
Marcus Vinícius abriu a discussão: “Nos anos 70, o meu querido companheiro, hoje falecido, Chico de Assis, grande dramaturgo, membro do CPC – Centro Popular de Cultura -, autor do hino da UNE, com Carlinhos Lyra, sempre dizia: ‘a gente fala tanto em Cultura, mas qual é a cultura que a gente quer?’. E seguia, falando consigo mesmo – ‘quando eu falo em Cultura, falo pensando em determinados valores’. E indagava: ‘do que estamos falando, quando pretendemos defender a Cultura?’
O ESTADO E A CULTURA
O maestro foi em busca das respostas. “Há quem diga que o Estado não pode se meter na produção cultural, que deve ser um indutor. Mas, já que é o Estado que dispõe das verbas públicas, cabe a ele usar estas verbas em favor dos projetos prioritários. Mais que tudo, é o Estado que deve indicar os caminhos para as prioridades culturais”. E definiu:“claro que isso tem que ser feito num grande entendimento com diversos setores da sociedade”.
Para Marcus Vinícius, hoje, grande parte do debate cultural em nosso país tem se dado em torno da alocação de recursos públicos em projetos privados. “Você não pode pegar esses recursos, que são públicos, e deixar em mãos de empreendedores privados que, na grande maioria dos casos, vão reproduzir aquilo que já está amplamente difundido pela grande indústria cultural. São recursos públicos servindo para realimentar projetos que os monopólios criam no domínio da indústria cultural”.
A conclusão do maestro é que “o Estado tem que ser formulador de políticas com base nas prioridades nacionais”.
O MONOPÓLIO PRIVADO
Para Vinícius, “com a tecnologia que dispomos hoje poderíamos ter a grande cinemateca e a grande discoteca do mundo, os grandes centros de documentação e memória de toda a humanidade. Estão hoje, pelo menos em tese, à nossa disposição. Isso, se eles não forem açambarcados pelos monopólios, o que já começa a ocorrer. É o fenômeno chamado buy out. Alguém chega, geralmente um fundo ou um grande empreendedor, e diz: ‘eu vou comprar o teu catálogo ou teu repertório’. E by out, te paga e vai embora”.
“O controle do conhecimento e do saber vão para as mãos dos grandes capitalistas. Obras, repertórios, conteúdos, que circulavam outrora com certa liberdade, certa facilidade nos ambientes digitais, hoje já não se encontram, porque estão monetizados em mãos de grandes corporações”, disse o maestro.
GETÚLIO VARGAS
Nosso palestrante citou a pesquisadora carioca Maria Angélica Ricci, que considera que o primeiro governo de Getúlio Vargas foi um marco para a implantação de políticas culturais no Brasil. “Ela chega a dizer que com Vargas a cultura se institucionalizou”. Ele observou que “Vargas mal chega à presidência da República, e nove dias depois recebe o grupo Oito Batutas – formado por Pixinguinha, Donga, entre outros grandes expoentes da música brasileira -, com uma petição de artistas da música solicitando apoio”. Marcus contou que foram atendidos prontamente e que “ficou estabelecido, a partir daquele momento, um novo tipo de relação entre o poder público e os artistas”.
O Maestro seguiu no relato afirmando que, “em 1932, o doutor GG (como era também chamado Getúlio Vargas) assina a primeira lei de apoio ao cinema brasileiro, atual cota de tela, aplicada ao setor dos documentários. Em 1936, ele criou o SPHAN, Serviço de Proteção do Patrimônio Histórico Nacional (hoje IPHAN), atendendo a uma sugestão de Mário de Andrade e Gustavo Capanema, que em 1937 passou a integrar a estrutura do Ministério da Educação e Saúde”. E cita que, “no mesmo ano (1937), é criado o Serviço de Radiodifusão Educativa. Para tanto, teve ao seu lado o antropólogo Roquette Pinto e o cineasta Humberto Mauro. Cria ainda o Instituto Nacional de Cinema Educativo, o Instituto Nacional do Livro, o Serviço Nacional de Teatro e o Museu Nacional de Belas Artes”.
