A um grupo de religiosos que se aglomerou na porta do Palácio da Alvorada, no domingo (5), Bolsonaro ameaçou demitir ministros do seu governo que, na visão dele, “viraram estrelas”.
Sem citar nomes, ele disse que “não tem medo de usar a caneta”.
“[De] algumas pessoas do meu governo, algo subiu à cabeça deles. Estão se achando demais. Eram pessoas normais, mas, de repente, viraram estrelas, falam pelos cotovelos, tem provocações. A hora D não chegou ainda não. Vai chegar a hora deles, porque a minha caneta funciona”, afirmou Bolsonaro.
“Não tenho medo de usar a caneta, nem pavor. E ela vai ser usada para o bem do Brasil. Não é para o meu bem. Nada pessoal meu”, continuou.
O alvo da fala de Bolsonaro é o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, principalmente.
A atuação do ministro em defesa das medidas de quarentena em todo o país para combater a pandemia lhe tornou popular.
Segundo pesquisa do Datafolha, 76% dos entrevistados pelo instituto entre 1 e 3 de abril são favoráveis à quarentena. E apenas 18% dos entrevistados têm a visão contrária.
O desempenho do Ministério da Saúde no enfrentamento ao vírus conta com 76% de ótimo/bom.
Foram ouvidas 1.511 pessoas excepcionalmente por telefone, em razão da pandemia.
Já Bolsonaro tem defendido o contrário e tem sabotado o trabalho do Ministério da Saúde. Além de se referir ao coronavírus como “gripezinha” e “resfriado”, ele defende a reabertura do comércio (65% são contra) e das escolas (pelo Datafolha, 87% consideram que as aulas devem ficar suspensas). Pela pesquisa, 51% consideram que ele mais atrapalha do que ajuda a luta contra a Covid-19.
O ministro da Saúde tem sido atacado e ameaçado de demissão por Bolsonaro. Segundo Bolsonaro, “em alguns momentos, acho que o Mandetta teria que ouvir mais o presidente”. Uma clara tentativa de impor ao ministro a sua visão tacanha sobre o coronavírus.
Como disse o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), “ele [Bolsonaro] não entende nada de medicina e quer dar muita opinião sobre o que não sabe”.
Bolsonaro ainda disse que “está faltando humildade para ele [Mandetta] conduzir o Brasil neste momento”.
Mas, como se percebe, é ele quem está incomodado com o desempenho do ministro e o trata com arrogância.
Dentro do ministério, Mandetta tem o apoio de Paulo Guedes (Economia), Sergio Moro (Justiça), Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia) e Tereza Cristina (Agricultura).
O general Braga Neto, chefe da Casa Civil e coordenador do gabinete de crise do governo, ao ser perguntado por uma jornalista, durante entrevista coletiva no Planalto, sobre qual era a posição do governo, se a do Ministério da Saúde, de manutenção da quarentena para barrar a expansão da epidemia, ou a de Bolsonaro, pelo fim da medida, respondeu que apoia a posição do Ministério da Saúde.
O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, também já declarou que “a posição do governo para o combate à pandemia, por enquanto, é uma só: isolamento e distanciamento social”.
Ao Estadão, após ser questionado sobre a declaração de Bolsonaro, o ministro respondeu, parecendo bocejar ao telefone: “Eu estou dormindo”. “Amanhã eu vejo, tá?”, completou, antes de encerrar a ligação.
No domingo, Bolsonaro não falou com os jornalistas nem permitiu que a imprensa se aproximasse do local onde conversou com os religiosos. Mas parte da conversa foi transmitida pelo próprio governo em suas redes sociais. Outros trechos da fala de Bolsonaro foram gravados por apoiadores.