Em seus 97 anos, a carioca Yvonne Lara da Costa construiu obra singular. É a mais importante compositora de samba do Brasil. Sua morte, na segunda-feira (16), mobilizou colegas de todas as gerações, de todos os gêneros musicais, comprovando que a sambista não era, apenas, joia fundamental do samba, mas da cultura do país.
“O artista não morre, ele muda de lugar, a música está aí, continua viva na nossa memória e emoções”, disse Zeca Pagodinho em vídeo.
Maria Bethânia agradeceu a confiança de Dona Ivone Lara em permitir que ela, ao lado de Gal Costa, gravassem “Sonho Meu”. “O céu está verde e branco luminoso e puro ouro para receber a rainha Dona Ivone Lara, minha querida amiga, muita saudade dela, muita falta que ela fará ao samba”, disse.
A sambista também foi lembrada por outras escolas de samba do Rio de Janeiro, como a Portela. “Incomparável, formidável, inesquecível… Que vida! Como pode ter sido tão formidável, tão incomparável, tão única? Nunca surgirá alguém como ela”, afirmou Luis Carlos Magalhães, presidente da agremiação carioca.
Dona Ivone Lara faleceu por conta de uma insuficiência cardiorrespiratória. A Grande Dama do Samba estava internada, desde sexta-feira (13), com um quadro de anemia no Centro de Tratamento e Terapia Intensiva (CTI) da Coordenação de Emergência Regional (CER), no Leblon, na zona sul do Rio.
Ela foi velada na quadra da sua escola de samba, o Império Serrano, em Madureira, na zona norte. O enterro aconteceu no cemitério de Inhaúma, também na Zona Norte do Rio.
No velório, parentes, amigos e fãs fizeram uma roda de samba onde cantaram os maiores sucessos de Dona Ivone Lara e outros sambas clássicos. O caixão, colocado no meio da quadra, recebeu a bandeira do Império e do América, time de coração da sambista. Martinho da Vila e Tereza Cristina prestaram homenagens no enterro de Dona Ivone.
Aos 97 anos Dona Ivone se deslocava de cadeira de rodas e era amparada por familiares. Em suas aparições públicas, estava sempre sorridente e simpática. Onde chegava era ovacionada por artistas e pelo público.
Nascida em 13 de abril de 1921, em Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro, D. Ivone é a autora de sucessos como Sonho Meu, escrita em parceria com Décio Carvalho. O seu primeiro disco gravado foi o “Sambão 70”, em 1970, quando ela tinha 49 anos. Ao todo D.Ivone gravou 19 álbuns repletos de sucessos compostos por ela.
A sambista foi a primeira mulher a ganhar uma disputa de samba-enredo numa escola de samba no Rio, em 1965 – “Os cinco bailes da história do Rio” (com Silas de Oliveira e Bacalhau), no Império Serrano, D. Ivone também foi a primeira mulher a passar integrar a ala de compositores da escola. Ela era filha de músicos e ligados ao carnaval. Era prima de Mestre Fuleiro, um dos fundadores do Império Serrano.
Gravada por Beth Carvalho, Clara Nunes, Roberto Ribeiro, Maria Bethânia, Paulinho da Viola, Mariene de Castro, Roberta Sá, Marisa Monte, Zeca Pagodinho, Caetano Veloso, Gilberto Gil, e muitos outros grandes nomes da música brasileira, D. Ivone levou o samba para países na África, na Europa e na América Latina.
Em 2012 foi homenageada pelo Império Serrano. O tema “Dona Ivone Lara: O enredo do meu samba” contou a história de sucesso da compositora. Em 2015, entrou para a lista 10 Grandes Mulheres que Marcaram a História do Rio.
Ivone sabia curar a dor de amor, algo que muito provavelmente tem a ver com outra de suas especialidades: a enfermagem. Formada na profissão foi auxiliar da pioneira psiquiatra Nise da Silveira. Ela também trabalhou como atriz, em filmes, e foi a Tia Nastácia em especiais do Sítio do Pica-Pau Amarelo.
Seu maior parceiro foi Délcio Carvalho, com quem criou, entre muitos sambas, “Sonho meu”, “Acreditar”, “Minha verdade” e “Em cada canto uma esperança”. Em rodas de samba cariocas, composições como “Tiê” e “Mas quem disse que eu te esqueço”, esta com Hermínio Bello de Carvalho, sempre são lembradas.
Seu samba tinha uma assinatura e uma vasta lista de grandes sucessos, como: “Alguém me avisou”, “Acreditar”, “Tendência”, “Mas quem disse que eu te esqueço”, “Samba, minha raiz”, “Sorriso de criança”, “sorriso negro”, “sonho meu” e “minha verdade”.
Dona Ivone ergueu um valoroso monumento, patrimônio da cultura popular brasileira. A Grande Dama do Samba permanecerá viva na história e na voz de todos aqueles que em uma boa roda de samba cantam suas músicas.