RÁDIO NACIONAL
O maestro conta como Getúlio conseguiu recursos para criar a Rádio Nacional. “Ele absorveu o patrimônio de um devedor do Estado brasileiro, o mega especulador Percival Farquhar, que explorava a área de ferrovias e minas, mas não gostava de pagar suas contas. O governo expropriou a fortuna do Percival Farquhar e constituiu a Rádio Nacional, dando início a um projeto de radiodifusão pública. Foi dentro da Rádio Nacional que surgiu o que seria a época de ouro da música brasileira”.
Para Marcus Vinícius, esse afã do Dr. Getúlio não era só no campo da Cultura. “Ele fez a mesma coisa no campo da Educação”.
“No mesmo ano de 1930, criou o Ministério da Educação e Saúde, se cercando de gente como Anísio Teixeira, que foi chamado para remodelar o ensino básico, e outros colaboradores, como Fernando de Azevedo, Hermes Lima, Franco Peixoto e Cecília Meireles, que eram, nada mais nada menos, os signatários do famoso Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”.
ESTADO NOVO
Segundo Marcus Vinícius, o foco na cultura nacional não deixou de existir no Estado Novo. Ele lembrou a revista “Cultura e Política”, que abria espaço “tanto para ideólogos de direita como de esquerda, como Graciliano Ramos”. Conta que, “de 1937 a 1944, o governo Getúlio foi o principal amparo do projeto de educação do compositor Villa-Lobos”.
Segundo Marcus Vinícius, “aquele projeto visava levar à escola pública o conhecimento do repertório brasileiro das obras musicais da nossa tradição popular”. E disse, “quem tem mais de 60 anos deve lembrar que na escola primária e na escola secundária nós tínhamos aulas de canto. Eu me lembro de ter estudado música com Iberê Gomes Grosso, um dos grandes violoncelistas do Brasil. Guerra-Peixe também era professor, isso na escola primária e secundária, como se dizia na época”.
CULTURA POPULAR
O maestro esclareceu que “uma nova constatação se deu no país. Era a necessidade de discutir os rumos de uma cultura popular. Os rumos da educação popular”.
Afirmou: “lá no meu estado, Pernambuco, e na minha cidade, Recife, em seu primeiro ano na gestão da prefeitura, Miguel Arraes chamou e reuniu um grupo de intelectuais de reconhecida qualificação, entre eles, Hermínio Borba Filho e Ariano Suassuna, e chamou, principalmente, o mestre Paulo Freire, que quando viu o projeto do MCP (Movimento de Cultura Popular), disse: ‘põe o meu nome aqui. E, dentro do MCP de Pernambuco, começou a desenvolver o seu projeto de alfabetização. Uma das grandes conquistas dele foi ter conseguido alfabetizar 300 plantadores de cana no prazo de 45 dias”.
Segundo o maestro, “não foi por coincidência que 1954, ano da morte de Getúlio, foi o ano que João Cabral de Melo Neto escreveu ‘Morte e Vida Severina’, que Nelson Pereira dos Santos filmou ‘Rio 40°’, e Zé Renato, nosso grande Zé Renato, desaparecido há pouco, criou o Teatro de Arena de São Paulo”, considerou Marcus Vinícius.
Para ele, “a articulação exitosa da Educação com a Cultura, como pilares do projeto de nação, foi capaz de gerar, entre os anos 40 e o anos 60, talvez o mais rico momento cultural do Século XX. Era a Bossa Nova, a poesia concreta, a arquitetura, o teatro brasileiro, o Cinema Novo e várias outras manifestações culturais que fizeram a excelência e o reconhecimento internacional que o país teve”.
