Na era dos influenciadores financeiros, muitos “analistas” repetem fórmulas prontas e superficialidades que moldam comportamentos econômicos sem compromisso com a realidade social.
MARCOS VERLAINE*
Nos últimos anos, plataformas como o YouTube se tornaram palcos para nova categoria de “formadores de opinião”: os chamados “analistas de mercado”. Entre eles, nomes como José Kobori1 se destacam pelo alcance e didatismo. Veja o vídeo do Kobori, no YT.
No entanto, como o próprio analista costuma reconhecer, a maioria dos pares atua mais como repetidor do discurso do mercado do que como produtores de reflexão crítica. Esses “analistas” compõem o que se pode chamar de “fábrica de opiniões”. E hoje todos têm opinião. Opinião é o que não falta no mercado.
Esses profissionais frequentemente se apresentam como intérpretes neutros da economia, mas, na prática, reproduzem visões ideológicas travestidas de objetividade técnica.
Ao tratar a economia como ciência exata — e não como campo de disputas políticas e sociais — muitos acabam reforçando narrativa única, que serve aos interesses do capital financeiro e despreza as contradições reais da sociedade brasileira.
ECONOMIA COMO DOGMA
A chamada “análise de mercado” transformou-se num produto midiático. Vídeos e podcasts oferecem previsões rápidas, recomendações de investimento e críticas fáceis às políticas públicas.
Porém, raramente há contextualização histórica, análise estrutural ou considerações sobre as profundas e candentes desigualdades sociais e, consequentemente, efeitos sociais das medidas econômicas.
No lugar da complexidade, entra o discurso dogmático da meritocracia: quem não prospera, dizem, é porque “não estudou” ou “não investiu direito”. Essa simplificação não apenas empobrece o debate econômico, mas culpabiliza o indivíduo e absolve o sistema, apagando o papel do Estado, do trabalho e das relações de poder que moldam a economia real.
A LÓGICA DO CONSUMO FINANCEIRO
A atuação desses analistas também se insere na lógica do mercado de atenção. O “conteúdo financeiro” virou nicho lucrativo, em que a credibilidade depende mais de engajamento e seguidores do que de rigor técnico e analítico.
O resultado é um círculo vicioso: o público busca respostas rápidas para um mundo complexo, e os analistas entregam fórmulas simplistas para manter a audiência.
Mais grave ainda é o efeito social desse discurso. Ao incentivar comportamentos individualistas e de autopreservação econômica, muitos analistas ajudam a consolidar cultura de isolamento, em que o sucesso é pessoal e o fracasso também.
Assim, o debate sobre desenvolvimento, redistribuição de renda e justiça social é substituído pela obsessão com rentabilidade e o sucesso pessoal.
ENTRE O MERCADO E A REALIDADE
Não se trata de negar a importância da análise econômica ou o papel de profissionais que traduzem dados para o público.
O problema é quando essa mediação se transforma em instrumento de legitimação ideológica. Analista que ignora as dimensões sociais e políticas da economia não informa — doutrina.
O desafio, portanto, é resgatar o sentido público da economia. Precisamos de analistas que enxerguem além dos gráficos e indicadores, que compreendam que o PIB não é sinônimo de bem-estar e que a inflação não é apenas número, mas drama cotidiano para milhões de famílias.
Enquanto a maioria continuar a agir como “porta-vozes do mercado”, e não como intérpretes da sociedade, seguiremos reféns de debate econômico pobre, tecnicamente repetitivo e socialmente alienado.
BOLETIM FOCUS
Veja o exemplo ou melhor, o mau exemplo do Boletim Focus. Trata-se de pesquisa semanal promovida pelo Banco Central, que “reúne as expectativas de agentes do mercado financeiro para variáveis econômicas como inflação, câmbio, crescimento do PIB, taxa de juros etc.”
Nessa ausculta, segundo Paulo Kliass2, costuma-se ouvir pouco mais de 160 pessoas — em alguns relatos —, todas ligadas ao sistema financeiro — grandes bancos e instituições financeiras.
Kliass afirma ainda que nessa ausculta não inclui representantes de indústrias, comércio, setor de serviços ou entidades sindicais. O que significa amostra socialmente restrita e com forte viés de classe, portanto, feitas a partir de severos interesses financeiros e econômicos.
O resultado dessa “pesquisa” é amplamente usado pelo BC e pela imprensa como indicador ou “expectativa do mercado”, embora — ainda segundo Kliass — reflita mais “opinião da nata do financismo” do que previsão tecnicamente neutra.
(*) Jornalista, analista político e assessor parlamentar do Diap
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1 Empresário, investidor, consultor e professor. É considerado referência em finanças no País. Autor do livro “Análise Fundamentalista”. É especializado em fusões e aquisições (M&A) e finanças corporativas. Também é cofundador da startup Scicrop e sócio de outras empresas, além de ter trabalhado em grandes companhias como a Xerox.
2 Graduado em Administração Pública pela FGV-SP (1985), mestrado em Economia pela USP (1988) e doutorado em economia pela UFR – Sciences Économiques – Université de Paris 10 – Nanterre (1994) e pós doutorado em economia na Université de Paris 13. Desde 1997 integra a carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental, vinculada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.









