“Os anos verdes de Lindaura” é o título desse livro de contos curtos de Elder Vieira*. Um “livro da gente brasileira”, como a ele se refere o autor em sua primeira obra em prosa.
São 87 contos nos quais desfilam personagens com jeito, linguagem, anseios, angústias, contradições, humor, sonhos, dilemas e saudades da nossa gente.
Ali nos deparamos com seu Nonô, que para se encontrar com Jacira “envergou o terno de linho branco, desenterrou o chapéu panamá e foi se aboletar em sua mesinha cativa no Pedreira”.
Lá está a precariedade do pretendente de Doralice, tentando ser previdente, em uma terra onde as oportunidades rareiam, a calcular suas possiblidades quando acerta um casamento: “já pensava no tamanho dos cômodos, no número de filhos e onde poderia arrumar um emprego e plantar sua esperança”.
Mais adiante nos vemos diante da angústia de uma espera em alguma das nossas insuficiências em termos de saúde pública. “No corredor esperava aflita. Macas iam e vinham. (…) Da sala onde estava seu menino, nenhuma notícia. (…) A fila dos desvalidos era imensa”.
O autor, sem em nenhum momento abrir mão da concisão a que se propôs do primeiro ao último capítulo, aqui e ali nos surpreende com construções poéticas que trazem à tona a emoção de seus personagens. Vemos isso acontecer na passagem na qual um pai tenta orientar os passos de sua filha prestes a se casar, mas já percebendo possíveis desventuras que, para ela, almeja pequenas: “os ferimentos, deixemos aos enfermeiros interiores de cada um. Contente-se em dar um pouco de si como item de curativo”.
Nascido em São Paulo, mas filho de pais sergipanos criado “à base de feijão com farinha, cuscuz com leite e carne de boi”, nesses relatos em que se vislumbra um conteúdo autobiográfico, Elder nos brinda com mais esse contato literário com o nosso Nordeste, presente com sua força em algumas de nossas melhores obras, mais uma vez através do linguajar e dos ambientes que povoam a maioria dessas dezenas de contos nos quais as tramas são por vezes claras e, em outros momentos, enigmáticas, como que convidando o leitor a processar desdobramentos e/ou desfechos, mas sempre com um questionamento da nossa realidade a cada página.
Elder nunca se permite a neutralidade, ao contrário, o livro revela o esforço para traduzir em sua literatura conceitos como os que expressou em uma roda de conversa com a juventude da qual participou em Nazaré Paulista e que foi retratada em matéria publicada na Hora do Povo, sob o título “Elder Vieira: cultura e luta de classes”**. “A resistência de natureza popular e de caráter nacional traduz-se na perspectiva transformadora de nosso ativo simbólico, marcado pela criatividade e inovação, e pela apropriação cultural operada por meio da transfiguração de motivos, temas e arranjos estéticos. Esse binômio dominação versus resistência traduzir-se-á (já que ultimamente estamos sob o império de mesóclises temerárias, mesoclisemos) nas múltiplas dimensões da cultura, e produzirá os resultados mais inusitados”, afirma.
Enfim, é através do olhar de Lindaura que o autor sintetiza a travessia um tanto aturdida e ainda perplexa da gente a quem dá passagem: “Dos olhos de Lindaura, sobram poucas lembranças. Ficam os quadris fartos, as lágrimas muitas, minadas de tantos filhos perdidos; ficam as festas pelas conquistas – poucas, mas significativas – e as perplexidades de tantos caminhos cruzados. Ficam também as revoltas, os passos atrás e as resignações. E ficam os eternos começos, frutos das marchas interrompidas”.
NATHANIEL BRAIA
*Elder Vieira, escritor e poeta, é secretário-geral do Sindicato dos Escritores de São Paulo, secretário de Formação Política do Partido Comunista do Brasil no Estado de São Paulo, tendo participado de trabalhos de gestão pública nos Ministérios da Cultura e do Esporte, e nas Prefeituras de Aracaju, Rio de Janeiro e São Paulo
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