Marcus Vinícius concluiu afirmando que hoje responderia a Chico de Assis da seguinte maneira: “depois do que sofremos nos governos militares e agora na iminência desse proto-fascismo que nós estamos vendo se instalar no presente, eu diria para Chico de Assis quais são as palavras de ordem para a Cultura e para a Educação hoje, são três: Comida no prato – nós não vamos criar nenhum projeto de Cultura, nem de Educação enquanto estivermos assistindo a esse descalabro que é a fome no Brasil -, em segundo lugar, vacina no braço, e em terceiro, Fora Bolsonaro. Acho que são essas as palavras de ordem para a cultura brasileira hoje. Palavras de ordem emergenciais para atender uma circunstância que é emergencial. Então, gostaria que meu amigo Chico de Assis estivesse aqui para, talvez, pronunciarmos juntos essas mesmas palavras”.
INDÚSTRIA CULTURAL
Javier Alfaiya considera que “é preciso atualizar o conceito de nacional popular”. Para ele, não é correto tomarmos agora, em 2021, uma continuidade linear do conceito que o ISEB desenvolveu no final de 1960. E pontuou: “somos um país que nasce de uma grande miscigenação, nós já nascemos ecléticos e esse ecletismo nos permitiu gestar as bases da identidade nacional.”
Segundo Javier, o processo de globalização diluiu as fronteiras do nacional mundo afora, e impôs um circuito de mercadorias culturais muito vinculadas ao capital financeiro e à grande indústria cultural, hegemonizado por grandes grupos monopolistas em escala planetária.
Como exemplo, lembrou que “a Sony é dona de satélite, produtora de cinema e é dona de catálogos de música, como do Michael Jackson, por exemplo”. Ele asseverou que lutar pela identidade nacional e pelos interesses culturais da nação, dentro desse novo quadro, é um desafio.
Considerou que a Cultura tem que ser assumida com centralidade no novo projeto nacional de desenvolvimento.“Ninguém pensa em destruir o Ministério do Exército, ninguém pensa em substituir o Ministério da Saúde”. E questionou: “porque a Cultura pode ser Ministério e, dois anos depois, não ser mais Ministério?”
Segundo ele, “a disputa cultural nas décadas de 30, 40 e 50 era baseada no rádio e na palavra escrita. Os jornais tinham um grande papel. Era a indústria cultural clássica de discos e a indústria de cinema”. E que “hoje, a indústria cultural se assenta em tecnologia”.
“É a internet e as redes de computadores que determinam a circulação da produção cultural. Os processos vinculados ao mundo digital e à grande indústria cultural devem dar a qualidade da política de industrialização, dentro do Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento. É um assunto de primeiríssima grandeza”, avaliou.
E falou da diversificação da cultura brasileira: “das comunidades do Xingu ao maracatu de Pernambuco, às danças do axé, ao Carnaval da Bahia, até as danças do Rio Grande do Sul, enfim, temos uma variedade enorme de manifestações estéticas, populares”.
E exemplificou: “nós exportamos a Bossa Nova, a ‘Garota de Ipanema’ é a segunda música mais regravada no mundo, e Anitta é a compositora que mais vende, a quantidade de acessos ao YouTube chega à escala de dezenas de milhões, representa um tipo diferente de cultura, de arte, que não é, evidentemente, Tom Jobim, mas é cultura brasileira, com elementos bem brasileiros”.
Reafirmou que a nossa produção, consequentemente, também é muito diversificada. “Representa 1% do Produto Interno Bruto, 5,5 milhões de pessoas envolvidas e 320 mil empresas, desde a indústria da moda até o cinema, passando pelos grandes espetáculos, teatro de rua e pelo artesanato. Temos uma variedade muito interessante de produção, embora numa escala insuficiente. Das quase 5.800 cidades que existem no país, 9%, no máximo têm cinema”.
Segundo ele, “nossa identidade nacional diversificada amplia as nossas possibilidades culturais no exterior”. E lembrou que a hegemonia norte-americana foi consolidada na Segunda Guerra Mundial. “Os Estados Unidos se consolidaram pela economia, pela presença militar, espalharam bases militares mundo afora, e pela presença cultural, vendendo para o planeta o chamado american way of life, estilo de vida norte-americano”.
Para Javier, “o cinema norte-americano, a música norte-americana, os produtos para televisão, publicidade, tudo isso influenciou o planeta inteiro e formatou uma situação favorável ao domínio estadunidense”.
