
Todo esse caos político e jurídico que estamos passando no país poderia ser minimizado se tivéssemos uma lei que punisse o estelionato eleitoral, algo que, mesmo com o duro termo “estelionato”, não damos importância.
A situação mais comum no Brasil é ter políticos eleitos com uma plataforma de princípios, e, uma vez eleitos, praticam exatamente o oposto sem qualquer consequência.
A velha desculpa da “governabilidade” é típica do nosso subdesenvolvimento político, pois, se essa tese é aceita, então qualquer coisa serve como campanha, uma vez que a imprevisível “governabilidade” imporá seus desígnios.
Muitos políticos cometeram essa traição, mas, certamente, ninguém ultrapassou tantos limites quanto o ex-presidente Lula.
Não só o PT levantava a bandeira da moralidade e do combate à corrupção, como prometia mudanças políticas. Por um curto período, o governo foi composto por especialistas em ministérios e empresas estatais. Alguns meses depois, sem o mínimo disfarce ou cerimônia, a mesma base de apoio do governo anterior totalmente ligada no velho PMDB, foi alçada ao poder.
O que é grave é que esse apoio político se fez mediante a entrega de ministérios e estatais “de porteira fechada”, o que revela um pacto de governabilidade que conduz a políticas públicas fragmentadas e total descompromisso com o que foi pregado na eleição.
Como exemplo máximo dessa traição de princípios que mistura partidos ditos ideologicamente opostos, basta lembrar que o senador Romero Jucá permanece na elite do poder desde 1995. Foi líder do governo FHC, ministro no governo Lula, outra vez líder no governo Dilma e Ministro no governo Temer. Quando esse sintoma não alerta a sociedade que princípios foram abandonados, todo o debate está comprometido pela não compreensão do que ocorre no Brasil.
Se o Brasil tivesse uma simples lei que exigisse compromissos por escrito dos candidatos, certamente governos estariam em maus lençóis. Os Estados Unidos têm o “recall” que já ocorreu em diversos estados. Por que não temos algo parecido?
A justiça só funciona a contento quando é temida. No Brasil, ao contrário, ela é desafiada por recursos jurídicos infindáveis. Se tivéssemos esse mecanismo para governadores e prefeitos, provavelmente a sensação de impunidade seria outra.
Aqui, desprezam-se compromissos e há uma sensação de que um governante só pode perder o cargo se roubar! Ora, se governar significa apenas não roubar, então estamos totalmente sem rumo, pois políticas adotadas podem perfeitamente atender interesses privados e fazer um enorme estrago no interesse público sem que se possa chamar de roubo.
O caso do setor elétrico brasileiro é um excelente exemplo de como as “ideologias” partidárias são abandonadas em nome de uma repartição de poder que só pode ser justificada por interesses privados incrustados no estado.
A ex-presidente Dilma Rousseff foi a Ministra de Minas e Energia do governo Lula. Apesar de ter escrito um documento assinado por ela e pelo próprio presidente “Diretrizes e Linhas de Ação para o Setor Elétrico Brasileiro” (2002) onde está escrito o seguinte:
“Será criado um novo modelo de gestão, que contemple o desenvolvimento organizacional e administrativo das empresas federais e estaduais, explicitando suas responsabilidades sociais, fazendo-as respeitar os direitos do consumidor e subordinando-as ao controle pela sociedade. Haverá obrigatoriedade de estabelecer nessas empresas contratos de gestão que assegurem administração transparente, realizada por profissionais competentes, definindo papéis e fixando prazos e metas, especialmente no que concerne à implementação dos planos setoriais de investimento, ou em parceria com a iniciativa privada.”
Apesar disso tudo, como se sabe, o oposto foi adotado. Na maioria das vezes, a administração foi entregue à políticos, e, mesmo quando especialistas ocupavam os cargos, a falta de transparência não garantia a preservação do interesse público.
O mesmo documento proclamava mudanças na modelagem que levou ao racionamento. Nenhuma alteração estrutural foi adotada. Poderíamos até usar a irônica analogia de nomear o modelo de Romero Jucá, pois, como ele, apesar dos defeitos, atravessou governos incólume.
A estatal Eletrobrás, em seus 56 anos de existência teve 24 presidentes, sendo que apenas dois vieram de seus próprios quadros. Alguns sequer eram ligados à área elétrica. No período Lula – Dilma, seis presidentes ocuparam o cargo, o que mostra a dança de cadeiras ligadas à “governabilidade”.
Quando se leva em conta que, além do ministério e da ANEEL, hoje o setor é comandado por três organizações (EPE, ONS, e CCEE), a “dança” se estendeu para esses órgãos, que hoje, fazem o que a Eletrobras fazia no passado. A influência política e essa divisão de poder ligada à “governabilidade” amplia a já nociva fragmentação de responsabilidades com óbvios reflexos técnicos.
Nenhuma ideia que preserve a Eletrobrás como empresa estratégica poderá ter sucesso sem que se desmonte a impressão de que estatais são meros “puxadinhos” do palácio do planalto. Se tivéssemos contratos de gestão firmados e monitorados, que trajetória política teríamos assistido nos últimos 16 anos?
O sermão que defende a privatização é muito mais um discurso de abandono do estado como representante da sociedade do que uma solução. Infelizmente, voltamos ao que foi escrito e abandonado em 2002. É preciso reler tudo.
*Instituto de Desenvolvimento Estratégico para o Setor Energético (ILUMINA)