E enfatizou que devemos ter “a nossa indústria cultural própria, desenvolvermos tecnologia digital própria para não dependermos tanto de uma comunicação, por exemplo, que passa 92% pela Califórnia”.
Para ele, “foi muito positivo, há poucas semanas, termos concluído o cabo que sai de Fortaleza, vai para Portugal e, depois, para Madrid, e de Madrid para outras cidades europeias e para o Norte da África”. “Foi uma iniciativa de Dilma Rousseff, que teve o aval dos militares, porque tudo o que nós fazemos, inclusive essa live agora pela internet, passa, necessariamente, pela Califórnia”, disse.
E prosseguiu citando a China: “em2019, a direção do estado chinês definiu que a China tinha que apresentar o mundo a partir de uma visão positiva. Com isso, eles deram uma impulsionada na TV pública chinesa, que é a CCTV, que aqui no Brasil transmite conteúdo através de um convênio com a TV Bandeirantes, em São Paulo. Além disso, a China está diversificando a produção cinematográfica. Já fazem bons desenhos animados, séries policiais e de ficção científica. Está apresentando produtos culturais que podem disputar a preferência do grande público mundial”.
Por fim, Javier afirmou que “a Cultura tem que estar articuladíssima com o Ministério da Educação, com o Ministério da Ciência e Tecnologia, tem que estar articuladíssima com uma nova política democratizante de comunicação, e tem que ser articulada com o Turismo”.
“O Turismo emprega milhões de brasileiros, no Carnaval do Rio, no Carnaval de Salvador, no São João de Caruaru, de Campina Grande, na festa do Boi do Maranhão, no Círio de Nazaré, em Belém do Pará, nos festivais de Barretos, no interior de São Paulo, no interior do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, há uma série de manifestações que reúnem milhões de pessoas. Isso é Turismo”, afirmou. “Acrescento, ainda”, disse Javier, “uma parceria muito forte com o Ministério das Relações Exteriores, para nós podermos ter uma diplomacia que leve a nossa Cultura para o resto do mundo”.
A BANDEIRA DA RESISTÊNCIA
Para a professora Maria Beatriz Luce, Educação é fundamental para a promoção da justiça e da equidade social, sobretudo quando realiza suas atividades com ética, respeito às culturas e ao meio ambiente.
Segundo ela, “é preciso pensar na Educação como direito, sem discriminação e, ao mesmo tempo, reconhecendo a problemática realidade em que vivemos”.
A professora lembra que “conseguimos imprimir na nossa Constituição a garantia da Educação como dever de Estado e direito de cidadania”. Para ela, a hora é de sustentar uma pauta de resistência e, ao mesmo tempo, de construção de um novo projeto nacional desenvolvimentista.
“Estamos vivendo um longo período de cortes nas políticas sociais, de avanço do pensamento e das práticas mais conservadoras. Um tempo em que se legitima a precarização das instituições públicas em nome de eficiência”.
Para a professora, “do ponto de vista da vida cultural, da vida intelectual, há um avanço da anticiência e do patrulhamento ideológico”. Para Maria Beatriz, apesar do momento difícil do país, “seguimos em frente, (…) defendendo a Educação gratuita, laica, com padrão de qualidade e gestão democrática”.
APAGÃO DO MAGISTÉRIO
“No campo especificamente da Educação e da Cultura, a exclusão tem sido a estratégia principal das elites dominantes brasileiras. Nem toda elite é atrasada e reacionária, mas aquilo que é hegemônico no Brasil sempre transformou a sonegação do direito à Educação em sua estratégia principal de dominação política, econômica e cultural. A exclusão tem sido uma política deliberada”, afirmou o Professor Cesar Callegari, na abertura de sua palestra. Ele relatou que no ensino básico, de 6 a 10 anos de idade, apenas 61% das crianças chegam ao final do ensino fundamental com conhecimentos considerados adequados, satisfatórios, necessários em relação ao domínio de leitura e escrita, e 51% em relação à matemática. “Daí, o funil vai se tornando cada vez mais estreito. Quando chega ao ensino fundamental, com crianças e adolescentes entre 13, 14, 15 anos, apenas 24% dessas crianças têm os conhecimentos considerados adequados em matemática e apenas 41% em língua portuguesa”, denunciou.
“No caso do ensino médio, a situação vai piorando, porque tudo que deixamos de cumprir na hora certa acaba se revelando ao final da educação básica”.
Segundo Cesar Callegari , “estamos formando uma legião de pessoas que no mundo contemporâneo acabam sendo condenadas à irrelevância, do ponto de vista econômico e do ponto de vista social”.
Segundo ele, “isso só pode ser revertido com um projeto nacional, com uma ideia de transformação educacional, revolução educacional, que proporcione a realização do direito à Educação”.
UNIVERSALIZAÇÃO DO ENSINO
Na avaliação de Callegari, “num país que, só muito recentemente se tornou um país urbano, e ainda com valores do campo e do urbano/industrial, o fato de nós termos praticamente universalizado o acesso ao ensino fundamental e boa parte da educação básica, representou um avanço das lutas, dos movimentos populares, um avanço das forças progressistas”.
“Hoje, temos 99,7% das crianças brasileiras na fase do ensino fundamental matriculadas em escola e mais de 30% em creches”. Segundo ele, “muitos desses avanços são frutos das conferências de educação e de uma imensa mobilização dos educadores, que acabaram desaguando no Plano Nacional de Educação, que é lei”.
FUNDEB
Para o professor, o que atravessamos não é uma crise sanitária, é “uma crise de perspectivas civilizatórias provocada por um governo que pratica a necropolítica como política de poder”.
Segundo o professor, “o governo Bolsonaro e a corja que o sustenta são inimigos da Educação”. Entre os ataques contra a educação pública brasileira, ressaltou as ameaças ao fim das vinculações constitucionais, ou seja, o fim das garantias constitucionais à educação básica, principalmente a que, a partir “de uma intensa mobilização, nós conseguimos não apenas dar continuidade ao Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), principal mecanismo de financiamento da Educação, como transformamos esse Fundeb num dispositivo permanente, agora na Constituição, o que permite alguma previsibilidade, algum planejamento, para que possamos continuar, a partir desse patamar, a avançar em torno da Educação no Brasil. […] Foi uma vitória extraordinária que nós tivemos no final do ano passado”, ressaltou.
“No entanto”, considerou Callegari, “o ministro da Economia, Paulo Guedes, continua sendo contrário e vai atacar as garantias constitucionais que sustentam, não apenas o Fundeb, mas também os recursos gerais para a Educação e a Saúde”.
“É esse mesmo Paulo Guedes que propõe um processo de privatização mais intenso na educação básica, é o mesmo governo que tem realizado cortes brutais nos orçamentos das instituições federais de educação superior”, disse.
BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR
“Diante dos enormes ataques que a educação brasileira vem sofrendo, a Base Nacional Comum Curricular, sobretudo da educação infantil e do ensino fundamental, são infinitamente mais progressistas e mais avançadas do que tudo aquilo que o Governo Federal tem pensado, falado e feito em matéria de Educação”, explicou Callegari.
“A Base Comum Curricular não é currículo único, não é currículo mínimo. Ela deve ser uma inspiração para que, de maneira crítica e criativa, professores, diretores e outros atores da Educação possam desenvolver, criar, de uma maneira adequada e avançada, as suas próprias propostas curriculares nos municípios e nos estados”, argumentou.
PRIVATIZAÇÃO DO ENSINO
Para o professor, “atualmente há a possibilidade de apagão energético, apagão de democracia, de Saúde, mas talvez um dos mais dramáticos apagões que estamos vivendo hoje é o do magistério.[…] Apesar de termos hoje já um piso nacional do magistério, e alguns avanços em relação à formulação de políticas de formação de professores, estamos enfrentando uma escassez de professores em quase todas as regiões do país”, denunciou.
“Temos escassez de professores de física, química, matemática, além de um problema gravíssimo de formação inicial”.
Ele lembra que, “hoje, a imensa maioria dos professores e professoras do Brasil são formados por instituições privadas de educação superior, que não têm nenhum outro compromisso senão com seu próprio lucro. Portanto, vamos formando professores que acabam reproduzindo essa sua deficiência no próprio processo de aprendizagem”.
Segundo ele, “mais grave é a degradação da educação superior no Brasil, não apenas pelo corte de verbas, mas pelo seu processo acelerado de privatização e internacionalização para grandes grupos financeiros internacionais”.
Ao final, Callegari fez uma síntese: “primeiro, é absolutamente necessário aumentar, e aumentar em muito, os recursos para a área da Educação, incluindo a ciência, a tecnologia, não apenas a educação básica, mas também a superior e a ampliação das oportunidades nesta área. O Brasil hoje investe em Educação apenas uma fração dos recursos que são investidos na maior parte dos países mais desenvolvidos. Nós temos aí um déficit gigantesco daquilo que teremos que recuperar em matéria de qualidade educacional e garantir, inclusive, a rredutibilidade de recursos”.
Por último, enfatizou que “estamos sofrendo ameaças como nunca sofremos. Estamos diante de desafios, talvez como em nenhuma outra época da humanidade, tendo que enfrentar desafios a partir do desenvolvimento tecnológico, do surgimento da inteligência artificial, em todas as áreas”, disse.
“Enfim, essas questões que colocam, mais uma vez, a Educação, a Cultura e a Ciência como pedras angulares de qualquer projeto de desenvolvimento, principalmente este que nós queremos, um projeto de desenvolvimento que garanta a soberania nacional, a justiça social e a oportunidade de preparação de cidadãos para esse século 21”.
NACIONALIZAR A EDUCAÇÃO
Na avaliação da professora Madalena Peixoto, “a política do governo está provocando um brutal desmonte do sistema nacional de educação, através da privatização e da entrada do capital aberto e financeiro”.
Segundo ela, “esse fenômeno aconteceu, primeiramente, na educação superior e, agora, de forma mais agressiva, na educação básica”.
“Esses conglomerados de capital aberto atuam na elaboração e aprovação de políticas públicas de avaliação, no conteúdo curricular, nas modalidades, etc. Em aliança com o Governo Federal e o Ministério da Educação, agem pela autorregulação do setor privado no Brasil”, denunciou a professora.
Em sua análise, “estamos em uma crise de múltiplas faces: política, sanitária, econômica, social, de infraestrutura, ambiental, elétrica e educacional. Vivendo um ataque sistemático à democracia e uma ameaça constante de golpe”.
Para a professora, “o projeto de desmonte da educação pública no Brasil é central nesse governo. E sua implementação está sendo feita de forma agressiva e rápida, inclusive, aproveitando-se da pandemia”.
RESISTÊNCIA
“Diante da implantação de uma política antinacional e antidemocrática, é imperativo a construção de uma ampla aliança de forças, no sentido de barrar esse projeto e viabilizar uma alternativa emergencial de reconstrução nacional”, propõe a professora. “Este projeto emergencial coloca com força a necessidade do resgate de um projeto de educação pública, crítica e democrática”, afirmou.
EDUCAÇÃO COMO FORMAÇÃO CULTURAL ELEVADA E CRÍTICA
“Um projeto estratégico de Educação, como parte de um projeto estratégico de desenvolvimento nacional, está necessariamente ligado a um diagnóstico preciso das mudanças no mundo do trabalho e da acumulação capitalista”, considera Madalena.
Para ela, “a ampliação do conceito de desenvolvimento deve ultrapassar o aspecto meramente econômico, ou seja, um desenvolvimento que considere a necessidade de distribuição dos seus frutos para toda a sociedade – o que nunca aconteceu no Brasil – como política de Estado. Um projeto que combata o colonialismo interno e que não vincule a Educação somente ao projeto econômico e produtivo, mas à formação cultural elevada e crítica”. E, por último, afirmou, “que haja o fortalecimento da participação do Estado em políticas públicas de emprego, renda e direitos sociais”.